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Quem são os “neofascistas” do telão de Roger Waters?

Para quem não acompanha o noticiário do leste europeu, resumimos a trajetória de três líderes alfinetados no show do ex-Pink Floyd: Orbán, Kaczyński e Kurz

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
15 out 2018, 20h37

Roger Waters, ex-baixista do Pink Floyd, já fez três shows da turnê solo Us + Them no Brasil – dois em São Paulo (dias 9 e 10 de outubro) e um Brasília (dia 13 de outubro). Até o segundo turno das eleições presidenciais, passará por Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Curitiba – quando desembarcar em Porto Alegre, em 30 de outubro, a apuração já estará encerrada.

O show é dividido em duas partes de aproximadamente 80 minutos, separadas por um intervalo em que a banda sai do palco. Durante a pausa, o telão fica ligado, exibindo mensagens de protesto silenciosas. Há críticas ao tráfico de humanos, às polícias militarizadas de todo o mundo, à discriminação étnica e religiosa, à poluição e o desflorestamento – além de uma defesa do vegetarianismo.

O auge das alfinetadas é a imagem aqui em cima: uma lista de figuras políticas em ascenção que Waters considera neo-fascistas. Trump está lá. Putin também. E, pela ocasião de sua turnê sul-americana, o músico adicionou um item – Jair Bolsonaro. O público se dividiu: metade foi à loucura, metade vaiou. Sem se intimidar com a recepção mista na primeira noite paulistana, Waters subiu o tom na segunda, e colocou uma tarja vermelha sobre o nome do candidato do PSL à presidência – na qual se lia “ponto de vista político censurado”.

Com exceção de Trump e Putin, poucos brasileiros conhecem as figuras mencionadas. Natural: quase ninguém acompanha o noticiário da Polônia, da Hungria ou da Áustria. Para dar aquela ajudinha, a SUPER fez uma ficha rápida dos três mais obscuros: OrbánKaczyńskiKurz. Todos são de partidos de extrema direita do centro e do leste europeu, se opõem à migração, nutrem boas relações com a Rússia e criticam em diferentes graus a União Europeia – à exemplo do britânico Nigel Farage, mentor e defensor ferrenho do Brexit (entenda melhor aqui), e a francesa Marine le Pen

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Orbán

Viktor Orbán é primeiro-ministro da Hungria desde 2010. Está na política do país há décadas – ganhou voz ao se opor à ocupação militar soviética no final da década de 1980, e já havia chefiado o país do leste europeu entre 1998 e 2002. Começou a carreira como uma voz liberal do ponto de vista econômico, fiel à manutenção da democracia. Depois, se aproximou de Putin, atacou imigrantes muçulmanos (ao pé da letra – com cães e cassetetes) e prometeu implantar, em suas palavras, um Estado “aliberal” – note o prefixo “a”.

Seu partido, o Fidesz, tem no currículo um histórico de manobras ardilosas. Por exemplo: para forçar a suprema corte do país a trabalhar a favor das pautas de Orbán, eles aumentaram o número de cadeiras de 8 para 15, aprovaram uma lei que dá ao Fidesz poder para nomear os juízes e aí – é claro – nomearam juízes adeptos do Fidesz para todas as vagas recém-criadas. Intervenções bastante semelhantes nas cabeças do judiciário (e em outros tribunais e juntas reguladoras) foram adotadas por autocratas Hugo Chávez, na Venezuela, e de Jarosław Kaczyński na Polônia – de quem falaremos a seguir.

Uma das ações que mais repercutiram foi a de intervir no funcionamento uma universidade sediada em Budapeste fundada em 1991 pelo investidor e filantropo George Soros – dono de uma fortuna de US$ 8,3 bilhões de dólares e desafeto de Orbán. Outra foi a tentativa de implantar um imposto equivalente a R$ 2,00 por cada gigabyte de internet utilizado. Nas palavras de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – cientistas políticos de Harvard e autores do livro Como morrem as democracias (2018) –, “políticos nem sempre revelam a dimensão total de seu autoritarismo antes de alcançar o poder. Alguns aderem às normas democráticas no começo da carreira, e só depois as abandonam.

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Kaczyński

O sobrenome Kaczyński se refere a dois políticos poloneses: os gêmeos idênticos Lech e Jarosław, que em 2001 fundaram o partido Lei e Justiça (na sigla em polonês, PIS), de orientação cristã conservadora. Lech foi eleito democraticamente em 2005, e morreu em 2010 em um acidente de avião em Smolensk, na Rússia, junto de diversos membros da cúpula do governo (sem conspirações: o acidente foi um acidente de fato, conforme constatado por duas perícias independentes que atribuíram a queda a erro humano e mau-tempo). Jarosław – cópia de Lech não só em DNA mas também em programa de governo – transformou o irmão em mártir e usou sua figura como trampolim para aumentar a influência conservadora no legislativo: desde 2015, o PIS é o partido majoritário.

Hoje, embora não seja nem presidente nem primeiro-ministro, Jarosław se mantém na liderança de sua cria política, e tem o equivalente à câmara dos deputados – chamada “Sejm” – na mão. Ele se posiciona contra os imigrantes provenientes de áreas de conflito no Oriente Médio e na África, e vê a União Europeia como uma ameaça multiétnica e secular a seus valores religiosos. Para combatê-los, vale tudo: à exemplo de Orbán, o PIS aprovou leis para mexer na composição e no número de cadeiras do Tribunal Constitucional – o órgão máximo do judiciário no país. E agora nomeia juristas favoráveis à causa do partido para permitir que qualquer projeto seja aprovado. 

Kurz

Sebastian Kurz, de 32 anos, é chanceler da Áustria – o cargo máximo por aquelas bandas. Isso, combinado à quase ausência de gravatas no guarda-roupa e o colarinho constantemente aberto, o torna o chefe de Estado mais jovem do mundo. E também um dos mais polêmicos. Em termos de apresentação, New York Times o classificou na mesma categoria do primeiro-ministro canadense Justin Trudeau (43) e do presidente francês Emmanuel Macron (39): um jovem que vendeu bem à população a ideia de ser jovem. Ideologicamente, porém, o moço penteado não tem nada de Trudeau: ele é membro do Partido Popular Austríaco (na sigla em alemão, ÖVP), uma organização cristã conservadora. E subiu ao poder, entre outras pautas, graças a sua postura rígida – e embalada para presente – contra a imigração. 

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Sylvia Kritzinger, acadêmica da Universidade de Vienna afirmou na época em que assumiu o posto, em 2017: “ele diz basicamente o que o partido rival, o Partido da Liberdade (FPÖ), diz: coisas que normalmente seriam taxadas de extremismo, sobre os imigrantes não seres austríacos. A diferença é que ele faz todo mundo se sentir confortável com isso.” Kurz não é visto pela imprensa com um olhar tão severo quanto o que é dedicado aos demais membros da lista de Waters – talvez porque forneça aspas mais sóbrias, como esta: “Uma Europa sem fronteiras internas só pode existir se suas fronteiras externas funcionarem.” 

Kurz, ao contrário de Orbán e Kaczyński, não tem nenhuma manobra política antidemocrática no currículo. Ao assumir o posto, ele adotou muitas pautas do programa do já mencionado Partido da Liberdade – que foi fundado sobre princípios abertamente neo-nazistas, e diferentemente da ÖVP não tentou se repaginar aos olhos do público. Seu vice, inclusive, é membro do FPÖ, o que reforça a aliança partidária duvidosa. Mesmo assim, a coalisão que está hoje no governo se comprometeu, quando assumiu, a preservar a posição da Áustria na União Europeia.

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