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O mistério da “lua russa”

Explicação do fenômeno, que fazia com que os jardineiros e agricultores do século XVIII acreditassem na capacidade refrigerativa dos raios lunares.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 mar 1989, 22h00

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

Durante uma das visitas anuais ao rei Luís XVIII, em 1827, quando o astrônomo e matemático francês Pierre-Simon, marquês de Laplace (1749-1827), acompanhado dos seus colegas do Bureau dês Longitudes, presenteava-o com um novo exemplar das duas principais efemérides astronômicas francesas. Connaissance dês Temes e o Annuaire Du Bureau dês Longitudes, sua majestade surpreendeu-os com a observação: “Encantado por tão ilustres presenças ao meu redor, gostaria de solicitar que me explicassem o significado de “lua russa, bem como a maneira como age sobre as colheitas”.

Sob o impacto da questão, Laplace que já havia desenvolvido uma teoria sobre o movimento lunar, consultou com o olhar as colegas. Diante do espanto dos astrônomos ali presentes, Laplace, a quem a pergunta tinha sido dirigida, respondeu timidamente: “Majestade, teorias astronômicas não se ocupam da ‘lua russa’. Por esse motivo, não somos capazes de satisfazer a curiosidade de vossa alteza”. Naquela noite, após o jantar, durante o jogo, o rei divertiu-se recordando com seus convivas que conseguira colocar os mais sábios dos seus súditos – os membros do Bureau dês Longitudes – em grande dificuldade com uma questão elementar que qualquer camponês conhecia.
Diante desse desagradável contratempo, Laplace procurou seu colega francês François Arago (1786-1853), diretor do Observatório de Paris, para solucionar a difícil e já famosa questão da “lua russa”. Arago também nada sabia. Prometeu se informar junto aos jardineiros do Jardin dês Plantes, jardim botânico parisiense, bem como junto aos camponeses ou cultivadores. Descobriu Arago que os jardineiros usavam a expressão “lua russa” para designar a lua que começa em abril e se torna cheia, seja no fim desse mês, seja mais comumente no decorrer de maio. Segundo a crença geral, a luz da Lua, nos meses de abril e maio, exerce uma ação maléfica sobre os brotos das árvores que ressurgem no inicio da primavera. Diziam os jardineiros que a luz da Lua nesses meses tem a capacidade de queimar as sensíveis e tenras folhas que começam a renascer

Todos eles asseguravam ter observado que, nas noites enluaradas, quando o céu estava sereno, os brotos expostos à luz se avermelhavam, ou melhor, gelavam, apesar de o termômetro indicar da atmosfera estava vários graus acima de zero. Por outro lado, observavam que, se o céu estivesse coberto, ou seja, com nuvens que impediam a incidência da luz lunar nas plantas, tal efeito não ocorria naquelas condições de temperatura. Acreditavam que a claridade do nosso satélite possuía a propriedade de congelar os brotos das árvores. Arago procurou estudar o problema dirigindo as mais possantes lunetas da época para a Lua e colocando em seus focos os termômetros mais sensíveis. Não encontrou nada que justificasse a opinião de jardineiros e camponeses. Para os físicos, a “lua russa” era uma crendice popular, um preconceito dos agricultores, que, apesar de tudo, continuavam convencidos de suas observações.

Diante das duas opiniões aparentemente contraditórias, Arago lembrou-se de uma experiência realizada no século anterior, em 1783, pelo astrônomo escocês Alexander Wilson (1714-1786), ao estudar o esfriamento noturno: certa noite, Wilson colocou um termômetro sobre a neve, que marcava 22 graus abaixo de zero, enquanto, a meio metro acima do solo, outro termômetro assinalava 14 graus abaixo de zero. Subitamente, observou que a temperatura do termômetro inferior subiu 8 graus, ou seja, passou a 14 graus abaixo de zero, quando o céu foi invadido por uma massa de nuvens. Daí surgiu a explicação que se tornou clássica.

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Durante as noites de céu puro e sereno os corpos perdem o calor por mero efeito de radiação. No entanto, a presença de uma camada de nuvens – por mais delgada que fosse – era capaz de alterar esse efeito. Assim, a experiência de Wilson pôde-se repetir substituindo-se o solo coberto de neve por um pasto com relva. Observou-se que, durante as noites tranqüilas e serenas, a relva apresentava-se sempre com uma temperatura inferior à do ar a uns 2 metros do solo. Assim, não se pode julgar o frio sentido por uma planta pelo único conhecimento das indicações de um termômetro suspenso a uma determinada altura no ambiente. Essa experiência foi repetida, com sucesso, na Inglaterra, pelo físico William Charles Wells.

Nas noites de abril e maio (primavera no hemisfério norte) a temperatura da atmosfera é a da ordem de 4 a 6 graus acima de zero.

Quando isso ocorre, as plantas expostas à luz da Lua, ou seja, num céu sereno e descoberto, podem gelar, apesar da temperatura ambiente relativamente alta. Ao contrário, se a Lua não brilha, ou seja, se o céu estiver coberto, a temperatura das plantas não desce abaixo da do meio ambiente. Elas não irão se congelar, a menos que o termômetro marque zero para a temperatura da atmosfera. É, portanto real o que afirmam os jardineiros: em condições de temperatura ambiente idênticas, um broto poderá gelar-se ou não, segundo a Lua esteja visível ou não. O engano dos jardineiros foi atribuir o efeito à luz da Lua. Na realidade, ela serva somente como uma indicação da pureza do céu, isto é, se o céu está com ou sem nuvens. Uma objeção que se poderia levantar contra essa explicação seria: por que os brotos só se congelam precisamente na primavera e não no outono ou no verão?

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Duas são as principais respostas. Em primeiro lugar, nessa época, o Sol não tem tempo suficiente para compensar o calor da superfície terrestre perdido em virtude do resfriamento noturno. Em segundo lugar, o teor do vapor de água na atmosfera aumenta sem cessar desde a primavera até a época de maior calor, diminuindo lentamente durante os meses de outono e inverno, de tal modo que no início da primavera a quantidade de vapor de água alcança seu valor mínimo. Ora, como o vapor de água desempenha importante papel na igualização da temperatura do ar, o seu valor mínimo na primavera fará uma enorme falta no contrabalanceamento da radiação noturna. Desse modo, nessa época do ano, tudo irá contribuir para que as noites sejam frias, fazendo com que os jardineiros acreditem na capacidade refrigerativa dos raios lunares.

O astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

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