Entenda o que aconteceu nos protestos da geração Z no Nepal
Os protestos contra corrupção foram marcados por violência e bandeiras de mangá, e os jovens escolheram a nova primeira-ministra pela internet.

De 8 a 13 de setembro de 2025, uma onda de protestos tomou conta do Nepal. As manifestações começaram quatro dias depois do governo nepalês ter ordenado o desligamento de 26 redes sociais, incluindo Facebook, X (ex-Twitter), YouTube, Instagram, WhatsApp, Reddit e Snapchat. A decisão foi justificada como uma tentativa de enfrentar desinformação, discurso de ódio e fraudes, mas não foi assim que os críticos do governo, especialmente jovens, interpretaram a situação.
Para os membros da geração Z que foram às ruas protestar contra a proibição (revogada depois dos primeiros protestos, no dia 8), a tentativa de banir as redes sociais também era um golpe para calar campanhas contra a corrupção governamental e o nepotismo. A situação é bem mais complexa do que a raiva adolescente de ficar sem celular.
A população do Nepal tem uma das maiores taxas per capita de uso de redes sociais do sul da Ásia, e as plataformas são essenciais para a economia do pequeno país de quase 30 milhões de habitantes, espremido entre as potências China e Índia.
O país tem muitos jovens (a idade mediana no Nepal é de 25 anos), e grande parte deles trabalha em empregos sem registro oficial, especialmente na agricultura, ansiosos pelo abandono da realidade rural e feudal que marcou a história nepalesa até 2008, quando o país deixou de ser uma monarquia.
Os protestos recentes são os maiores desde que o Nepal virou uma república democrática. Eles foram organizados em redes como Instagram e Discord, sem um líder ou movimento fixo. Os jovens começaram a falar dos privilégios que familiares de líderes políticos têm no Nepal e chamaram eles de nepo babies (“bebês do nepotismo”, em português). A pauta ficou mais ampla, e as manifestações passaram a focar na desigualdade do Nepal.
O slogan das manifestações era “bloqueiem a corrupção, não as redes sociais”. Dá para ver que os protestos eram liderados por jovens: bandeiras dos heróis piratas do mangá One Piece se espalharam pelas manifestações.
Protestos liderados pela geração Z não são exclusividade do Nepal. No Sri Lanka, os jovens tomaram as ruas em 2022. Ano passado foi a vez de Bangladesh, onde a juventude derrubou a primeira-ministra Sheikh Hasina, que governava o país desde 2009.
Violência nos protestos
A violência contra políticos e o vandalismo contra edifícios públicos escalou rapidamente. No segundo dia de protestos, o primeiro-ministro à época, Khadga Prasad Oli, renunciou ao cargo junto de alguns ministros de seu governo. Os manifestantes chegaram a incendiar a sede do Partido do Congresso Nepalês, que fazia parte da coalizão do governo, e a sede do governo nepalês, o palácio Singha Durbar.
Os atos seguem a retórica contra os partidos tradicionais dos manifestantes. Num dos momentos mais graves de violência motivada pelos protestos, Rajyalaxmi Chitrakar, a esposa de outro ex-primeiro-ministro do Nepal, Jhalanath Khanal, foi queimada viva depois que manifestantes invadiram sua casa. Segundo o Ministério da Saúde do país, o número de mortos por causa dos protestos chegou a 72, entre manifestantes em confronto com a polícia e o exército e vítimas políticas, além de milhares de feridos.
Em uma comunidade do Discord, rede social de mensagens instantâneas e ligações de áudio e vídeo, os jovens organizaram um servidor chamado “Juventude Contra a Corrupção” para votar num novo premiê. Em sucessivas rodadas de votações, eles escolheram Sushila Karki para ser a nova primeira-ministra para um governo interino.
A decisão não foi inteiramente deles: foi preciso que o presidente do país, Ram Chandra Poudel, aprovasse a nomeação. Sushila Karki, que agora é a nova premiê do Nepal, tem 73 anos e foi a primeira mulher a presidir o Supremo Tribunal do país. Essa atuação na corte rendeu a ela a reputação de enfrentar a corrupção.
Poudel também convocou novas eleições para março de 2026. Por enquanto, o parlamento nepalês está dissolvido. A premiê prometeu que seu governo interino não vai permanecer no poder por mais de seis meses, e também vai pagar uma compensação de um milhão de rúpias (cerca de R$ 38 mil) às famílias que perderam pessoas nos protestos.
“Devemos trabalhar de acordo com o pensamento da geração Z. O que esse grupo exige é o fim da corrupção, boa governança e igualdade econômica”, disse Karki no último domingo (14) em seu primeiro pronunciamento como primeira-ministra, como reportado pela BBC.