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O milionário mundo da música gospel

Centenas de milhares de CDs vendidos e shows sempre lotados: os cantores que usam a fé como inspiração vão muito bem, obrigado.

Por Juan Ortiz e Sílvia Lisboa
Atualizado em 18 nov 2016, 20h10 - Publicado em 18 nov 2016, 17h11

O milionário mundo da música gospel

Na cerimônia de entrega do Grammy Latino de 2014, dois fenômenos pop dividiam o palco. Uma delas era Anitta, a estrela pop cujo videoclipe do hit Bang já ultrapassou 200 milhões de visualizações no YouTube. A carioca, que seria uma das atrações da abertura das Olimpíadas do Rio dois anos mais tarde, tem contrato com a Warner e é convidada frequente de todo tipo de programa de TV.

Mas Anitta não estava lá para receber o prêmio. Ela foi a encarregada de entregar o troféu para Aline Barros, uma cantora gospel e ministra da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, no Rio. Foi o sexto Grammy Latino de Aline, todos na categoria de melhor álbum de música cristã em língua portuguesa. Mesmo associada a um nicho da indústria fonográfica (a música gospel), a artista evangélica é um dos maiores fenômenos do entretenimento brasileiro, com números semelhantes aos de Anitta nas redes sociais, por exemplo.

Aos 40 anos (35 no ramo), a artista da MK Music mora numa mansão no Rio de Janeiro. A coleção de Grammys está exposta em uma sala cujas janela se elevam por 10 metros até alcançar o teto de vidro. Ao lado da escada de granito, uma minipiscina serve de aquário para um cardume de carpas. A arquitetura em forma de templo busca reforçar o contato de Aline com o divino. A cantora tem décadas de atuação no ramo, e sua carreira segue em alta. Em 2010, a pastora lançou o álbum Extraordinário Amor de Deus. A obra já rendeu o disco de diamante duplo, concedido pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), por suas mais de 600 mil cópias vendidas. No mesmo ano, cinco dos 20 CDs mais vendidos no Brasil foram de música evangélica.

O milionário mundo da música gospel

A motivação para a carreira artística veio de casa. Antes de aprender a escrever, Aline já cantava. Quando nasceu, em 1976, seu pai, Ronaldo Barros, já fazia música religiosa. Os pais levavam a jovem nos ensaios musicais da Comunidade Evangélica da Vila da Penha. Sua primeira apresentação foi num casamento, aos 5 anos. Em 1992, ela lançou Consagração, sua primeira música de sucesso. Três anos depois, se formou em Biologia Marinha pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mas o fascínio pela ciência não seria capaz de superar a devoção por Jesus Cristo.

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Aline seguiu o caminho do gospel e lançou seis álbuns por conta própria até entrar na MK Music, em 2004. Foi nesse ano que a artista conquistou seu primeiro Grammy Latino. A partir daí reformulou o perfil de suas músicas: piano e coral, elementos fundamentais para o gospel clássico, cederam espaço à guitarra elétrica. E as letras das canções, antes ligadas ao louvor pessoal da artista, agora convocam missionários para difundir o Evangelho. Desde que fechou contrato com a gravadora, Aline Barros já gravou seis CDs, quatro DVDs, discos em parceria com outros artistas e um álbum comemorativo feito sob o selo da AB Records, marca pessoal da cantora.

O boom gospel

No início do século 20, as comunidades negras dos Estados Unidos, sobretudo as ligadas à Igreja Batista, transformaram os cultos em verdadeiros shows de música gospel – palavra de origem inglesa que significa “palavra de Deus”, e também denomina o Evangelho nessa língua. O talento dos artistas, no entanto, ficava restrito ao público religioso. Foi preciso que cantores como Sam Cooke, um dos reis do soul americano, cruzassem a ponte entre o gospel e o pop para que a indústria fonográfica desse atenção às joias musicais das igrejas. Nos EUA, isso provocou a multiplicação de artistas evangélicos a partir das décadas de 1950 e 1960 – e no Brasil também. Mas foi com o crescimento do evangelismo neopentecostal, a partir dos anos 1980, que o estilo ficou mais solto, mais pop. Daí em diante, os cantores gospel não precisaram mais abandonar o segmento religioso para fazer sucesso. Surgiu um verdadeiro mercado gospel capaz de levar os artistas à fortuna.

No livro A Explosão Gospel, a pesquisadora Magali Cunha aponta a banda Rebanhão como uma das pioneiras do processo de popularização do movimento no Brasil. As composições iam do baião ao samba-funk e todas falavam de Deus. O ex-vocalista, Janires Magalhães, chegou a ser preso por tráfico de drogas e passou por uma casa de reabilitação, onde se converteu ao cristianismo. O cantor morreu num acidente de trânsito aos 35 anos. Mas o legado da Rebanhão não seria esquecido. Em 1986, um casal de evangélicos fundou a Igreja Renascer em Cristo e destinou o espaço à apresentação de bandas sem restrição de gênero musical. A iniciativa atraiu principalmente o público jovem, que usava a igreja para desenvolver seus talentos. Esse foi o caso da banda Oficina G3, vencedora do Grammy Latino em 2009.

Nessa época, rock e pop tinham má reputação entre os cristãos mais conservadores. Mas, para a turma da gravadora MK Music, esses gêneros eram minas de discos de ouro. Parte do mérito pelos Grammys de Aline e G3 se deve ao trabalho da produtora. MK é uma sigla para “Marina e Kátia”, nome das sócias da então agência de publicidade. Antes de virar referência no mundo gospel, a empresa quase faliu. Com a saída de Kátia Koslowisky da sociedade, a mãe de Marina assumiu a bronca. Yvelise de Oliveira ocupou o cargo de presidente e transformou a empresa na maior gravadora gospel do País. Para que a receita de sucesso funcionasse, a MK convenceu seus artistas a se modernizar: saíram os corais e as melodias mais lentas e entraram arranjos pop. Em uma década, as vendas renderam 266 premiações concedidas à gravadora pela ABPD. Como se não bastasse, cinco artistas da MK foram vencedores do Grammy Latino – até Marina levou o seu em 2010 pelo álbum Na Extremidade.

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Com o crescimento do mercado gospel, a Globo criou o festival Promessas em 2011, o maior do gênero. Cassiane, Thalles Roberto e Fernanda Brum foram alguns dos figurões do gospel a marcar presença diante de um público de 20 mil pessoas. A guinada da emissora para os evangélicos não é um simples ato de boa-fé. Nos últimos seis anos, a Som Livre, gravadora da Globo, tem contratado grandes artistas gospel, como a banda Diante do Trono e a cantora Ludmila Ferber. Mercado não falta para ser disputado.

Conheça alguns destaques do mundo gospel:

Fernanda Brum, cantora & ativista

O milionário mundo da música gospel

A moça sobe no palco diante de um salão cheio. Atrás dela, piano, bateria, contrabaixo e um par de guitarras à mostra. A artista pega o microfone e diz ao público: “Abram sua bíblia em Gênesis, capítulo 12, versículo 1”, e aí começa o sermão em tom de conversa.

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Fernanda Brum é evangélica desde a infância e dedica sua vida à música e hoje ao ativismo religioso. Em sua igreja Profetizando as Nações, conduz um culto só de mulheres. A cantora doa parte da venda de CDs para um projeto que constrói casas e faz saneamento básico em campos de refugiados na África e Oriente Médio. Além de ser artista, Fernanda se autointitula profeta. No YouTube, um áudio dela comentando sua visão do apocalipse tem mais de 1 milhão de visualizações. Além de 22 discos de ouro e 15 de platina, a cantora levou Grammy com seu álbum Na Eternidade.

Thalles Roberto, o rock gospel

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Atual vocalista do grupo Renascer Praise, Thalles Roberto é um dos artistas mais famosos e polêmicos da música evangélica. Filho de pastor, saiu de Passos (MG) para trabalhar como vocalista de apoio da banda Jota Quest em 2003. Thalles revela que, durante os seis anos que cantou no grupo, bebia, fumava maconha e usava outras drogas. Seu reencontro com a vida religiosa, ele diz, ocorreu após um “bate-boca com o diabo”. Desde 2008, voltou às origens e gravou seis CDs de música cristã, foi ao Grammy Latino e venceu o troféu Promessas, da Globo, em 2011. Mas o jeito rockstar do cantor recebeu críticas. A canção Filho Meu, de 2013, conta a história de Deus perdoando um filho sem fé. A letra foi considerada herética por pastores e parte dos fãs evangélicos. A carreira, no entanto, segue firme: em 2016, tem shows agendados para Estados Unidos, Colômbia e Costa Rica.

Ana Paula Valadão: santo barraco

O milionário mundo da música gospel

A Diante do Trono é uma das maiores bandas do gospel brasileiro. Criada em 1998 por Nívea Soares, Ana Paula Valadão e mais dois irmãos, o grupo lançou 40 CDs e vendeu mais de 10 milhões de discos. Ana Paula é a vocalista, líder e a campeã de polêmicas. Em um vídeo de 2012, a cantora criticou pastores acima do peso. “Eu não consigo entender, quando não é enfermidade, aquele pastor gordo, barrigudo. Não combina com uma liderança religiosa”, disse. Em maio deste ano, a artista voltou com novas críticas, desta vez endereçadas via Facebook à campanha da C&A em prol da diversidade de gêneros. No anúncio publicitário, mulheres vestiam as roupas dos homens e vice-versa. Em junho, Ana Paula Valadão postou uma foto num velório familiar e virou um dos assuntos mais comentados do Twitter. Na imagem, aparece a mão dela e de sua avó, que estava sendo velada.

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