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O dilema existencial da Petrobras. E a solução para ele

O desafio da petroleira é conciliar sua vocação de patrimônio nacional com a de empresa voltada para o lucro. A boa notícia: dá para chegar lá.

Por Flávia Tavares
Atualizado em 25 jul 2018, 13h54 - Publicado em 25 jul 2018, 13h53

Oito décadas atrás, o governo de Getúlio Vargas descobria, na Bahia, a existência de petróleo no solo brasileiro. Vargas fora pressionado pelo escritor Monteiro Lobato, ele mesmo um explorador de petróleo, a procurar o óleo viscoso em terras profundas. Lobato, inclusive, jurava que os americanos já estavam perfurando poços em terras brasileiras.

Por dez anos, o embate sobre como explorar o tesouro recém-encontrado e descobrir novos poços, com ou sem o reforço de capital estrangeiro, foi travado de forma pública e duríssima – Vargas mandou até prender Lobato, que acusava o presidente de “entreguismo”. Em 1948, dois dias antes de morrer, numa entrevista a uma rádio, Lobato conclamou os brasileiros a colaborar com uma campanha pelo desenvolvimento do setor petrolífero no País – campanha cujo slogan era “O petróleo é nosso”. Esse processo culminaria na criação da Petrobras, pelo próprio Vargas, em 1953. A marca de nacionalista ficou colada em Getúlio Vargas e esse tom pautou a condução da empresa desde sempre. Mas até que ponto a estatal garante que “o petróleo é nosso”?

Bom, a Petrobras é uma companhia de capital misto sob o controle do Estado. Na prática, isso quer dizer o seguinte: para levantar os recursos necessários à caríssima operação de extrair e refinar petróleo, a estatal foi algumas vezes ao mercado. Emitiu ações e as vendeu para todo tipo de investidor, incluindo cidadãos comuns, que puderam ter seu fundo de garantia convertido em papéis da empresa numa dessas capitalizações. Cada um se tornou sócio da Petro, com direito a uma fatia dos lucros dela. Mesmo quem não investiu também é dono.  Uma boa parcela dos lucros da empresa cai direto nos cofres públicos, o que torna toda a população, de alguma forma, sócia da companhia.

É aí que repousa o dilema existencial da Petrobras.  Como geri-la? Com vistas a agradar os acionistas ou tratando a empresa como um braço do Estado? As diretrizes quase sempre foram no sentido da segunda opção. O petróleo, uma mercadoria cujo valor é vulnerável a questões geopolíticas e naturais, teve seu preço controlado por anos pelo governo federal, que ignorava as oscilações internacionais e as leis de mercado. Nisso, a empresa viveu uma série de prejuízos.

O nacionalismo foi importante para a criação da Petrobras. Mas ela só será saudável quando se ver livre desse discurso.

Foi como se tivessem batido a carteira dos acionistas. Em 2010, a Petro levantou US$ 70 bilhões vendendo novas ações na Bovespa. Ações só se valorizam quando uma empresa opera de forma saudável, dando lucro. Como não foi o que aconteceu com a Petrobras, os investidores que compraram ações em 2010 viram o preço de cada papel desabar de R$ 26, 30, no ato da venda das novas ações, para R$ 5, em 2015, auge da política de controle de preços. Um tombo de 80%. Quem colocou R$ 10 mil se viu com meros R$ 2 mil.

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Em 2016, o engenheiro Pedro Parente assumiu a Petrobras. E veio a austeridade. Depois de mais de um ano estudando uma reestruturação da Petrobras, Parente anunciou que a estatal adotaria uma nova política de preços. Em julho de 2017, as oscilações passaram a ser diárias, seguindo o ritmo ditado pelo mercado internacional e encerrando a estabilidade artificial imposta pelos governos anteriores. Embora ainda tenha apresentado prejuízo em 2017 – depois de fechar um acordo de mais de R$ 11 bilhões para encerrar um processo judicial nos EUA, rescaldo da Lava Jato –, as perdas foram as menores em quatro anos e o lucro operacional foi de mais que o dobro do ano anterior. Isso resultou num salto das ações da Petrobras, que começavam a roçar de novo nos R$ 26 da época da grande capitalização.

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O problema é que o preço do barril aumentou demais lá fora: 60% entre julho de 2017 e maio de 2018, o mês da greve dos caminhoneiros – greve que aconteceu justamente por conta dos reajustes diários, sob apoio da maioria da população. O governo, então, cedeu e acabou com a livre flutuação – pelo menos no preço do diesel. O valor de mercado da Petrobras passou a derreter de novo, e Parente pediu para sair. O dilema, então, estava posto novamente: qual deve ser a política de preços da companhia?

A alternativa que Ivan Monteiro, sucessor de Parente, tem defendido é que o governo use os impostos sobre os combustíveis como um colchão para amortecer variações súbitas. Se o barril subir demais lá fora, corta-se imposto; se cair, que aumentem os tributos. Isso deixaria os preços estáveis, sem sangrar a Petrobras. O problema, aí, é combinar com os russos. Os russos do governo, no caso. Eles topariam reduzir a alíquota (e a arrecadação) quando o petróleo subir demais? Não há como garantir. Outra alternativa, talvez mais realista, seria tornar os reajustes mensais – deixaria a vida dos consumidores menos imprevisível, sem comprometer tanto a petroleira.

Aconteça o que acontecer, uma coisa o Brasil aprendeu: ignorar as flutuações internacionais no preço do barril é a forma  mais rápida de quebrar a Petrobras. E isso não seria nada bom para o “povo brasileiro”; seja pela importância da empresa dentro da nossa economia, seja pelo simples fato de que o maior acionista da companhia é justamente a população brasileira.

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Corte de gordura

Uma medida importante para o futuro da empresa, e do País, segue em andamento: cortar gordura da Petro. Mais especificamente, vender parte da praça de refino da empresa. O plano é abrir mão de 60% das refinarias no Nordeste e no Sul. Isso reduziria de 98% para 75% a participação da Petrobras no mercado nacional de refino.  E, não, não é “entreguismo”. Essa redução tornaria a Petrobras mais lucrativa, já que o retorno financeiro da exportação de petróleo cru é historicamente maior que o da venda de derivados no mercado interno. Além disso, uma diminuição do tamanho da Petrobras no refino abre brechas para a entrada de empresas que topem assumir o risco de investir nesse mercado. E quanto maior a concorrência no refino, melhor para quem compra combustível.

A empresa tem tudo para conciliar sua vocação de patrimônio nacional e de companhia “privada”. Para que ela chegue lá, de qualquer forma, os próximos governos precisam entender algo simples: que, com uma Petrobras mais saudável e lucrativa, todos os brasileiros vão ganhar. E o petróleo seguirá sendo tão nosso quanto desejava o criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

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