O poder do sexto sentido
Não é esoterismo, é um fato científico: o sexto sentido existe e pode nos ajudar a tomar decisões melhores. Só que você tem de saber usar
O PODER DO SEXTO SENTIDO
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A intuição também tem um poder de decodificar o que o outro está sentindo mais rapidamente que um piscar de olhos. Ela é capaz de traduzir em segundos expressões faciais sutis, como uma sobrancelha arqueada, e entendê-la como sinal de preocupação. Ou olhar o rosto de um desconhecido por exatos 50 milissegundos e avaliar se é confiável ou não. Pesquisadores em comportamento humano dizem que precisamos de pequenos nacos de informação visual para diagnosticar o que se passa com o outro. Em política, esse julgamento supersônico decide uma eleição. O psicólogo de Princeton, Alexandre Todorov – o mesmo que descobriu o tempo mínimo que levamos para decodificar o caráter alheio -, mostrou que os candidatos que pareceram mais competentes à primeira vista para os votantes costumam ser eleitos.
Um estudo da psicóloga Nalini Ambady, da Universidade Tufts, EUA, examinou o grau de eficiência das primeiras impressões. Para isso, gravou vídeos de 15 segundos com 45 casais. Alguns eram casais de verdade, outros eram só amigos e um terço não se conhecia. Oitenta participantes tentaram adivinhar quais eram os casais legítimos pelas imagens. Quem não pensou muito na resposta acertou muito mais do que quem recorreu ao raciocínio. Nalini complicou um pouco mais o teste e pediu para um grupo contar até mil de trás para frente enquanto assistia aos vídeos. De novo, a intuição ganhou do raciocínio. Até com distrações paralelas atrapalhando a escolha.
Para o psicólogo da Universidade de Chicago Nicholas Epley, autor do recém-lançado Mindwise (“Sabedoria da Mente”, sem edição em português), decodificar sentimentos alheios seria a habilidade mais fantástica do ser humano, fazendo-o se destacar como espécie. “É difícil imaginar uma habilidade mais útil que entender os outros”, diz Epley no livro. Ainda mais num mundo com 7 bilhões de pessoas.
O mais surpreendente é que, às vezes, não precisamos nem sequer olhar rostos para entender o que o outro está sentindo ou pensando. Um estudo curioso publicado na Psychological Science em 2013 mostrou que basta olhar as mãos de um jogador de pôquer para saber se ele vai ganhar o jogo. O pesquisador Michael Slepian, da Universidade Stanford, EUA, mostrou clipes de um torneio oficial para 78 universitários. Em um vídeo de 1,6 segundo, jogadores eram mostrados do dorso para cima: tronco, braços e rostos. Outros mostravam apenas a cara deles. E um terceiro, apenas mãos e braços. Cada voluntário assistia a um dos vídeos e respondia se achava que o jogador tinha boas cartas ou não. Os estudantes que viram os vídeos dos rostos ou do dorso para cima se saíram mal. Quem só viu mãos e braços acertou muito mais.
A explicação pode estar, segundo Slepian, na tendência do corpo em expressar sensações e na nossa capacidade ancestral de decodificá-las. Não é apenas nosso rosto que fica distorcido de apreensão ou nervosismo. Braços e mãos também demonstram ansiedade. Ou seja, tão importante quanto treinar uma poker face para disfarçar uma mão boa ou ruim é treinar as próprias mãos para não entregar o jogo.
Prevendo o futuro
O poder da intuição está chegando até mesmo a áreas pragmáticas como Exército e informática. O Centro de Pesquisas Naval dos EUA anunciou, em 2014, que vai oferecer US$ 3,8 milhões para financiar pesquisas para entender como funciona o sexto sentido. A ideia surgiu do relato de tropas em combate que alegaram pressentir o perigo logo antes de encontrarem uma tropa inimiga ou uma bomba. O objetivo é treinar militares jovens para desenvolver a habilidade – os veteranos não precisariam graças à experiência nos campos de batalha.
Nesse caso, a intuição assume uma faceta, digamos, parapsicológica ou anômala – termo mais usado na academia para descrever os eventos que não são explicados pelo paradigma científico vigente. “As experiências anômalas são um objeto válido para a ciência porque elas afetam a vida de quem as vivencia, mesmo que os fenômenos paranormais não existam”, acredita o pesquisador Fabio Eduardo da Silva, do Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais da USP.
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Mas há evidências vindas dos laboratórios de que teríamos, sim, condições de antever acontecimentos. O próprio Fabio concluiu uma tese, em 2014, na qual investigou a possibilidade de antevermos acontecimentos. Na pesquisa, ele expôs 48 voluntários a uma sequência de imagens calmas, violentas e eróticas. Ele queria saber se os participantes conseguiriam antecipar a fotografia que estava por vir 6 segundos antes de ela aparecer na tela. Para isso, mediu a condutividade da pele, um indicador fisiológico das emoções humanas. Se os participantes conseguissem intuir as imagens mais fortes a seguir, haveria uma mudança corporal passível de ser detectada. Foi o que ocorreu. Ou seja, houve evidência – ainda que sutil – de que supostamente conseguimos obter informações vindas do futuro. “Se é que o futuro existe”, diz o psicólogo.
Em 2010, o professor Daryl Bem, da Universidade de Cornell, EUA, causou estardalhaço com a divulgação de uma série de experimentos que mostraram que todos nós temos um quê de videntes. Seu artigo Feeling the Future (“Sentindo o Futuro”) trouxe evidências de que podemos antecipar o que está para acontecer sem nos basear em informações do passado ou do presente. É claro que Bem conseguiu confirmar a façanha em poucos casos. Mas, segundo ele, com tanta exatidão que seria suficiente para dar a prova derradeira que a habilidade não seria tão sobrenatural assim, mas feijão com arroz.
O professor de Cornell desenhou nove experimentos e recrutou cem estudantes. Um dos testes envolvia fotos eróticas, violentas e neutras, selecionadas do International Affective Picture System, um compêndio com 820 fotos digitais que receberam nota 9 em uma escala que atesta o grau emotivo das imagens. Na tela, apareciam duas fotos, lado a lado, cobertas. Uma delas tinha uma foto atrás; e a outra, nada. Todas foram distribuídas aleatoriamente. Os voluntários tinham de adivinhar que fotos tinham imagens no verso. As tentativas eram repetidas várias vezes. Bem tinha duas hipóteses: 1) os estudantes identificariam a posição das fotos eróticas mais do que o acaso (50%) e 2) os índices seriam mais significativos no conteúdo erótico. Bingo. Depois de repetir os testes, o cientista encontrou exatamente o que sua intuição esperava. Os participantes identificaram a posição das imagens sexuais 53,1% das vezes, uma diferença pequena, mas que o fez seguir pesquisando.
5% é quanto a consciência ocupa em nossos processos cerebrais. 95% é território do inconsciente, que domina desde ações e decisões banais até as mais racionais
Em outro teste, Bem inverteu um estudo clássico para testar o processo de percepção, chamado de priming effect. Para ver como o cérebro processa informação, os pesquisadores apresentam palavras em flashs tão rápidos que o indivíduo não consegue dizer o que viu. Mas seu inconsciente, sim. Para testar essa hipótese, os cientistas mostram uma palavra emotiva, por exemplo, “feliz” e, em seguida, a imagem de um gatinho fofo. Quando isso ocorre, os indivíduos categorizam a imagem como positiva de uma forma mais rápida do que sem a exibição de um texto. Ou seja, a palavra “feliz” predispôs o cérebro, subliminarmente, a identificar coisas boas a seguir. Bem inverteu a lógica. Apresentou a palavra depois da imagem para ver se o resultado se repetia. E ele, misteriosamente, se repetiu, indicando que o inconsciente manda bem em antecipar acontecimentos – apesar de o próprio Bem não saber explicar como.
Outros cientistas tiveram dificuldade de replicar o experimento de Bem. Um grupo de pesquisadores do Reino Unido fez três testes usando o mesmo número de participantes e o mesmo software, sem sucesso. Os voluntários não aparentavam ter traços de cartomantes. Com outros pesquisadores, ocorreu a mesma coisa. O próprio Bem segue na batalha para repetir os resultados. O seu último estudo é uma meta-análise de 90 experimentos, feitos por 33 laboratórios em 14 países. Uma meta-análise é uma técnica estatística que combina dados de diferentes estudos. Bem e sua equipe encontraram, mais uma vez, indícios estatísticos que sugerem precognição, embora o efeito ainda seja pequeno para se tornar relevante cientificamente. Claro que pesquisas como essa são muito contestadas e estudiosos como Bem são criticados na academia. Mas a busca por respostas nessa área já encontra algum respaldo científico de grandes entidades. Recentemente, a Academia Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) financiou duas conferências entre físicos e parapsicólogos para organizar tudo o que já se sabe e o que ainda falta entender sobre o fenômeno.
Os cientistas têm sido criativos na investigação sobre a acurácia dos pressentimentos. Alguns, inclusive, trataram de retirar a aura mística do assunto para ver se o tema ganha mais atenção. Um dos artigos mais inusitados foi publicado em 2014 no Journal of Scientific Exploration. Três pesquisadores da Universidade de Boulder, Colorado, EUA, resolveram ver se havia aplicações práticas e lucrativas para a suposta habilidade de ver coisas ou acontecimentos além do alcance dos olhos, como acertar o vai-vem da bolsa de valores. O experimento usou o método chamado visão remota associativa. Neste caso, os voluntários são instruídos a associar uma imagem a um acontecimento futuro – no caso, um coelho representava o índice Dow Jones subindo no dia seguinte, e uma bola de boliche, uma queda do indicador. Eles, então, receberam a ordem: “desenhe aquilo que eu vou te mostrar no fim da tarde de amanhã”. Os dez participantes desenhavam as imagens que eram avaliadas por uma espécie de juiz que determinava se eram mais parecidas com um coelho ou com uma bola. O teste foi repetido sete vezes e o índice de acertos foi de 100%. Isso resultou em ganho de US$ 16 mil – o investimento inicial foi de US$ 10 mil. Nada mal.
Os autores ponderam que os bons resultados têm a ver com o curto tempo do teste. Em geral, a acurácia da visão remota tende a fraquejar conforme o tempo de estudo aumenta. “Mas mesmo um sucesso moderado por um longo período de tempo poderia ser significativo”, alegaram os pesquisadores. Ou lucrativo, nesse caso.
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