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A força do Sol

Utilizadas a princípio nos satélites, as células de energia fotovoltaica desceram à Terra e fazem a luz do dia virar eletricidade.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 31 out 1990, 22h00

Transformar a luz do Sol diretamente em energia elétrica parece enredo de ficção científica. Mas desde que um satélite americano lançado em 1959 foi assim alimentado, a energia fotovoltaica, nome dessa quase mágica, deixou de ser sonho futurista. A técnica de usar pequenas lâminas para captar a luz do Sol e gerar eletricidade foi lentamente saindo dos laboratórios até chegar à aplicação prática na vida cotidiana. Hoje, a forma mais banal de energia fotovoltaica se encontra nos relógios e calculadoras solares. A aplicação mais importante, porém, é fornecer energia em lugares isolados, distantes das redes elétricas, o que a longo prazo pode significar uma bela solução para países subdesenvolvidos. Energia fotovoltaica é bem diferente de energia solar termal, que já existe até em residências, onde o calor do Sol é usado para aquecer água. A conversão da luz em eletricidade é feita pelas células fotovoltaicas, pequenas lâminas circulares recobertas por uma camada de décimos de milímetro de um material semicondutor, como o silício — o mesmo usado nos chips de computadores. Quando as células são expostas a uma fonte de luz, nesse caso o Sol, os fótons (partículas de luz) excitam os elétrons do semicondutor.

Com a energia absorvida dos fótons, os elétrons passam para a banda de condução do átomo e criam corrente elétrica, que será captada por pistas metálicas. As células são depois agrupadas para formar os painéis solares. Essa forma de produzir energia não causa danos ao meio ambiente, não polui e normalmente não precisa de movimentos de máquinas para funcionar. Nem por isso é a solução para todos os problemas energéticos do mundo. A energia fotovoltaica ainda é mais cara do que a proveniente de petróleo, usinas nucleares ou hidrelétricas. Foi só a partir da primeira grande crise do petróleo, no começo da década de 70, que a idéia de se usar tal energia comercialmente ganhou corpo. Naquela época, a produção de energia fotovoltaica custava nos Estados Unidos 60 dólares por kilowatt/hora. Com o desenvolvimento em laboratórios e o aumento da produção, hoje custa cerca de 30 centavos de dólar por kilowatt/hora, e mesmo assim o preço é cinco vezes superior ao das formas de energia convencionais. Por isso, não se pensa em substituir usinas por painéis solares, fazendo o mundo todo viver à luz do Sol. A energia fotovoltaica simplesmente apresenta melhores soluções para problemas que as outras fontes de energia foram menos eficientes em resolver.

A maior utilização em larga escala acontece na Califórnia, Estados Unidos, onde foram implantadas centrais elétricas fotovoltaicas pioneiras de grande porte. Compostas por gigantescos painéis com milhares de células, controlados por computador para acompanhar a trajetória do sol tal qual girassóis, elas dão suporte à rede pública fornecendo mensalmente centenas de megawatts. Os painéis solares cobrem o aumento de consumo justamente ao meio-dia, quando o sol é mais intenso e a demanda de eletricidade aumenta, porque os aparelhos de ar condicionado funcionam com potência máxima. Para substituir toda a produção de energia elétrica dos Estados Unidos por fontes de origem fotovoltaica, seria preciso um painel solar de 34 000 quilômetros quadrados, ou 0,37 por cento da área total do pais.

Quando se domina a tecnologia, a quantidade de aparelhos que surge é bem extensa. Com energia fotovoltaica já se criaram um equipamento de medição de emissões radioativas, dispensando qualquer tipo de bateria ou conexão à tomada, aparelhos de análises sangüíneas e até uma caixa de ferramentas que serve de módulo de energia fotovoltaica para a furadeira.

Na costa americana, existem hoje mais de 11 000 sinalizadores marítimos alimentados por energia fotovoltaica. As vantagens são evidentes: antes, eram substituídos aproximadamente 200 quilos de baterias por ano; com as células solares é suficiente trocar apenas 30 quilos de bateria a cada cinco anos. Já em países subdesenvolvidos e escassamente povoados, a energia fotovoltaica é a melhor maneira de fazer chegar eletricidade em lugares distantes. Hoje já existem, inclusive no Brasil, estações retransmissoras das redes de telecomunicações, em locais no meio do mato e de difícil acesso, dotadas de células fotovoltaicas para a produção da eletricidade necessária. É uma solução economicamente mais viável do que estender até lá a linha de uma rede hidrelétrica. Na Índia, um projeto levou a 700 vilarejos distantes de grandes centros a energia fotovoltaica, que permite aos povoados ter uma televisão comunitária, bombeamento de água, iluminação pública e postos telefônicos.

No âmbito doméstico, com painéis fotovoltaicos e baterias recarregáveis é possível contar com energia elétrica durante as 24 horas do dia, em qualquer parte do mundo. Para eletrificar uma casa de campo ou uma fazenda, não é necessário estender a rede elétrica, depender de gigantescas baterias ou do funcionamento de um gerador a diesel. Pode-se obter um equipamento completo de energia fotovoltaica para alimentar, silenciosamente e sem necessidade de manutenção, a iluminação, a geladeira, a TV e o sistema de radioamador. À noite, quando o sol não brilha. a energia vem de uma bateria que foi sendo carregada durante o dia.

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Embora cresça 25 por cento ao ano, o mercado de energia fotovoltaica ainda é pequeno. A potência elétrica total instalada no mundo é de 40 megawatts — uma central energética convencional produz sozinha vinte vezes mais. Prevê-se que apenas pela virada do século a energia do Sol possa se tomar competitiva. Um grande passo será dado logo em 1992, quando deverá entrar em operação a primeira central solar de 50 megawatts da Califórnia, onde o Estado investe para complementar a demanda de eletricidade diurna. Outro forte impulso virá dos laboratórios, com o aperfeiçoamento da tecnologia. que permitirá maior eficiência e diminuição nos custos.

A fabricação de células solares é parecida com a produção dos chips de computadores, baseada em materiais semicondutores. Depois de purificado, o silício é fundido num cristal cilíndrico. Depois, esse cristal será cortado por uma serra de dentes de diamante em fatias muito finas. Essas lâminas passam por etapas de limpeza e recozimento em fornos de alta temperatura, quando se difunde fósforo sobre elas.

A reunião de uma camada contaminada com fósforo ao silício puro constitui a junção semicondutora responsável pelo funcionamento da célula fotovoltaica. O passo seguinte é a impressão das pistas metálicas captadoras da energia elétrica liberada. A célula está pronta para ser montada nos painéis. No princípio dos anos 80, a matéria-prima das células fotovoltaicas, o caríssimo silício monocristalino, tinha grau de eficiência de 10 por cento.

Ou seja, de toda a luz do Sol que incidia sobre a célula, apenas 10 por cento viravam energia elétrica. Na fabricação em escala industrial, esse índice subiu para 15 por cento. O grau de eficiência máximo conseguido até agora em laboratório é de 28,5 por cento. Um sílicio monocristalino é um cristal perfeito, com seus elementos dispostos de forma ordenada, como os apartamentos de um prédio. Custa caro porque muita energia é gasta para produzi-lo Existe também o silício policristalino, mais barato, porque consome menos energia em sua produção, onde os grãos são maiores e mais desorganizados, como se em lugar de um prédio houvesse um monte de casas sobrepostas. O policristalino ganha no fator custo mas perde na eficiência, pois seu rendimento máximo obtido até hoje é de 14 por cento.

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Outro concorrente nessa disputa é o silício amorfo, desenvolvido em camadas não cristalinas. Diferentes das células solares, que têm o tamanho de um pires, os módulos amorfos são compostos por camadas de milésimos de milímetro de espessura, depositadas, por meio de gases, sobre lâminas de vidro ou de aço. Não há limite para o tamanho das células de silício amorfo: usinas automatizadas podem produzi-las em metros quadrados. As primeiras fábricas européias desses módulos fotovoltaicos estão em Munique, na Alemanha. O silício amorfo permite a fabricação de produtos sofisticados, como o teto solar que refrigera automóveis enquanto estão estacionados.

Com ele, também pode se tornar possível a produção de energia solar em grande escala. Em pouco tempo, as centrais ou usinas elétricas fotovoltaicas, com dimensões de quilômetros quadrados, deixarão provavelmente de ser uma utopia. Basta apenas que se consiga baratear a fabricação desse tipo de módulo, que possibilitará um dos projetos mais fascinantes para a aplicação da energia fotovoltaica. As fachadas dos grandes edifícios de escritórios, com seus milhares de metros quadrados de vidro, são ideais para receber um revestimento de silício amorfo. Assim, elas poderiam converter a luz do dia em eletricidade e atender parte da demanda energética do edifício. As primeiras experiências nesse sentido estão sendo feitas em Tóquio, no Japão.

As células solares das calculadoras de bolso nada mais são que plaquinhas de silício amorfo com um rendimento muito baixo, de apenas 3 por cento. Esse é justamente um dos problemas dessa tecnologia. O grau de eficiência alcançado até agora em células de grande dimensão é de 5 por cento, muito pouco para torná-lo comercialmente viável em demandas energéticas maiores do que uma calculadora. Outro problema é conseguir no amorfo a mesma estabilidade do silício mono ou policristalino, que mantém suas propriedades por vários anos. Em laboratório, a melhor marca alcançada foi de 15,6 por cento de rendimento, numa nova mistura de silício com cobre, índio e selênio.

A idéia que move as pesquisas e as aplicações da energia fotovoltaica não é substituir toda fonte de energia do mundo pela solar. Mesmo assim, os pesquisadores com olhos no futuro divisam grandes usinas fotovoltaicas instaladas em regiões desérticas com grande insolação. A estocagem da eletricidade produzida se daria pela produção de hidrogênio por eletrólise — hidrogênio que poderia se tornar no próximo século o principal combustível utilizado pelo homem. A curto prazo, a energia fotovoltaica tem a vantagem de ser autônoma. Ela é produzida e consumida no mesmo lugar, sem necessitar de ligação a redes de distribuição de energia. Uma residência dotada de painéis solares poderia até vender o possível excesso de energia que produzisse.

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Para saber mais:

Rei Sol

(SUPER número 2, ano 2)

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Velozes raios de sol

(SUPER número 6, ano 4)

Luz para os trópicos

O Brasil dispõe de energia fotovoltaica desde 1978, quando a Telebrás importou a tecnologia solar para eletrificar uma de suas estações retransmissoras no interior de Goiás. Nessa mesma época, a Marinha também adotou o sistema para a eletrificação de seus sinalizadores e bóias. A partir de 1980, com a criação da Heliodinâmica, o Brasil não só passou a produzir células e painéis solares, como também começou a exportar células para países como Índia, Canadá, Alemanha e Estados Unidos. Um dos projetos pioneiros da Heliodinâmica foi a criação de um sistema fotovoltaico de bombeamento de água, implantado em Caicó no Rio Grande do Norte, em 1981. Os agricultores de uma fazenda no sertão passaram a dispor de água o ano todo para a lavoura.

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Ainda que lentamente, o sistema já chegou a outras localidades do Nordeste e até mesmo à Ilha de Marajó, onde além de irrigar a terra, abastece bebedouros para o consumo do gado. No Pantanal Mato-grossense, muitas fazendas estão equipadas com células solares. Só que nesses lugares elas alimentam sistemas de radiocomunicação, refrigeração, iluminação, televisores e recepção de sinais via satélite por antenas parabólicas. É uma opção bem mais barata a longo prazo do que fazer chegar até lá a rede elétrica, ou mesmo fornecer energia com um gerador a diesel. Mas o investimento inicial para a implantação dos painéis ainda é maior do que o exigido para a energia convencional, o que limita sua aplicação a projetos subsidiados pelo governo ou a particulares de alto poder aquisitivo.

O Exército brasileiro entrou na era da energia solar a partir de 1988, quando equipou com energia fotovoltaica dois pelotões na Amazônia, parte do projeto de ocupação militar das fronteiras conhecido como Calha Norte. Os sistemas suprem os acampamentos com energia elétrica para iluminação externa de emergência, refrigeradores, radiocomunicação e recepção de televisão via satélite. Mesmo num estado tão eletrificado como São Paulo, ainda há lugares sem energia, onde a tecnologia fotovoltaica está sendo usada para fornecer eletricidade a postos de saúde.

Embora todo o país tenha um clima propício ao uso da energia fotovoltaica, a Região Nordeste é a que melhor se adapta a sua aplicação, por ter muito sol brilhando e deficiência de energia instalada. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco, Chesf, tem um projeto para implantar em Recife a primeira usina de energia solar do país, com a meta de chegar a produzir 1 megawatt. Até em alto-mar a energia fotovoltaica já viajou. Quando o navegador Amyr Klink cruzou o Atlântico, seu barco a remo Paraty levava um painel de células fotovoltaicas para alimentar o radiocomunicador.

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