Dilma legaliza a “pílula do câncer”
Mesmo sem provas científicas de que a fosfoetanolamina sintética é realmente eficaz, a substância foi liberada para pessoas diagnosticadas com a doença - pelo menos até o fim dos testes
A “pílula do câncer” já vem dando o que falar desde 2014. Agora, acaba de sair mais um capítulo dessa história: depois de sua liberação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, a fosfoetanolamina sintética foi aprovada pela presidente Dilma Rousseff.
A nova lei permite que pacientes diagnosticados com câncer tomem a pílula por escolha própria, desde que tenham um laudo médico que comprove o diagnóstico e que eles – ou seus representantes legais – assinem um termo de responsabilidade e consentimento, que documentará que eles têm ciência dos riscos da fosfoetanolamina. Além do uso, a posse da substância também foi legalizada – ambos independentemente de registro sanitário da pessoa. A produção, a importação, a distribuição e a prescrição são permitidas, mas só para agentes autorizados pelas autoridades sanitárias, como a Anvisa.
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O problema é que a sanção da presidente foi tão rápida que acabou não levando em consideração o que disseram a Anvisa e os ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Saúde, Ciência, Tecnologia e da Inovação, que aconselharam o veto integral ao projeto, já que ainda não se sabe ao certo se a “pílula do câncer” faz mal à saúde. Além disso, de acordo com a Lei No 6.360, de 1976, caberia exclusivamente ao Ministério da Saúde a atribuição do registro, da aprovação e da permissão do uso de medicamentos. O contraponto, que fez passar a nova lei na Câmara, no Senado e agora por Dilma, é a autonomia dos pacientes de decidirem ou não pelo uso da substância – a liberdade de escolha.
História longa
Aparentemente, a fosfoetanolamina estimula a morte das células que estejam se comportando de maneira atípica e formando os tumores. A “pílula do câncer” foi descoberta há 20 anos por Gilberto Chierice, professor de química da USP São Carlos que começou a testar a substância – primeiro em células, depois em animais – para entender melhor esse efeito. Quando as pessoas ficaram sabendo das pesquisas a pílula virou uma febre entre os diagnosticados com câncer. A substância passou a ser distribuída pela USP até janeiro de 2014, quando foi proibida pela própria universidade. O motivo: ela não havia sido testada em humanos, e não se sabia seus efeitos reais. Até hoje, aliás, ninguém tem muita certeza disso.
Com a proibição, muita gente tentou conseguir a substância por meios legais, e foi aí que a fosfoetanolamina entrou em discussão na política. Do Tribunal de Justiça de São Paulo, os processos passaram para o Supremo Tribunal Federal – a instância jurídica mais alta do Brasil – e acabaram tendo uma repercussão tão grande que acabaram como um projeto de lei (PL) na Câmara dos Deputados, que é o primeiro a avaliar mudanças na Constituição. O PL passou na Câmara em março, e daí foi para o Senado, onde foi aprovado alguns dias depois. Hoje, ele chegou na última instância, a presidência da República. E passou.
Liberdade X perigo
Toda a polêmica em torno do tema se resume em uma só briga: a liberdade de escolha do indivíduo versus o perigo de ingerir uma substância que, até agora, ninguém sabe se é segura ou não. Embora algo em torno de 5 mil pessoas tenham afirmado que se beneficiaram da “pílula do câncer” (de acordo com estimativas do Tribunal de Justiça de São Paulo), a própria USP publicou uma nota alertando que “a Universidade não dispõe de dados sobre a aplicação dessa substância para o tratamento de qualquer doença em seres humanos, nem tem acesso aos elementos técnico-científicos necessários para a produção da substância”.
A Unicamp também critica a fosfoetanolamina, e a Anvisa já afirmou que vê a liberação da substância com “grande preocupação”. Por outro lado, o Ministério da Saúde está ajudando nos estudos oficiais que definirão se a “pílula do câncer” é segura ou não. Como a lei aprovada pela presidente só tem validade até o fim dos testes, esta história ainda está longe de terminar.
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