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Higiene faz mal à saúde

Nunca vivemos em meio a tanta limpeza. E isso pode estar deixando as pessoas mais doentes

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 jan 2008, 22h00

Nunca fomos tão limpos. Por dentro e por fora: dos banhos diários à comida pasteurizada, do papel higiênico à água clorada, dos antibióticos ao aspirador de pó, uma série de avanços culturais e tecnológicos eliminaram boa parte dos microorganismos com os quais nossos antepassados sofriam. Várias doenças deixaram de existir, a expectativa de vida aumentou.

Os purificadores de ar acabam com os ácaros, a comida industrializada tem conservantes e antibióticos, e até os animais de estimação estão mais limpos. Mas esse estilo de vida asseado pode fazer mal, aumentar a incidência de certos tipos de doença.

Hoje, nos EUA, mais de 50% das pessoas têm algum tipo de alergia – o dobro da década de 1980. E os jornais publicam notícias assustadoras sobre a comida: só num dos casos, ano passado, 10 milhões de quilos de carne tiveram de ser recolhidos do mercado devido a contaminação. Até o reles amendoim é tratado como se fosse ameaça biológica – como há crianças que podem morrer se sentirem o cheiro dele, as escolas americanas estão criando “zonas livres de amendoim”. O que está acontecendo?

Bom, lembra de quando você era criança e chegava imundo em casa? Aí sua mãe mandava correr para o banho. Ela estava errada. “Se você tiver um gato antes do nascimento do seu filho, a criança nasce mais protegida contra alergia (a gato), devido às substâncias liberadas pelo animal. Isso foi comprovado em alguns estudos”, diz Evandro Alves do Prado, professor da UFRJ e diretor da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Ele cita outros casos intrigantes: “Alguns trabalhos feitos na Alemanha mostram que, em famílias com muitos filhos, o irmão caçula estaria protegido de alergias, devido ao contato com os irmãos mais velhos. E pessoas que moram em áreas rurais, em contato com esterco de boi, de cavalo, também acabariam mais protegidas”.

Mais: além de ajudar o corpo a criar resistência contra microorganismos, a exposição a sujeiras no dia-a-dia ajudaria a refrear a fúria do sistema imunológico. Num estilo de vida superurbano, avesso à sujeira, as células de defesa do organismo não têm tantos inimigos para combater e acabam surtando. Desse jeito, elas podem entender o amendoim, por exemplo, como um inimigo. E reagir violentamente (na forma de uma alergia). Outra manifestação de um sistema imunológico pirado é atacar as próprias células do corpo, coisa que pode dar nas chamadas doenças auto-imunes (asma, artrite, esclerose).

É o que prega a “hipótese da higiene”, uma teoria que já existe há algum tempo, e que nunca foi consenso. Mas agora estão surgindo algumas pesquisas que parecem comprová-la. Um estudo feito na Universidade Duke, nos EUA, mostrou que ratos selvagens têm menos tendência a desenvolver certas doenças do que os de laboratório, habitantes de um ambiente tão limpo quanto um hospital de primeira. Tudo por causa de dois tipos de anticorpo: o IgG, ligado a alergias, e o IgE, que pode desencadear as doenças auto-imunes.

“Os ratos selvagens têm mais anticorpos. Mas eles não causam patologias, pois se ligam a agentes externos. Nos animais de laboratório, provocam reações alérgicas e auto-imunes”, diz o professor William Parker, responsável pelo estudo.

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Além de fazer o organismo endoidar, a limpeza excessiva também pode nos deixar vulneráveis a bactérias e parasitas. O próprio governo dos EUA desaconselha o uso de produtos de limpeza com bactericidas, que são considerados ineficazes e perigosos, pois poderiam estimular o surgimento de bactérias hiper-resistentes. Pelo mesmo motivo, a ong Union of Concerned Scientists (algo como “União dos Cientistas Engajados”), voltada para assuntos de saúde, protesta contra o uso indiscriminado de antibióticos: nos EUA , o consumo deles subiu 50% desde a década de 1980 – sendo que a grande maioria, mais de 90%, é consumida pelos bois, vacas e galinhas que a gente come. A comida moderna, superdesinfectada, pode ser perigosa.

E a defesa da sujeira vai além: para alguns cientistas, o aumento no número de nascimentos por cesariana é um dos responsáveis pela explosão das alergias. É que nesse tipo de parto, mais limpo, a criança não passa pela vagina da mãe. Então não tem contato com a infinidade de bactérias que vivem lá, e acaba com o sistema imunológico pouco calejado. Parece absurdo, né? Mas, se você levar em conta que o corpo humano carrega 10 vezes mais células de bactérias do que de gente, faz sentido.

A imundície, veja só, pode até curar: dois estudos recentes mostram que determinados tipos de parasitas e bactérias aliviam, respectivamente, os sintomas da esclerose múltipla e da depressão.

Convencido? Calma: ninguém está dizendo pra você parar de tomar banho, rolar na lama ou deixar a casa emporcalhada. Contra as doenças da limpeza, a grande aposta dos cientistas é a sujeira high-tech: a empresa alemã Ovamed já vende um tratamento, de 2 200 euros, que supostamente alivia alguns tipos de doenças auto-imunes. São ampolas cheias de Trichuris suis ova – versão esterilizada de um parasita encontrado no intestino do porco. Você toma junto com água, no café da manhã. Vai encarar?

 

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Teoria da sujeira

Comida industrializada, antibióticos, cesarianas, vida urbana… o estilo de vida atual, mais limpo, pode estar aumentando determinados tipos de doença – principalmente nos países mais desenvolvidos. Estes números aqui, dos EUA, reforçam a hipótese.

 

Quanto Maior a limpeza…

 

Nascimentos por cesariana

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1996 – 16,3%

2006 – 30,2%

 

Consumo anual de antibióticos

1996 – 7,3 milhões de quilos

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2006 – 22,3 milhões de quilos

 

Porcentagem da população em áreas urbanas

1996 – 75,3%

2006 – 80,8%

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…Maior a incidência de certas doenças

 

Porcentagem da população com alergia

1996 – 25%

2006 – Mais de 50%

 

Casos de asma

1996 – 13,7 milhões

2006 – 20 milhões

 

Epidemias de contaminação alimentar

1996 – 1

2006 – 6

 

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