O ensurdecedor silêncio sobre o direito à morte assistida no Brasil
Quem tem uma doença incurável, terminal e/ou irreversível não pode escolher parar de sofrer.

Quantos anos você gostaria de viver? Imagino que sua resposta seja “depende”. Depende da qualidade de vida. Essa é a resposta mais comum. Quantos anos você gostaria de viver sofrendo com uma doença/condição grave, incurável, terminal e/ou irreversível? É possível que a sua resposta seja diferente. Estudos feitos em vários países revelam que, diante de um quadro de adoecimento grave e irreversível, a maioria das pessoas trocaria a quantidade pela qualidade do tempo de vida.
Em países como Holanda, Canadá e Nova Zelândia, essa “troca” pode ser feita de várias maneiras: a pessoa pode se recusar a fazer um tratamento, pode não insistir nele, pode optar pela não iniciação ou suspensão de suportes artificiais de vida, pode receber cuidados paliativos e pode escolher morte assistida.
O termo “morte assistida” define as práticas de abreviação da vida de alguém que esteja gravemente doente (mas competente para tomar decisões), com o auxílio de um terceiro. Quando esse terceiro é o responsável pela ação que gera a morte, a situação é conhecida por “eutanásia”; quando o terceiro prescreve um fármaco letal para ser administrado pela própria pessoa adoecida, trata-se de “suicídio assistido”.
No Brasil, a morte assistida não é uma opção, pois a eutanásia e o suicídio assistido são ilegais. Em nosso país, uma pessoa que vivencia sofrimento intolerável em decorrência de uma doença/condição grave, incurável, terminal e/ou irreversível, não pode escolher parar de sofrer. Ela pode escolher, apenas, sofrer menos.
Nos últimos dez anos, diversas sociedades debateram a morte assistida, muitos países legislaram sobre o tema e algumas Supremas Cortes autorizaram a prática para pessoas que comprovaram vivenciar sofrimento intolerável. No Brasil, o Legislativo nunca avançou em um projeto de lei, e o STF nunca foi provocado a decidir em um caso concreto. Aqui, apenas há poucas semanas foi criada a primeira associação civil (nomeada de “Eu Decido”) que luta pelo direito à morte assistida.
Muitas pessoas justificam essa realidade brasileira com base na hegemônica moralidade judaico-cristã que molda nossa sociedade. Mas ela, por si só, não pode ser entendida como suficiente para que continuemos a não discutir a morte assistida e a negar o direito de escolha a pessoas gravemente doentes. Pois, ao fazê-lo, estamos forçando pessoas que já estão morrendo a existir em uma vida que, para elas, é sinônimo de sofrimento.
Luciana Dadalto é advogada, pesquisadora de temas relacionados a autonomia e dignidade no fim da vida e presidente da associação Eu Decido.