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“Coma comida. Não muita. Principalmente plantas”: eis uma dieta saudável

Um exército de tiktokers, influenciadores, pseudocientistas e outras sortes de terroristas nutricionais corrói nossos laços culturais e afetivos com a comida e espalha a ilusão perversa de que se alimentar bem é complicadíssimo. Não é.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
20 set 2024, 10h00

Esta é a carta ao leitor da edição de setembro de 2024 da Super. 

Em 2018, o pesquisador Ilya Bobrovskiy desceu de rapel em um penhasco íngreme na Rússia para colher amostras de um Dickinsonia fossilizado. Esse foi um ser vivo pré-histórico semelhante a um tapete, que alcançava mais de 1 m² de área, mas apenas alguns milímetros de espessura. 

Ele viveu há 558 milhões de anos e foi uma das primeiras formas de vida maiores que um protozoário. Não tinha cabeça, ombro, joelho ou pé. Lembrava uma folha de árvore gigantesca – uma criança diria que é o bisavô da vitória-régia. 

Por décadas, ninguém soube se o dito-cujo era bicho, fungo, planta ou alguma outra coisa. Até que Bobrovskiy encontrou moléculas de colesterol no fóssil – e colesterol, via de regra, só existe em animais. Mistério resolvido: era bicho. 

É provável que o Dickinsonia se alimentasse do suculento tapete de bactérias que forrava o leito dos oceanos. Na época, esse era o máximo de emoção que um almoço na Terra oferecia. Outras opções eram filtrar água do mar atrás de matéria orgânica ou comer restos de animais mortos (a saprofagia). 

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Foi só no Cambriano, o período geológico seguinte, que as dietas pré-históricas ficaram mais interessantes. Alguns animais passaram a ter garras e dentes afiados para beliscar o almoço. O almoço, por sua vez, passou a se proteger com carapaças rígidas e toxinas. E claro: esses bichos precisavam de nadadeiras ou patinhas – fosse para perseguir, fosse para fugir.  

Surgiram olhos para detectar a radiação eletromagnética refletida pelos outros seres, ouvidos para perceber as vibrações que eles geram na água, narizes para farejar o rastro de moléculas que eles deixam… Nossos sentidos nos permitem encontrar alimento enquanto evitamos o aconchego do estômago alheio. 

O ser humano, claro, foi além da sobrevivência e aprendeu a manipular seus sentidos por prazer. Parte disso consistiu em equilibrar sal, acidez, gordura e calor para tornar a comida algo além de combustível. Toda civilização tem uma culinária – um conjunto de tradições para preparar e consumir alimento que está embrenhado na nossa memória afetiva, nos dá prazer, nos une à família e amigos e resguarda nossa identidade religiosa.

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Infelizmente, há um exército de tiktokers, influenciadores, pseudocientistas e outras sortes de terroristas nutricionais que estimulam a busca por padrões de beleza inalcançáveis e cultivam baixa autoestima e transtornos alimentares, especialmente em mulheres jovens. Nossa relação com a comida está corroída pelas ilusões perversas de que saúde é sinônimo de magreza, de que celulite é condenável e de que se alimentar bem é complicadíssimo.

Não é. Nas palavras de Michael Pollan: “Coma comida. Não muita. Principalmente plantas”. Eis aí uma dieta saudável, sem chás mágicos, sucos detox e outras picaretagens, e com um espacinho para hambúrguer no final de semana. 

Se daqui 500 milhões de anos encontrarem meu fóssil, haverá algum colesterol nele. O que me permitirá ser identificado como o que sou: um animal que compartilha guloseimas e alegria com gente querida, e não um Dickinsonia do submundo fit, sugando whey protein, alface e barrinhas de cereal. Ninguém merece a alimentação pré-Cambriana. 

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Na matéria de capa desta edição, com texto da Maria Clara Rossini e design deliciosamente labiríntico da Luana Pillmann, explicamos como manter uma relação sensata e saudável com a culinária do Holoceno, a época geológica atual (rs). Sejam felizes à mesa. Um abraço!

Bruno Vaiano
Editor-chefe
bruno.vaiano@abril.com.br

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