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Drogas, aborto e racismo: as outras votações nos EUA em 2020 além da presidencial

Enquanto todo mundo só fala na apuração presidencial, outras decisões importantes foram tomadas em plebiscitos estaduais, como a descriminalização de todas as drogas e a atualização de leis racistas. Entenda.

Por Bruno Carbinatto
5 nov 2020, 20h18

Os olhos de todo o mundo estão voltados para as eleições presidenciais dos Estados Unidos, que terminaram na última terça-feira (03), mas cujos resultados ainda não saíram. Afinal, quem ganhou: Joe Biden ou Donald Trump?

Os eleitores, contudo, não votaram apenas nessas opções. Nos EUA, o “Election Day” reúne diversos pleitos: em 2020, além do presidente, todos os estados elegeram também seus deputados federais, e alguns ainda votaram para senadores, governadores e outros cargos políticos locais.

Além de tudo isso, vários estados fizeram plebiscitos – consultas populares – sobre temas diversos. É uma prática comum no país, e muitas decisões sobre leis e regulações são tomadas assim.

Em 2020, a maioria das consultas variou muito de estado para estado. Muitos consultaram a população sobre impostos (“Você concorda em elevar os impostos sobre a venda de cigarros?”, por exemplo). Outros fizeram plebiscitos sobre o próprio processo eleitoral, já que, nos EUA, cada estado estabelece suas regras de como, quando e onde votar e como a contagem é feita – o que explica um pouco a bagunça eleitoral que está rolando.

Um dos casos mais notáveis aconteceu em Porto Rico, que não é um estado, mas um território não incorporado dos EUA – e por isso é considerado até hoje a colônia mais antiga do mundo. A consulta foi exatamente sobre isso: a população votou pelo “Sim” para se tornar oficialmente o 51º estado dos Estados Unidos. Com isso, os cidadãos porto-riquenhos teriam direito a votar em deputados federais, senadores e também teriam voz no Colégio Eleitoral, o sistema de delegados que elege o presidente.

Esse voto, porém, não tem poder por si só – para o território virar estado, é preciso que o Congresso do país aprove a legislação nesse sentido. Os defensores da medidas, porém, poderão usar o resultado popular para pressionar os políticos.

Você pode conferir todas as propostas votadas em cada estado aqui. Separamos algumas das mais relevantes por temas – todas já foram apuradas e têm um resultado completo.

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Drogas

Até as eleições de 2020, apenas 11 estados dos EUA tinham leis que legalizavam expressamente o uso da maconha para fins recreativos (vários outros permitiam para uso médico, porém). Agora, mais quatro se juntarão a esse grupo: Arizona, Nova Jersey, Montana e Dakota do Sul. Os dois últimos, vale dizer, são considerados mais conservadores do que o restante. Donald Trump, inclusive, venceu por lá nessa eleição.

Além deles, o estado de Mississipi votou para legalizar o uso médico da substância, até então proibido. Os detalhes da regulação (como idade mínima, quantidade e impostos cobrados sobre a maconha) variam de estado para estado.

Mas um estado, que já legalizava a maconha anteriormente, deu um passo além na maneira de lidar com a questão das drogas. Os eleitores de Oregon, na costa oeste, decidiram descriminalizar o uso de todas as drogas. Isso mesmo: até o porte de substâncias mais pesadas, como heroína, cocaína e LSD, não será mais crime por lá. É uma decisão inédita no país.

Vale ressaltar que o estado descriminalizou as drogas, mas não as legalizou (como é o caso da maconha). Vender essas substancias ainda será ilegal, e não será possível comprá-las na farmácia ou em lojas especializadas, por exemplo. A grande questão é que os usuários não responderão mais criminalmente por serem pegos com uma quantidade pequena. Quando isso acontecer, eles poderão pagar multas e participar de programas de reabilitação para dependentes – mas não serão presos.

Aborto

Alguns estados também votaram pautas relacionadas à interrupção voluntária da gravidez. Não é exatamente sobre a legalização ou não da prática – o aborto nos EUA é permitido desde 1973, quando a Suprema Corte do país julgou o caso Roe V. Wade. O entendimento da corte na época foi de que nenhum estado tinha o direito constitucional de impedir que mulheres procurassem por serviços de aborto durante os três primeiros meses da gestação. Após esse período, cada estado poderia definir suas restrições – ou mesmo proibir totalmente o procedimento.

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Mesmo assim, cada unidade da federação ainda pôde criar suas próprias leis para regular todo o processo. Alguns estados mais conservadores podem, inclusive, estabelecer regras que dificultem o acesso ao serviço, como diminuir (ou zerar) o financiamento para abortos com dinheiro público.

Neste ano, o estado de Colorado perguntou aos seus cidadãos se concordavam em proibir totalmente o aborto após 22 semanas de gestação. A medida só permitiria os abortos tardios quando a mulher corria risco de morrer. Para casos de gravidez decorrida de estupro ou incesto, ou em deformidades graves do feto detectadas no final da gestação, a proibição continuaria em pé.

A população de lá, porém, rejeitou a medida. Dessa forma, o estado continua como um dos únicos sete que não estabelecem limites temporais para a interrupção da gravidez. Quase 99% dos abortos acontecem antes das 21 semanas de gestação.

Já Luisiana, no sul do país, aprovou uma medida considerada anti-aborto. O objetivo é escrever uma emenda para declarar que, na Constituição do estado, não há nenhuma lei que permite o aborto – ou que o governo deve financiar serviços desse tipo.

Na prática, nada muda: devido à interpretação da Suprema Corte de 1973, a Luisiana não pode impedir que as mulheres abortem. Mas é como se o estado estivesse dando um recado de que não concorda com isso, e que, se apenas as regras locais valessem, o aborto seria ilegal.

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A medida pode impactar no futuro. O aborto, afinal, só é permitido nacionalmente por conta da decisão judicial – não há uma lei aprovada pelo Congresso que legalize a prática. Se essa decisão um dia for revertida pela Corte (ou se a interpretação dela mudar, de alguma forma), é possível que estados passem a proibir a prática.

Nesse caso, a lei da Luisiana valeria por si só. A preocupação voltou a tona após Trump nomear a juíza Amy Coney Barrett para a Suprema Corte, que consolidou uma maioria conservadora entre os votantes (6 contra 3).

Mesmo assim, é improvável que a Corte simplesmente decida ignorar o entendimento anterior do caso Roe V. Wade. No universo jurídico, há um princípio conhecido como stare decisis – algo como um “não mexa no que está estabelecido”. Contudo, novas decisões sobre o processo de se conseguir um aborto podem ser feitas – e abalar as garantias para mulheres que procurem os serviços, sobretudo em estados conservadores.

Questões raciais

Meses atrás, os EUA foram tomados por uma onda de protestos contra o racismo e a violência policial, iniciados após o assassinato de George Floyd, um homem negro, durante uma abordagem policial. A questão foi central nos debates políticos – e também se refletiu em votações de plebiscitos estatais, ainda que de forma simbólica.

A mais emblemática medida foi aprovada no Mississippi: a troca da bandeira do estado. Parece pouco, mas não é.

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A bandeira em vigor até junho desse ano continha o símbolo da Confederação, o grupo de estados sulistas que, durante a Guerra Civil (1861-1865), lutaram pela manutenção da escravidão.

Apesar do tabu (e das críticas constantes), o símbolo se manteve por mais de 150 anos. Em 2020, os eleitores concordaram que era preciso mudá-lo. A nova bandeira possui uma flor magnólia no centro, rodeada por estrelas:

Drogas, aborto e racismo: as outras votações nos EUA em 2020 além da presidencial
(Wikimedia Commons/Reprodução)

Medidas parecidas foram tomadas em Utah e Nebraska para reescrever trechos da Constituição local que ainda mantinham linguagem arcaica – e racista. Nos dois estados, havia parágrafos sobre a proibição da escravidão que abriam exceções para a prática, como permitir que o “trabalho forçado” continuasse a existir como forma de punição para criminosos, dependendo do delito. Embora isso nunca de fato tenha sido aplicado, os estados decidiram retirar os trechos para deixar claro a oposição à escravidão.

Em Rhode Island, o menor dos estados americanos, a população aprovou uma medida que muda o nome oficial do estado (aquele que aparece em documentos e outras papeladas). Antes, ele se chamava “Estado de Rhode Island e das Plantações de Providence”, uma referência ao nome colonial da região, quando a escravidão era usada intensamente em fazendas. Agora, ele se chamará apenas “Estado de Rhode Island” – deixando a escravidão para os livros de História.

 

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