Construa seu sexto sentido
São necessários, no mínimo, dez anos de experiência numa atividade para fazer seu primeiro milhão de padrões de memória e construir sua intuição — isso mesmo, ela não surge do nada.
O PODER DO SEXTO SENTIDO
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Experimente perguntar a um enxadrista como ele ganhou um campeonato. É provável que ele diga “não sei”. O psicólogo Gary Klein se irritava com essa resposta vinda de vários profissionais. Mas ele insistiu. Pedia detalhes em entrevistas que duravam horas com executivos, enfermeiras de UTI e bombeiros.
Klein percebeu dois aspectos recorrentes: 1) os mais intuitivos, em geral, eram os mais experientes; 2) anos de prática serviram para acumular padrões que automatizaram tarefas complexas. Os entrevistados sabiam explicar os motivos por trás das escolhas. Sem pensar, haviam reconhecido em situações-limite padrões já enfrentados. Em milissegundos, seu inconsciente fazia conexões com vivências prévias e fazia soar um alerta na forma de estalo mental ou calafrio. Tá, mas como ensinar isso de modo prático?
O prêmio Nobel Herbert Simon fez o cálculo. São necessários, no mínimo, dez anos de trabalho duro, 40 horas por semana, 50 semanas por ano, para começar a fazer o dever de casa. Esse é o primeiro passo para fazer seu primeiro milhão de padrões de memória. Especialistas em uma área têm entre 100 mil e 2 milhões de padrões à disposição. O repertório de soluções à disposição da intuição é tão robusto que fica difícil ignorá-las.
Mas os experts não são intuitivos 100% do tempo. O psicólogo Daniel Kahneman, Nobel de Economia em 2002 estudando economia comportamental, explica que a mente trabalha com um sistema rápido e intuitivo colaborando com outro lento e reflexivo. O intuitivo não melhora se não refletir sobre suas decisões, identificar seus erros e fazer tudo de novo, tarefas do racional. A carreira de Magnus Carlsen, do início da reportagem, exemplifica a interdependência dos sistemas. Antes de levar 10 segundos para escolher cada jogada, ele engatinhou no xadrez, demorando para decidir, analisando um monte de variáveis, cometendo erros e perdendo jogos. O sistema racional foi abastecendo de dados o intuitivo, que por sua vez turbinou o jogo de Magnus. O sistema racional é um guardião, corrigindo as falhas da intuição – que não são poucas.
44% é o índice de acerto entre casais que participaram de uma pesquisa para medir quanto cada parceiro sabia sobre o outro. Nem sempre a intuição funciona tão bem quanto parece
A razão é lógica e cartesiana, enquanto a intuição é anárquica e emotiva. E isso é um problemão com o bombardeio de informações a que estamos expostos. O inconsciente vai processando o máximo de dados, sem a gente perceber. Como não se guia pela lógica, faz lambança. Exemplo: não são poucas as pessoas com medo de avião, ainda que o transporte aéreo seja dos mais seguros. As pessoas são todas loucas, então? Não. Elas veem notícias, e acidentes aéreos rendem manchetes trágicas. Como a intuição não é boa em estatística e é afetivamente sensível, desconsidera o dado e fica com a emoção do relato – e com o medo de voar.
A rapidez da intuição também prega peças. Para não perder agilidade, ela funciona à base de estereótipos, o que reforça nossos preconceitos. Além disso, o pensamento intuitivo ainda esbarra em outro problema nato: somos egocêntricos. Tendemos a analisar o mundo e os outros a partir de nossos gostos e experiências. Normal. Só que não somos reis da empatia. O psicólogo William Ickes descobriu que nossa precisão em sacar o que passa na cabeça de um estranho é de 20%. E o índice sobe para míseros 35% entre casais e amigos. O professor da Universidade de Chicago, Nicholas Epley, comparou o quanto cônjuges sabiam um do outro. É um fosso: embora declarassem “ler” os parceiros em 80% das situações, o índice de acerto foi de 44%. “Na dúvida sobre como o outro se sente, pergunte”, aconselha Epley. Seu sexto sentido agradece. Na próxima, ele adivinha sozinho.