Capivaras de Buenos Aires vão receber anticoncepcionais em tentativa de controle populacional
Construído em cima de um pântano, o bairro de alta classe de Nordelta, em Buenos Aires, vê a população de capivaras crescer descontroladamente desde 2014.

O bairro de Nordelta é um grande condomínio fechado de casas, prédios, um shopping, uma igreja católica, uma sinagoga e várias escolas, todos construídos em torno de lagos artificiais com pássaros. Nordelta, que já foi chamado de “a Miami da Argentina”, lida há anos com invasores pouco luxuosos: as capivaras.
Esses roedores sempre habitaram a região, que fica no delta do Rio Paraná e é naturalmente pantanosa. Entretanto, com a ocupação urbana, os predadores das capivaras – onças, jacarés, raposas, jiboias e outras cobras – foram extintos da região. Protegidas pela legislação de animais silvestres, e sem outros predadores, as capivaras se reproduzem como pragas urbanas.
Desde 2014, a população cresce desenfreadamente e incomoda os moradores pela sujeira, riscos à saúde humana e dos animais domésticos. Agora, a Associação de Moradores de Nordelta anunciou que aprovou um projeto para aplicar anticoncepcionais nas fêmeas e realizar vasectomias em cinco machos.
A iniciativa foi aprovada também pela prefeitura de Buenos Aires e será supervisionada por biólogos do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet). Ao El País Argentina, o Conicet confirmou que eles darão seguimento ao plano de controle populacional, mas esclarecem que não o recomendaram ou sugeriram.
“No Brasil existe uma vacina anticoncepcional que é de dose única, pode ser aplicada remotamente com dardos e se mostrou eficaz em capivaras, mas não está disponível na Argentina. O obtido aqui não foi testado para capivaras e requer a captura do animal para uma dose e a recaptura para a segunda”, diz María José Corriale, pesquisadora do Conicet especializada na relação entre habitat e vida selvagem.
A iniciativa não agradou a todos: mesmo entre os moradores de Nordelta, existem defensores das capivaras que não concordam com a esterilização dos animais. O movimento Carpinchas Nordelta Somos Su Voz (“Capivaras Nordelta Somos Sua Voz”, em tradução literal) afirmam que os planos devem ser suspensos, contestam a existência de um problema de superpopulação e criticam os promotores imobiliários por ignorarem as propostas de criação de corredores biológicos e áreas protegidas.
Ao El País, uma das integrantes do movimento, Silvia Soto, afirmou que o plano de manejo foi decidido sem consulta e foi informado a posteriori por e-mail. “Dizem que não há espaço para fazer corredores biológicos, mas há espaço para continuar construindo”, disse.
Soto diz que o número de animais diminuiu desde dezembro até agora, e ela suspeita que as capivaras possam estar sendo caçadas ilegalmente.
O bairro já tem 300 hectares de lagos e 300 de áreas verdes, e há quem sugira a criação de uma área exclusiva para os animais. O fato é que as grades e muros já aumentaram nos últimos anos, mas o cerceamento do território dos animais está tornando os alimentos escassos e o ambiente mais competitivo.
Na prática, a tensão entre capivaras e animais domésticos tem crescido, já que as fêmeas podem se tornar agressivas quando estão com filhotes. Marcelo Cantón, morador e porta-voz da Associação de Moradores de Nordelta, afirmou ao The Guardian que as brigas de capivaras também têm levado a acidentes de trânsito na região.
“Nordelta é uma área úmida excepcionalmente rica que nunca deveria ter sido tocada. Agora que o dano foi causado, os moradores precisam atingir um certo nível de coexistência com as capivaras”, disse Sebastián di Martino, diretor de conservação da fundação Rewilding Argentina em entrevista à AFP em 2021.
“É complicado, você precisa mantê-los longe de crianças e animais de estimação. E então você terá que encontrar uma maneira de reduzir a população, talvez transferindo-os para outros lugares.”