Transplantes de órgãos e vida até 150 anos, como querem Putin e Xi Jinping, são possíveis?
Diálogo entre líderes mundiais levanta questões sobre os limites da longevidade e avanços médicos. Entenda o que está em jogo.

Durante a parada militar em Pequim que marcou os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Sino-Japonesa, um diálogo inesperado chamou atenção de quem acompanhava o evento: os presidentes da China e da Rússia, Xi Jinping e Vladimir Putin, discutiram transplantes de órgãos e a possibilidade de estender a vida humana a até 150 anos.
Um microfone aberto captou parte da conversa. Pelo intérprete de Putin, foi dito que órgãos humanos poderiam ser transplantados repetidamente, permitindo que uma pessoa “fique cada vez mais jovem” e até evite a velhice indefinidamente.
Xi respondeu que algumas previsões indicam que, neste século, humanos poderiam viver até 150 anos. O momento foi breve e acompanhado de risadas e sorrisos, mas provocou repercussão internacional sobre os limites da longevidade e os avanços da biotecnologia.
Apesar do tom aparentemente leve, a conversa toca em questões complexas da medicina moderna. Transplantes de órgãos são procedimentos consolidados e salvam vidas em todo o mundo. Em 2024, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou mais de 30 mil procedimentos no Brasil.
Diferentes órgãos apresentam expectativas variadas: rins de doadores vivos podem funcionar por 20 a 25 anos, fígados cerca de 20 anos, corações 15 anos e pulmões aproximadamente 10 anos. Quando o órgão vem de doador falecido, a expectativa média diminui – o tempo de um cai para entre 15 e 20 anos, por exemplo.
A repetição de transplantes, como sugerida na conversa de Xi e Putin, ainda enfrenta limitações médicas sérias. Cada cirurgia envolve riscos significativos e requer o uso contínuo de drogas imunossupressoras, que evitam a rejeição do órgão, mas aumentam a vulnerabilidade a infecções, câncer e complicações cardiovasculares.
Neil Mabbott, especialista em imunopatologia do Instituto Roslin, na Escócia, explicou à BBC que “o estresse e os impactos de múltiplos transplantes, somados aos efeitos das drogas antirrejeição, seriam graves demais para pacientes em idade muito avançada”.
Além disso, a rejeição do órgão pode ocorrer mesmo com a medicação adequada, já que o sistema imunológico reconhece tecidos estranhos e tenta eliminá-los.
Para enfrentar essas limitações, cientistas investem em soluções inovadoras – entre elas, o xenotransplante, que utiliza órgãos de porcos geneticamente modificados. A ideia é contornar a crise mundial de oferta: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas cerca de 10% da demanda global por transplantes é atendida.
O número representa uma melhora de 52% em relação a 15 anos atrás, mas ainda está longe do suficiente. Só no Brasil, 78 mil pessoas aguardam na fila de espera por um órgão. Na Super, fizemos uma matéria de capa sobre xenotransplantes em julho de 2024.
Nos últimos anos, rins, corações e fígados de porcos já foram transplantados em humanos em caráter experimental. Em agosto, cirurgiões chineses realizaram o primeiro transplante de um pulmão suíno em um paciente com morte cerebral; o órgão funcionou por nove dias.
Nos Estados Unidos, rins e corações de porcos foram testados em pacientes em morte cerebral, e dois pacientes vivos receberam rins modificados com genes humanos, que aumentaram a compatibilidade e reduziram riscos de rejeição e transmissão de vírus animais.
No Reino Unido, cientistas também exploram alternativas. Pesquisadores reconstruíram um timo humano a partir de células-tronco e o transplantaram em ratos como teste, enquanto equipes do Great Ormond Street Hospital cultivaram enxertos de intestino humano para possíveis transplantes personalizados, especialmente em crianças com insuficiência intestinal.
O objetivo é criar órgãos que não sofram rejeição, mas ainda não existe tecnologia para produzir estruturas funcionais completas em escala clínica.
Mais radical é a hipótese de corpos humanos “de reserva”, gerados a partir das próprias células do paciente, mas com os genes do cérebro desativados e gestados em úteros artificiais. A ideia, embora teoricamente viável, é apenas especulativa e carrega dilemas éticos profundos.
Outra linha de pesquisa busca modificar órgãos in situ – ou seja, dentro do corpo dos pacientes – para que resistam a infecções e liberem proteínas antienvelhecimento. Nesse cenário, o órgão funcionaria não apenas como substituto, mas também como uma terapia para prolongar a saúde e reduzir a dependência de múltiplos transplantes e de imunossupressores agressivos.
Apesar desses avanços, os limites biológicos da vida humana permanecem firmes. Estudos indicam que a longevidade máxima conhecida está entre 120 e 125 anos, com Jeanne Calment, francesa que viveu 122 anos, detendo o recorde absoluto.
Um estudo publicado em 2024 na revista científica The Lancet mostrou que a expectativa de vida mundial deve aumentar no máximo 5 anos até 2050 – atingindo por volta dos 78 anos nesse período.
Leonardo Oliva, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), afirmou ao g1 que “não há base científica para acreditar que pessoas viverão até 150 anos neste século”. Milton Crenitte, médico geriatra da USP, complementou: mutações, danos celulares e alterações nos sistemas imunológico e neurológico estabelecem um teto biológico para a vida.
Mais do que prolongar anos de vida, especialistas destacam a importância do envelhecimento saudável. Hábitos simples influenciam fortemente a longevidade e a qualidade de vida: prática regular de exercícios, alimentação balanceada, sono adequado, consumo moderado de álcool, não fumar, cuidado com a saúde mental e acompanhamento médico periódico.
Pesquisas com centenários e supercentenários indicam ainda fatores genéticos, ambiente e condições socioeconômicas como determinantes da longevidade. Se quiser saber mais sobre o assunto, leia a matéria de capa de novembro de 2024, A busca da longevidade.
Além das práticas individuais, desigualdade social, crises globais e mudanças ambientais afetam quanto tempo as pessoas vivem. “Se o planeta não estiver habitável, não tem como falar em expectativa de vida”, alertou Crenitte.
Também vale destacar que a conversa entre os mandatários, embora possivelmente bem-humorada, reflete o interesse de líderes que, aos 72 anos, já tomaram medidas para permanecer no poder por décadas. Putin assumiu interinamente a presidência da Rússia em 1999, foi eleito em 2000, cumpriu dois mandatos, passou pelo cargo de primeiro-ministro entre 2008 e 2012 e, após alterações constitucionais em 2020, poderá permanecer no poder até 2036.
Já Xi, eleito presidente da China em 2013, teve o limite de mandatos removido em 2018 e foi reeleito em 2023 para um terceiro período, podendo estender seu governo pelo menos até 2027, consolidando-se como o líder chinês mais longevo desde Mao Tsé-Tung.
Na ciência, entretanto, a imortalidade ainda é um horizonte distante, limitado pelos desafios biológicos, pelos riscos de múltiplos transplantes e pelos efeitos adversos de medicamentos necessários para mantê-los.