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Quanto custa um país

A população exige saúde, educação e serviços públicos de qualidade. Afinal, dinheiro para isso o Brasil tem, certo? Mais ou menos. Entenda por que, mesmo cobrando tantos impostos, o país continua sem recursos para fazer as coisas direito (spoiler: não é só a corrupção).

Por Bruno Garattoni, Ricardo Lacerda e Andreas Müller
Atualizado em 18 out 2018, 16h59 - Publicado em 10 nov 2013, 22h00

A gente paga tanto imposto…
Se você ganha salário, sabe bem quanto dele é descontado na fonte, a título de imposto de renda. É bastante. E também sabe como é alta a porcentagem de impostos nos preços dos produtos (desde junho, as notas fiscais devem indicar a quantidade de tributos embutidos no valor das coisas). Impostos, impostos, impostos. O Brasil é o país dos impostos. E da corrupção. Os políticos roubam muito, e por isso os serviços públicos são ruins.

Tudo isso é verdade. Mas não é toda a verdade. Existe um outro lado, que pouca gente conhece, e é a chave para entender o Brasil. Sim, você paga muito imposto. Mas o governo (municipal, estadual, federal) arrecada pouco.

No caso, US$ 4.085 por habitante, por ano. É isso o que a máquina do Estado arrecada – e o que tem para gastar com todos os serviços públicos prestados a cada pessoa. Todos mesmo. Hospitais, universidades, escolas, polícia, cadeias, tribunais, ruas, estradas, portos, investimentos… pense em qualquer serviço prestado pelo Estado. A verba, para custear todas as despesas dele, e pagar os funcionários envolvidos, sairá desses US$ 4.085. Esse é o valor que todas as esferas de governo têm, somadas, para gastar com você. Parece bastante.

Só que não é. Observe o infográfico abaixo.

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Quanto custa um país
(Jorge Oliveira/Superinteressante)

Os números estão todos em dólar, mas já corrigidos pela paridade do poder de compra (um critério que ajusta o valor conforme o preço das coisas em cada país). Você verá que os países desenvolvidos arrecadam pelo menos o triplo de dinheiro por habitante – e, portanto, têm pelo menos o triplo para investir em serviços públicos. Os países cujos serviços são mais celebrados, como Suécia e Noruega, arrecadam até cinco vezes mais dinheiro por habitante que o Brasil. O Brasil simplesmente não arrecada o suficiente para prestar serviços de primeiro mundo. Para que tivéssemos serviços bons, nossos governos teriam de ser capazes de fazer verdadeiros milagres – como construir escolas e hospitais gastando um terço do que os americanos gastam, por exemplo (pois os EUA têm US$ 13.429 por ano, o triplo do Brasil, para investir em cada habitante).

A conta simplesmente não fecha. Até países subdesenvolvidos, como Argentina e México, arrecadam mais dinheiro do que nós (e o México consegue fazer isso cobrando menos impostos). Mas como é possível? Por que o Brasil arrecada tão pouco, se todo mundo paga tanto imposto? Afinal, nós somos a sétima maior economia do planeta. Só que essa produção é dividida por um país com 197,4 milhões de pessoas, a quinta maior população do mundo. Faça as contas e você verá o resultado: nosso PIB per capita é de apenas US$ 11,8 mil por habitante, o que nos dá o nada honroso 74º lugar no ranking global. “É um desempenho de país pobre”, diz Margarida Sarmiento Gutierrez, professora da UFRJ e especialista em finanças públicas. Sim, nós somos um país pobre. Isso significa que, para cada indivíduo que paga muito imposto sobre o salário e sobre os produtos que consome, há um monte de pessoas que pagam pouco – porque ganham pouco e consomem pouco. Nos últimos dez anos, a economia brasileira criou 14,6 milhões de empregos formais, com carteira assinada. O problema é que o salário médio de contratação, segundo dados do Ministério do Trabalho, é de R$ 1.011. Renda de país pobre, que gera arrecadação de país pobre – e serviços de país pobre. Para piorar, os ricos também pagam pouco imposto (mais sobre isso daqui a pouco).

Essas são as más notícias. A boa notícia é que existe solução. Na verdade, mais de uma.

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Solução 1

Há pelo menos quatro maneiras de reverter esse quadro. A primeira delas é acelerar o crescimento da economia. Se o Brasil dobrar seu PIB per capita, dobrará o dinheiro disponível para serviços públicos. Ainda ficaríamos bem atrás dos países desenvolvidos, mas alcançaríamos a Coreia do Sul, um bom exemplo de pais emergente. Para que isso aconteça, o Brasil precisaria crescer 4,7% ao ano durante os próximos 17 anos (veja quadro na página ao lado). Não é nada de outro mundo. A China, por exemplo, conseguiu crescer em média 9,5% ao ano durante 24 anos seguidos. O problema é que o Brasil raramente alça voos altos – e sobretudo prolongados. O país tem problemas estruturais crônicos, como a precariedade de infraestrutura (estradas, portos, rodovias) e falta de gente qualificada para trabalhar nas empresas – segundo o IBGE, 82,9% dos trabalhadores brasileiros não possuem curso superior. Por tudo isso, a média de crescimento do País nos últimos 17 anos foi de apenas 2,88%. Quase a metade do que precisamos.

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(Jorge Oliveira/Superinteressante)

Solução 2

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Outra saída é buscar novas fontes de recursos. A maior delas é o petróleo do pré-sal. Somando royalties e outras compensações, ele deverá render até R$ 108 bilhões ao governo federal e R$ 171 bilhões para Estados e municípios. Ao todo, R$ 279 bilhões. O Congresso Nacional discute um projeto de lei que forçaria a aplicação desse dinheiro em saúde e educação (até a conclusão desta edição, ela não havia sido votada). É bastante verba, e poderia sim fazer uma boa diferença – veja no quadro ao lado. Mas não resolve tudo.

 

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(Jorge Oliveira/Superinteressante)

Solução 3

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Outra alternativa para melhorar os serviços públicos seria aumentar a tributação. “Se quiséssemos ter mais investimento público, teríamos de aumentar mais ainda a carga tributária”, diz o economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas. Mas é possível fazer isso sem massacrar a sociedade. A equação é complexa, mas especialistas têm algumas pistas de como solucioná-la. No Brasil, 45% da arrecadação tributária vem de impostos cobrados sobre as coisas que consumimos. Nos países ricos, a média é 29%. Conclusão: nós taxamos demais nossos produtos. “Os tributos que incidem sobre o consumo são os mesmos para pessoas ricas e pobres”, diz João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Uma possível saída é reduzir essas taxas, e compensá-las criando alíquotas mais altas de imposto de renda. Dessa forma, as classes média e baixa passariam a pagar menos – porque os produtos que elas consomem seriam menos taxados. E os ricos passariam a pagar mais.

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(Jorge Oliveira/Superinteressante)

Isso porque a alíquota máxima de imposto de renda no Brasil é de 27,5% – um valor extremamente baixo pelos padrões internacionais. Praticamente todos os países têm alíquotas mais altas, que incidem sobre os cidadãos de maior renda (veja quadro acima). Na Suécia, por exemplo, quem ganha mais de US$ 5.400 mensais paga imposto de renda de 56,6%. Até países de carga tributária menor que a brasileira, como EUA, Chile e África do Sul, cobram impostos mais altos dos cidadãos de alta renda, com alíquotas entre 35% e 40%. “Nesse sistema, cada um paga de acordo com o que pode”, explica Olenike.

Mesmo fazendo tudo isso, o Brasil não conseguirá chegar a um patamar de investimento público comparável ao dos países desenvolvidos. A distância é muito grande. Veja o caso da educação, por exemplo. Somando tudo que vem do governo federal, dos Estados, das prefeituras e da iniciativa privada, o Brasil investe em educação o equivalente a 5,6% do PIB, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com base em dados de 2010. O percentual é de país rico, superior à média da própria OCDE, de 5,4%. Mas, como nosso PIB é muito pequeno, esse percentual acaba se traduzindo em pouco dinheiro. No Brasil, o sistema educacional investe apenas US$ 2.900 por aluno. É três vezes menos do que o Reino Unido, e seis vezes menos do que os EUA.

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Por isso, não basta arrecadar mais. Também é preciso gastar melhor – e combater o desperdício.

Solução 4
Há um quarto caminho possível para o Brasil: usar o dinheiro dos impostos de maneira mais inteligente – e mais honesta. A começar pelo excesso de dinheiro que o governo gasta consigo mesmo. O Congresso brasileiro é o segundo mais caro do planeta (veja no infográfico abaixo). “Parlamentares têm privilégios em todos os países. Mas, no Brasil, isso ocorre em uma escala muito maior”, diz Claudio Abramo, presidente da ONG Transparência Brasil. Se o Congresso reduzisse seus gastos para o mesmo nível do México (que tem quantidade de deputados e senadores similar à nossa), seria possível economizar R$ 7,3 bilhões por ano – mais do que está sendo gasto com todos os estádios da Copa do Mundo. É isso mesmo: o Congresso Nacional desperdiça o equivalente a uma Copa por ano.

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(Jorge Oliveira/Superinteressante)

Isso sem falar na corrupção. Um levantamento da Fiesp estima que, a cada ano, o Brasil perca pelo menos R$ 41,5 bilhões por causa dela. E olha que somos “apenas” o 69º no ranking das 180 nações mais corruptas do mundo, elaborado pela ONG Transparência Internacional. “Estamos no meio do caminho, mas está mais do que na hora de o Brasil se reinventar”, afirma José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente da Fiesp. “Uma população mais educada pressiona mais”, acrescenta ele, se referindo à recente onda de manifestações nas ruas do País.

Só que o grande monstro, o maior de todos, não é citado nos cartazes de protesto e raramente é mencionado pela imprensa. Ele se chama sonegação. Um estudo do Banco Mundial aponta que o Brasil é vice-campeão dessa prática. Segundo esse estudo, perdemos nada menos do que US$ 280,1 bilhões anuais por conta da sonegação. É uma quantidade astronômica de dinheiro – quase o dobro de tudo o que entra via imposto de renda, por exemplo. Se a sonegação acabasse, seria possível quintuplicar os gastos federais em saúde e educação, por exemplo. É muito difícil, ou impossível, acabar com ela. Também é muito difícil fazer o País crescer 4,7% ao ano por 17 anos. É muito difícil matar a corrupção. É muito difícil aumentar os impostos dos ricos – ou convencer os congressistas a reduzirem os próprios salários. Tudo isso é muito difícil. Mas fazer uma combinação dessas coisas, aplicando um pouco de cada remédio, talvez não seja tão difícil assim.

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