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Vírus: No encalço dos microassassinos

Cientistas do mundo inteiro pesquisam os vírus que pipocam em várias partes do planeta; ainda como agem no organismo e o procedimento de identificação e isolamento dos vírus.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 30 jun 1995, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Meio astronautas, meio detetives, os cientistas perseguem o mistério dos vírus emergentes. O do Ebola já está quase resolvido e a vacina, teoricamente, já é possível. Agora,falta pegar o resto da quadrilha.

Está aberta a temporada de caça aos supervírus. Alguns ainda são mal conhecidos, como o brasileiro Sabiá e o recém-descoberto Morbillivírus, da Austrália. Já o velho Ebola (pronuncia-se Ebóla) continua o mesmo. E isso é bom. “Ele nunca ultrapassa 80 milionésimos de milímetro de largura e 970 milionésimos de milímetro de comprimento”, diz à SUPER o biólogo americano Myles Axton, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A sua aparência é a de um fio enrolado, mas o fundamental é a fita em seu interior, cheia de informações genéticas. Dividida em 12 700 subunidades, ela quase não mudou desde 1976, quando surgiu e contaminou 318 zairenses, dos quais 290 morreram.

“Das subunidades estudadas até aqui, apenas 1,5% mostram-se diferentes”, informa Axton, comparando as amostras de 1976 com as de abril deste ano. Isso facilita. Para se ter uma idéia, o grande obstáculo para a vacina da Aids é o alto índice de transformações genéticas do HIV, o causador da doença. Ele muda tanto que uma vacina criada hoje seria inútil em menos de um ano. “Como o Ebola quase não sofre mutações, há condições para se fazer uma vacina eficaz”, afirma a virologista Luiza Madia de Souza, do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. “Ela só não foi feita porque não é prioridade. Existem outras doenças que matam muito mais, como a malária, e ainda não têm vacina.”

Diante das recentes epidemias, gente do mundo inteiro está alarmada, tem a impressão de que um complô virótico pretende eliminar os seres humanos, da noite para o dia. “É um erro achar que estão nascendo novos vírus, como se o progresso da humanidade estivesse produzindo criaturas diabólicas”, diz a virologista Clearence Peters, do CDC, nos Estados Unidos. Peters admite que o fato de a população mundial se alastrar por áreas nunca antes habitadas pode colocar o homem em contacto com microrganismos estranhos. “Mas esses microorganismos já existiam, estavam em algum lugar há milhares ou milhões de anos.”

É exatamente por esse motivo que os cientistas preferem trocar o adjetivo “novo” por “emergente”, supondo que o bandido estava recluso e, de repente, emergiu de seu esconderijo. O que o faz aparecer ou reaparecer de surpresa, depois de ter sido aparentemente erradicado, é um dos maiores quebra-cabeças da Biologia moderna. A teoria de que os desmatamentos tenham a ver com as novas pragas é válida, mas não é suficiente. Uma evidência disso é o caso do Sabiá, isolado pelas pesquisadoras Terezinha Lisieux Coimbra e Elza Nassar, do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. A primeira e única vítima fatal do Sabiá, uma agrônoma de 25 anos, não vivia no mato e, sim, em Campinas, uma das maiores cidades do interior paulista. Ela passou mal após o reveillon de 1990 na casa dos pais, que moravam em Cotia, cidade encostada na capital de São Paulo, uma região que já é povoada há mais de dois séculos. No entanto, foi em um dos dois lugares — ou Campinas ou Cotia — que a moça se contaminou.

Algumas pessoas alegam que a agrônoma havia trabalhado cinco meses antes em Rondônia, o que é verdade. “Mas é improvável que ela tenha contraído o vírus por lá”, diz Terezinha Lisieux. A maioria desses germes só demora de dois a quinze dias para botar as mangas de fora, adoecendo a vítima. O HIV é uma exceção, por ficar incubado no paciente durante anos até provocar a Aids. Mas o Sabiá contaminou acidentalmente dois pesquisadores — um em Belém do Pará e outro num dos mais conceituados laboratórios de Virologia do mundo, o da Universidade de Yale — e ambos adoeceram em poucos dias (mas não morreram). Portanto, a agrônoma não deve ter se contaminado numa floresta do Norte do país cinco meses antes.

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Os dois acidentes com pesquisadores que estudavam o Sabiá também atestam outro dado importante: ele é extremamente perigoso, transmissível pelo ar, mas só quando se trabalha com ele em tubo de ensaio. No entanto, parece não ser transmitido de uma pessoa infectada para outra — caso contrário, toda a equipe médica que tratou da agrônoma teria caído doente. “O Hantavírus, que também está provocando pânico por existir no Brasil, é outro que não se transmite de uma pessoa para outra”, garante Luiza Madia de Souza. “Ele só infecta alguém por meio de secreções de ratos.” Como seus companheiros ditos super, o Hanta não vai eliminar a espécie humana.

Há quase seis anos, em novembro de 1989, 512 macacos foram sacrificados nos bosques da Virgínia, nos Estados Unidos, por soldados mascarados. A matança foi concluída em 72 horas. Era uma operação militar de emergência, orientada pelo CDC. Essa instituição federal americana não tem relação com as forças armadas, mas dá suporte técnico nas situações em que a saúde da população esteja gravamente ameaçada. E, de fato, naquela ocasião, os cientistas temiam que a mais terrível epidemia da história da humanidade estivesse eclodindo — o que, felizmente, não ocorreu.

O alarme soou quando cinco macacos importados das Filipinas morreram no laboratório de uma indústria de Reston, cidade do interior da Virgínia. Desconfiava-se de que estavam com o Ebola, capaz de fazer as suas vítimas sangrarem até morrer. Só 10% delas conseguem escapar, porque seu corpo reage ao invasor. Os que sobrevivem têm sintomas similares aos de uma forte gripe associada a diarréias, mas não chegam a ter seus vasos sangüíneos derretidos. Daí que se recuperam, muitas vezes sem seqüelas.

A questão é que o Ebola, aparecido em 1976 no Zaire e reaparecido em 1979 no Sudão, não era transmitido pelo ar e, sim, pelo contato direto com excreções do doente, como saliva e sêmen. A versão de Reston, porém, era capaz de pegar carona nas partículas de água existentes na atmosfera. Sobrevoou, assim, os céus virginianos e contaminou mais sete macacos do outro lado da cidade. Por sorte, hoje se sabe, o Ebola Reston é um subtipo que não contamina homens, só macacos.

Mas, a partir daí, livros, filmes e até mesmo artigos publicados na imprensa aterrorizam com a possibilidade de o Ebola zairense ou o sudanês se tornarem transmissíveis pelo ar numa manobra apocalíptica. “É um absurdo”, explica a SUPER, pela Internet, o biólogo Ted Crusberg, do Instituto Politécnico de Worcester, nos Estados Unidos. “O Ebola zairense precisaria de muito mais do que uma simples mutação para conseguir isso. Talvez sejam necessárias milhares delas, o que levará, no mínimo, centenas de anos.” Crusberg prossegue: “E, depois, quem disse que o vírus tem interesse em mudar? Ele parece estar se dando muito bem do que jeito que é. Na natureza, as criaturas só mudam para sobreviver e quando são forçadas a isso.”

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O argumento é rigorosamente científico. Além disso, “os microorganismos sempre preferem o caminho mais fácil”, ensina Clearence Peter. “Vírus que atacam dentro das veias e artérias, como o Ebola e o da Aids, são transmitidos diretamente pelo sangue”, exemplifica. “Vírus que agem nos pulmões, como o da gripe, se transmitem pelo ar.” Segundo a pesquisadora, nada impede que, amanhã ou depois, se descubra um vírus letal, capaz de fazer ataques aéreos. “Mas ele não será uma mutação do Ebola ou qualquer outro supervírus dos que conhecemos.”

Esses supervírus, aliás, têm como característica o fato de matar muito rápido. Não dão tempo, assim, para quem está infectado transmitir o mal para os vizinhos. “Isolar o infectado é suficiente para controlar a situação”, diz Vilela Lomar. “É claro que os médicos e enfermeiros são o maior grupo de risco, porque acabam encostando no sangue e nas secreções.” Cabem cerca de 10 000 Ebola numa única gota de sangue.

Por esse motivo, os médicos são obrigados a usar trajes especiais submetidos a numerosos processos de desinfecção. “O principal deles é o banho de ultravioletas, raios capazes de liqüidar vírus de modo geral”, diz Peters. Os cuidados também servem para quem passa o dia estudando os supervírus em laboratório. “Um dos nossos principais objetivos é criar reagentes, substâncias usadas em testes para detectar esses microorganismos rapidamente, caso eles voltem a atacar.”

Para saber mais:

Amargo regresso

(SUPER número 3, ano 7)

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Eles voltaram

(SUPER número 6, ano 11)

À sombra do mosquito

(SUPER número 7, ano 11)

O grande enigma dos mortos-vivos

Existem vírus condenados a laboratórios de biosegurança 4. O número significa periculosidade máxima. Ali podem ser encontrados o Ebola, o Junin, o Lassa, o Machupo, o Guanarito, o Marburg, o Sabiá e o Morbillivírus. São letais e facilmente transmissíveis. Ficaram conhecidos como supervírus — o que talvez seja injustiça. “Um reles vírus de gripe também é super, sob certo aspecto”, diz o infectologista André Vilela Lomar, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. “Ele pode ameaçar toda a complexidade organismo humano, apesar de ter a mais rudimentar das estruturas.”

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Vírus não passam de um novelo de DNA ou de RNA (substâncias de que são feitos os genes) embrulhado numa capa de proteína. Alguns, aliás, são nus e nem sequer têm capa. Tão simples, mas a ciência não consegue defini-los — seriam mortos-vivos? Bem, vivos, eles não são. Quem vive precisa de energia (por isso comemos e respiramos) — mas eles não. Podem ficar em seu canto, eternamente, desde que estejam em um ambiente adequado. Também não produzem nem excretam substâncias, o que é outra característica de quem vive. No entanto, se não são vivos, também não são mortos, pois contêm material genético para se reproduzir. Como a reprodução é uma prerrogativa dos vivos, os vírus são uma questão que a ciência não explica.

Para se multiplicar, eles invadem o organismo de animais ou plantas. À medida que usam a célula, os microcriminosos as destróem. São causadores de seis em cada dez doenças. “Os mecanismos de reprodução variam”, conta a virologista Teresa Sugahara, do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. “Alguns, como o da gripe, contêm DNA e tomam posse do núcleo celular. Outros, os retrovírus (o da Aids entre eles), são moléculas de RNA que se transformam em DNA depois de infectarem a célula. Há, ainda, vírus de RNA, do tipo do Ebola, que agem fora do núcleo, diretamente na linha de produção das proteínas.”

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