Maconha: Remédio proibido
A erva pode fazer mal: isso todo mundo sabe. Mas, para inúmeras doenças graves, sem medicamentos eficazes no mercado farmacêutico, ela é a salvação. Pacientes sentem no corpo seus benefícios - e os malefícios de não poderem se medicar livremente no Brasil. Em outubro, nos cinemas, a SUPER conta num filme a história de pessoas que lutam contra a ilegalidade para receberem tratamento.
Em janeiro deste ano, uma garotinha brasiliense de 5 anos viu suas convulsões cessarem. Anny enfrentava até 80 crises por semana (número equivalente a uma crise a cada duas horas), causadas por uma rara síndrome genética, a CDKL5, que desencadeia um tipo grave e incurável de epilepsia. Remédios pesados faziam parte da rotina, mas sem resultados. O antídoto para as convulsões estava num óleo à base de canabidiol (CBD), componente extraído da maconha, sem qualquer efeito psicoativo. Katiele Bortoli e Norberto Fischer, mãe e pai dela, ouviram falar do caso de uma menina americana, portadora da mesma síndrome, que estava controlando as convulsões com CBD. Apesar de nunca terem imaginado que maconha poderia ser remédio, decidiram arriscar. Compraram a substância de um laboratório dos Estados Unidos, enviada ilegalmente para o Brasil. Em apenas nove semanas de tratamento, o diário onde os pais anotavam as crises ficou limpo.
Três meses depois, quando as ampolas do óleo acabaram, os registros de ataques epiléticos voltaram a aparecer no papel. A remessa seguinte do produto não foi entregue: ficou retida na Receita Federal. Por ser derivado da Cannabis sativa, nome científico da maconha, o CBD está na lista de substâncias proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que controla o uso de substâncias no Brasil. A impossibilidade de continuar o tratamento comoveu e revoltou o País. Katiele, que viu a filha voltar a convulsionar, não teve medo de tornar o caso público assumindo que, perante a lei, ela era traficante. E continuaria sendo, para garantir a saúde e a qualidade de vida da filha.
Anny teve sua primeira convulsão aos 45 dias de vida, nos braços da mãe. Quando ela completou 3 anos, as crises começaram a atacar o tempo inteiro, deixando a criança completamente debilitada, sem condições de se desenvolver. O CBD, enfim, era uma esperança. Proibida.
O caso de Anny e o uso medicinal da maconha ganharam espaço em jornais, revistas e programas de televisão em 2014. As pessoas se engajaram na causa. Mesmo as propriedades médicas da erva sendo milenarmente conhecidas e seu uso para fins medicinais ser legalizado em países como Canadá e parte dos Estados Unidos, a discussão nunca havia chegado com força ao Brasil. Um assunto sobre o qual reinava o silêncio acabou se revelando como uma possibilidade para centenas de milhares de brasileiros, não só crianças com síndromes raras. Pessoas que sofrem com esclerose múltipla, epilepsia, dores crônicas e até mesmo as que fazem quimioterapia e nem imaginavam que o uso de maconha poderia ser útil, ficaram sabendo de uma terapia alternativa aos tratamentos.
A pressão popular foi tanta que o presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, chegou a anunciar que o composto sairia da ilegalidade, o que acabou não sendo cumprido. O único efeito colateral conhecido do CBD é sono – muito mais leve do que as reações causadas por drogas tarja preta receitadas pelos médicos. Anny tomou, entre outras medicações, Depakene, aprovada pela Anvisa, indicada para pacientes de epilepsia. A bula possui um tópico dedicado a advertências, que alerta para reações adversas graves como: diminuição das plaquetas, anormalidade na coagulação do sangue, insuficiência fatal no fígado e no pâncreas, excesso de amônia no organismo, que pode causar perturbações no cérebro também fatais, atrofia cerebral e comportamentos suicidas. “Foi a primeira medicação que tiramos quando o CBD começou a funcionar. Ela tomou a vida toda”, conta Fischer.
A família conseguiu uma ordem judicial e Anny foi a primeira paciente do Brasil a ter autorização para importar um medicamento à base de maconha. Após dez meses de tratamento, os avanços dela estão cada vez mais visíveis. “Se comparada com outras crianças, ela ainda parece muito debilitada, mas, quando comparada com ela mesma, a transformação é incrível”, comemora Katiele. “Ela não emitia nenhum som, não tinha expressão nem movimento. Hoje ela consegue segurar o pescoço, chora, ri, reclama”, completa. A última crise que ela teve foi no dia 3 de maio.
Foi ao jornalista Tarso Araújo que Katiele contou sua história pela primeira vez, numa entrevista para o especial A Revolução da Maconha, da SUPER, quando o editor estava em busca de um paciente de epilepsia que se tratasse com maconha no País. “Eu fiquei sensibilizado com a história da Katiele. Era um absurdo que ela não pudesse medicar a filha. Isso me mobilizou, não só profissionalmente, mas pessoalmente”, conta o jornalista. A colaboração dele não parou numa reportagem: acionou um advogado para ajudar a família, criou a campanha Repense para difundir informações sobre cannabis medicinal e chamou os amigos Raphael Erichsen e Rodrigo Braga para fazer um filme. No final de março, lançaram o curta Ilegal, peça responsável por alastrar a história pelo País. A repercussão mostrou como o assunto é, ao mesmo tempo, tabu e mobilizador. Deu fôlego para a produção de um documentário, em parceria com a SUPER, que estará nos cinemas este mês. Nele, estão traçadas as trajetórias de pessoas que lutam para se medicar legalmente, ou para cuidar de seus filhos, como é o caso de Katiele. “A família foi muito corajosa, eles não deram para trás em nenhum momento. Estavam dispostos a fazer o que fosse preciso para garantir que a Anny tivesse direito ao medicamento que estava salvando a vida dela”, lembra Tarso.
ILEGALIDADE VICIOSA
Hoje, no Brasil, a burocracia é a seguinte: para utilizar substâncias listadas como proibidas é preciso fazer uma solicitação de importação à Anvisa, que inclua laudo e parecer médico. Mas, justamente por serem proibidas, os médicos não têm permissão para prescrevê-las e correm o risco de terem o registro profissional cassado pelo Conselho Federal de Medicina. A proibição da maconha no País também faz com que não seja fácil ter acesso à planta para o desenvolvimento de pesquisas. E é justamente pela escassez de estudos que a Anvisa alega ser inviável liberar o uso medicinal. Enfim: não tem pesquisa porque é proibido, e é proibido porque não tem pesquisa. Um ciclo vicioso que entrava o conhecimento científico, deixa os médicos de mãos atadas e limita o acesso dos pacientes à saúde.
Desde o caso da Anny com o CBD, a Anvisa recebeu 77 pedidos de importação de derivados de maconha por pacientes (número fornecido pela agência no início de setembro). Destes, 58 foram aprovados, sete estão em análise, outros sete necessitam completar as exigências de informação solicitadas e um foi arquivado. Dois casos foram liberados por autorização judicial, um deles o da estudante de Terapia Ocupacional Juliana Paolinelli, que sofre de dor crônica. Ela foi a primeira paciente no Brasil autorizada a importar o medicamento Sativex, que contém 45% de Tetra-hidrocanabinol (THC), substância psicoativa da maconha que é eficaz no alívio da dor. Outros dois casos terminaram em morte. Um deles é o do menino Gustavo, de 1 ano, que sofria com a síndrome de Dravet. O processo para sua mãe, Camila Guedes, conseguir a liberação na Anvisa demorou um mês. Após a liberação, o produto ainda passou dez dias retido na Receita Federal. A criança, que só conseguiu usar o CBD por nove dias, tempo insuficiente para dar resultado, morreu após uma série de convulsões graves.
A Anvisa afirma que o tempo médio para a análise tem sido de uma semana. Em maio, a reunião que definiria a reclassificação do CBD, passando da lista de proibidos para controlados, e facilitaria a vida dos pacientes uma vez que os médicos poderiam receitá-lo, foi adiada. A agência informou que o assunto continua sem previsão de retorno para pauta neste momento. Por meio de nota, complementou: “Estamos falando de um produto sem análise de segurança e eficácia no País, já que até hoje nenhum laboratório solicitou o seu registro no Brasil. Por essa razão, uma condição fundamental para a importação por pessoa física é que exista um laudo de um profissional médico. Nesse caso é o médico que assume a responsabilidade pelo uso do produto e pelo estabelecimento das dosagens”.
Para os pesquisadores, a situação também é difícil, mas está melhorando. “Do meio do ano para cá, a Anvisa clareou os trâmites, ficou mais fácil importar”, conta o biólogo Renato Filev, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que estuda o uso de maconha para ajudar a controlar a dependência de álcool. O processo de importação era tão complicado e caro que não valia a pena.
Há dois anos, o pesquisador Lucas Maia, que faz estudos com canabinoides na mesma universidade, tentou seguir os procedimentos da Anvisa, mas só para a agência receber a documentação eram mais de R$ 5 mil. Todos os custos somavam cerca de R$ 10 mil, a serem pagos com o dinheiro da bolsa de financiamento da pesquisa. “A gente precisava usar dinheiro público para bancar a demanda de órgãos públicos”, ironiza. Atualmente, o valor cobrado pela vigilância sanitária é de R$ 1.800, fora as taxas de tributação e transporte da Receita Federal. E, a partir da entrada das substâncias no País, o prazo de liberação do material estabelecido pela agência é de 24 horas. Para a avaliação dos documentos, entretanto, não há prazo definido.
Há outros caminhos para conseguir as substâncias que são proibidas no Brasil. Um deles é fazer convênios com a Polícia Civil ou Federal para utilizar droga apreendida. O problema é a falta de controle na qualidade do material repassado para as pesquisas. “Não tem rigor farmacêutico. Uma vez, pedimos cocaína e eles nos enviaram pasta base”, critica Filev. Outra possibilidade é contar com pesquisadores como José Crippa, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), que recebe os canabinoides como doação do laboratório THC Pharm, em Frankfurt, na Alemanha, interessado em apoiar a produção de conteúdo científico sobre o tema. Apesar da substância ser gratuita, custa caro trazê-la. “Nós arcamos com os custos de transporte, taxas de importação e exportação, despachante e taxas alfandegárias – isso tudo acaba tendo um custo razoavelmente elevado”, conta Crippa, médico com doutorado em saúde mental. Ele colabora fornecendo CBD para pesquisadores parceiros.
O biólogo Renato Filev lamenta, ainda, a falta de interesse de outros médicos e pesquisadores da área de saúde nas pesquisas sobre drogas, especialmente no estudo de seus possíveis benefícios. “Seria fundamental que médicos estivessem empenhados em pesquisar e fazer estudos clínicos com maconha, estudando novas possibilidades de tratamento. Mas são raros”, lamenta Filev. Há consenso com relação aos benefícios à saúde de canabinoides isolados, mas muitos médicos não acreditam que maconha possa ser uma opção de tratamento.
ERVA MALDITA?
Um exemplo de instituição médica que é contra o uso medicinal da maconha é a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), rejeitando qualquer tipo de vinculação da erva ao tratamento de pacientes. Publicaram um manifesto contra a legalização, e lá consta: “Usar o falso pretexto de que a maconha faz bem é ingênuo e perverso. O que pode eventualmente vir a ser útil são substâncias extraídas da maconha, sem características alucinógenas, como ocorre com o canabidiol, vendido em formulações a óleo e spray. A maconha fumada não possui nenhuma evidência científica com relação a sua eficácia terapêutica”. O texto também afirma que a droga, quando fumada, piora todos os quadros psiquiátricos, como depressão, ansiedade e bipolaridade, e multiplica a incidência de desenvolvimento de esquizofrenia. Mesmo procurada inúmeras vezes pela equipe da SUPER para entrevista, a ABP não se manifestou sobre o assunto para a reportagem.
Maconha certamente tem contraindicações. Pacientes que tenham tendências a surtos psicóticos devem evitar o uso, porque o THC pode ajudar a desencadear alguma crise. Há também problemas relacionados ao uso crônico e excessivo, como dificuldade para memorização e desmotivação para as atividades diárias, e os riscos são maiores com usuários mais jovens. Mas isso não quer dizer que não existam médicos a seu favor. O psiquiatra Luiz Fernando Tófoli, pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp), escreveu um manifesto a favor da legalização da droga, assinado por cem médicos das mais diversas especialidades espalhados por todo o País. “A proibição é perversa, por prejudicar o acesso aos benefícios médicos desta planta cujos registros de uso curativo remontam há cerca de 5 mil anos”, aponta o texto. Em entrevista, o psiquiatra comentou que considera o posicionamento da ABP irresponsável. “Não há evidências científicas que comprovem que a maconha agrave todos esses quadros psiquiátricos. Inclusive, pesquisas apontam para propriedades antidepressivas e antipsicóticas”, explica.
Ela também é eficaz contra dores crônicas e nas articulações, espasmos, convulsões, dentre outras complicações. O psiquiatra Elisaldo Carlini, um dos mais importantes pesquisadores da maconha no Brasil, que estuda o assunto há 40 anos, considera os benefícios inquestionáveis – sem negar os malefícios. Por isso, fundou o Maconhabras, grupo de pesquisa da Unifesp que trabalha com canabinoides, do qual Renato Filev e Lucas Maia também fazem parte. Hoje, a maconha tem sido estudada como alternativa até para tratar a dependência de drogas, em políticas de redução de danos, por suas possíveis capacidades de reduzir a depressão e a ansiedade, que contribuem para a dependência, e ajudar a melhorar o sono e o apetite. E não seria necessariamente trocar um vício pelo outro. Maconha tem baixo potencial para causar dependência química. O professor Carlini, inclusive, salienta que dependência é possível desenvolver por qualquer substância, se a pessoa estiver psicologicamente vulnerável. “Há trabalhos descritos na literatura sobre a dependência de cenoura – algumas pessoas tiveram até crise de abstinência. Em relação à maconha, há casos registrados de dependência, mas eles não são frequentes, se considerarmos a imensa população mundial de usuários”, esclarece.
Apesar de o CBD estar em evidência por não “dar barato”, o THC também tem importantes propriedades medicinais, como o alívio de dores, náuseas, aumento do apetite e melhora do paladar, devolução da qualidade do sono, dentre outros benefícios. Alguns pacientes se incomodam com as reações mentais da substância, que, por algumas horas, pode reduzir as habilidades de coordenação motora e concentração e deixar a percepção da realidade distorcida. Mas a psicóloga norte-americana Amanda Reiman, gestora de políticas sobre drogas da Califórnia e especialista em redução de danos, garante que há alternativas. “Se o paciente não gosta desses efeitos, é possível tentar medicações com níveis maiores de CBD e menores de THC. Além disso, se a dor é localizada, como nas articulações, são recomendados loções ou cremes, que não possuem qualquer efeito psicoativo”, esclarece. Ela ainda critica: há resistência à maconha, mas, nas farmácias, há medicamentos legalizados que causam as mesmas reações mentais, alguns até alucinógenos, como os opiáceos, prescritos para a dor; as benzodiazepinas, usadas como relaxantes musculares; e os antidepressivos e ansiolíticos mais frequentemente receitados.
HÁ MILÊNIOS NO MUNDO
Dá a impressão de que o assunto é novo, já que tão pouco se falava sobre as terapias com maconha. Mas não é de hoje que se conhece suas propriedades medicinais. A cannabis consta nos tratados médicos das mais antigas civilizações. Era amplamente utilizada na Mesopotâmia, na Pérsia, na Índia, na China, para tratar as mais diversas doenças, há mais de 5 mil anos – e até ontem, praticamente. Seu uso só foi proibido mundialmente em 1961, durante convenção das Nações Unidas contra substâncias entorpecentes. Antes disso, os médicos prescreviam maconha em suas receitas, como conta o psiquiatra Elisaldo Carlini. “Na época em que meu avô era médico, no começo do século 20, ele a receitava para os pacientes com insônia e até com asma, por ser broncodilatadora”, lembra. “É um dos mais valiosos medicamentos que a medicina descobriu, capaz até de aliviar dores causadas por distúrbios no próprio sistema nervoso.”
Foram essas propriedades nobres que fizeram dezenas de países no mundo inteiro reabrirem o debate sobre maconha medicinal, mesmo contra a vontade da ONU. Nas últimas duas décadas, pacientes, médicos e a comunidade científica se mobilizaram pelo direito ao uso da planta. E, graças à mobilização, conseguiram garantir tratamento para quem precisa nas mais variadas formas: em comprimidos, em óleos e loções, na planta in natura e até mesmo com produção de alimentos.
No Estado norte-americano da Califórnia, a maconha medicinal é legalizada há 18 anos. Dos 50 Estados americanos, 23 mais o distrito onde fica a capital Washington possuem legislação para o uso médico da planta. Como o governo federal ainda não reconhece seu uso médico, os usuários correm riscos de sofrerem punição se estiverem consumindo ou portando a droga além da fronteira do seu Estado. Mas, uma vez lá, basta apresentar uma receita médica na farmácia mais próxima para comprar maconha na forma que considerar mais adequada. “Temos muitos produtos diferentes porque os pacientes têm necessidades diferentes. Os que precisam de alívio imediato da dor preferem inalar o medicamento. Outros precisam de um alívio mais duradouro, então preferem tomar o remédio por via oral”, conta a psicóloga Amanda. Entretanto, quando a maconha é ingerida em alimentos, uma opção dos pacientes, a dificuldade de controlar a dosagem é maior, porque os efeitos não são imediatos.
Apesar de bem difundida nos Estados Unidos, a possibilidade de prescrever maconha ainda inexiste para muitos médicos, que não fazem ideia das propriedades da erva, que pode ser uma alternativa mais barata e eficaz, e com menos efeitos colaterais que os tratamentos disponíveis. Ao contrário dos remédios tradicionais, a maconha pode agir em várias frentes. Por exemplo, em vez de propor um comprimido para náuseas, outro para melhorar o apetite e mais um para dar conta do humor de alguém que passa por quimioterapia, a maconha, por si só, pode atuar sobre os três sintomas, com poucos efeitos colaterais além do efeito psicoativo. Mas a imensa maioria dos pacientes de câncer passam por todo o tratamento sem nem ouvir do seu médico essa possibilidade. “Essas informações não são ensinadas nas escolas de medicina, então os médicos não são expostos a todo o conteúdo científico que já foi produzido em torno da maconha. Muitas vezes são os pacientes que ensinam os médicos sobre maconha medicinal”, alerta Amanda.
No Uruguai, a maconha foi legalizada em dezembro do ano passado, e os usos medicinal, recreativo e industrial devem ser regulados até 2015. A médica Raquel Peyraube trabalha há dez anos pela legalização e hoje é assessora do governo uruguaio. De acordo com ela, há diversos especialistas participando da regulamentação da lei. “Nós estamos definindo como será feito desde o cultivo até a exportação”, explica. O principal objetivo da medida é neutralizar o narcotráfico no país. “É responsabilidade do governo proteger a população dos perigos da ilegalidade, como a péssima qualidade da maconha do tráfico e o crime organizado”, aponta Peyraube. A ideia é criar um produto competitivo, com todos os processos sendo controlados pelo Estado. “Os usuários vão contar com opções de alta qualidade e com preço acessível, ou plantar por conta própria, se preferirem. Nos remédios, vão constar a dosagem exata de cada componente.” Por mais que parte da população seja contra a legislação tão liberal, o posicionamento do governo é muito claro. “O Uruguai é um Estado laico. Não podemos deixar que se decida moralmente ou religiosamente o que é melhor ou pior para nós”, completa a médica. Quando o assunto é saúde, o único critério deve ser a ciência.
Os resultados parecem promissores
Apesar da escassez de pesquisas, já há registros de que a maconha pode ser útil para muitas doenças
Doenças virais
AIDS
Combate sintomas e efeitos colaterais do tratamento, como náusea e perda do apetite.
HEPATITE C
Doses pequenas aliviam a depressão e as dores musculares, causadas pelos fortes remédios.
Doenças inflamatórias
DOENÇA DE CROHN
A maconha ameniza náuseas e dores intestinais e pode atacar (e até erradicar) as células que provocam a infecção.
Doenças neurológicas
DORES CRÔNICAS E ARTRITE REUMATOIDE
A maconha tem poder analgésico para tratar dores persistentes, inclusive as causadas pelo sistema nervoso. Reduz o consumo de outros remédios.
EPILEPSIA
O canabidiol reduz significativamente os ataques epiléticos em pessoas que têm doenças resistentes a outros tipos de tratamento, como a síndrome de Dravet.
ALZHEIMER
Canabinoides podem desacelerar o avanço do Alzheimer e outras formas de demência.
PARKINN
Pode diminuir os tremores e melhorar o humor e o sono.
SÍNDROME DE TOURETTE
Pesquisas apontam para redução dos tiques.
ESCLEROSE MÚLTIPLA
Reduz espasmos, falta de sono e rigidez muscular. Mas pode aumentar a perda de memória e déficit de atenção, comuns a quem tem a doença.
Outras
INSÔNIA
Ajuda a induzir o sono, além de permitir noites mais tranquilas – o que pode ser útil no tratamento de estresse pós-traumático.
CÂNCER
Útil para o alívio dos efeitos colaterais da quimioterapia. Testes em animais mostraram que canabinoides podem matar células cancerígenas e até destruir tumores.
ANSIEDADE
Auxilia pessoas com estresse ou trauma recente. Mas, se a pessoa usar maconha por muito tempo, o corpo deixa de produzir as substâncias ansiolíticas naturalmente.
GLAUCOMA
Diminui a pressão intraocular, mas o resultado dura pouco e os efeitos colaterais pela dosagem são muitos. Pesquisas tentam encontrar uma forma segura de administrar maconha.
ASMA
Ao contrário do tabaco, o THC dilata os brônquios. Maconha vaporizada dá alívio semelhante ao das bombinhas.