Reinaldo Lopes
A julgar pelo estardalhaço que os jornais, as revistas e a internet andaram fazendo nos últimos tempos, você deve estar se perguntando por que ainda não morreu de gripe aviária, ou “do frango”, como dizem por aí. Todo mundo parece estar esperando a mãe de todas as pandemias, e até o pessoal da sóbria OMS (Organização Mundial da Saúde) fala em 150 milhões de mortos, caso ela vier. O risco é real, mas o fato é que ninguém sabe quando – nem se – a doença vai mesmo se tornar um problema sério para a saúde humana. Aproveitando que a pandemia ainda não veio, é sempre bom dar uma olhada em alguns fatos interessantes – ou assustadores – sobre essa forma de gripe e o vírus que a causa, o famigerado H5N1.
Porta da frente e porta de trás
A sigla H5N1 vem dos dois principais identificadores dos vírus de gripe, que servem para diferenciar uma variedade da outra. H equivale a hemaglutinina, a proteína que o vírus usa para invadir as células; N quer dizer neuraminidase, outra proteína, responsável pela saída das células. O número 5 indica que esta é a quinta variação do H capaz de infectar humanos.
Modelo compacto
Mais resumido impossível: o código genético dos vírus de gripe (ou influenza, como também são chamados) contém apenas 8 genes (o genoma humano, em comparação, tem cerca de 30 000). Mas eles são mais do que suficientes para “seqüestrar” e bagunçar completamente as células que invadem, dando origem a cópias de si mesmo e espalhando a epidemia.
Risco antigo
Não é de hoje que a humanidade sofre com epidemias surgidas no Extremo Oriente. Há evidências de que algumas das piores de todos os tempos, como a peste negra (que matou um quarto da população européia no século 13) e a gripe espanhola de 1918 (que pode ter feito até 50 milhões de vítimas) também tenham se originado por lá.
Velha novidade
O próprio H5N1 não é exatamente um desconhecido. Em aves, o vírus já tinha sido isolado e identificado nos anos 70, e surtos como os deste ano já tinham acontecido antes em 1998 (na Ásia) e 2003 (quando atingiram a Holanda, bem no meio da Europa Ocidental, situação que ainda não se verificou no surto atual).
Criação de problemas
A tradição de criar animais no Sudeste Asiático é colocar as aves sobre pisos de bambu. Embaixo, são criados porcos. As fezes das galinhas entram na dieta dos suínos (para economizar ração) e todos esses bichos têm contato com aves selvagens. O vírus acaba circulando loucamente de uma espécie para outra e aumenta a probabilidadede infectar humanos.
Vacina embaçada
Um dos motivos para temer o H5N1 é que não é fácil produzir vacinas contra ele. Normalmente, é preciso injetar o vírus em ovos de galinha para fazer a vacina. Mas o H5N1 é tão letal para o embrião que só pode produzir alguma coisa depois de atenuado por modificações genéticas. O processo todo acaba levando entre 6 meses e um ano.
Erva rara
Não é só a vacina que é complicada. Um dos únicos medicamentos que parecem ser capazes de combater o vírus, o Tamiflu, tem entre seus ingredientes o anis-estrela, planta rara e que só pode ser obtida em estado selvagem, na China. Por isso, a cadeia de produção do remédio também envolve entre 6 meses e um ano de trabalho, segundo seu fabricante, a Roche.
Tá tudo resfriado
Qualquer um que tenha espirrado até cansar depois de uma gripe sabe que o vírus causador da doença gosta de se alojar no sistema respiratório humano. O H5N1, porém, dá algumas mostras inquietantes de que consegue se ajeitar em qualquer canto do corpo. Há relatos de pessoas que morreram com diarréia ou com encefalite, por exemplo.
Seguindo o rastro
Há o medo de que o H5N1 se torne tão mortal quanto o vírus da gripe espanhola e, pelo menos parcialmente, ele é fundamentado. A análise genética sugere que o vírus de 1918 também veio de aves e sofreu poucas mudanças para infectar pessoas. Mas muitas mortes na época foram causadas por bactérias que atacaram os já debilitados – em uma época sem antibióticos.
Do sossego ao terror
Na natureza, o vírus da gripe aviária é menos assustador do que se imagina. O seu reservatório, aves migratórias selvagens , abrigam o patógeno em seu organismo (provavelmente no intestino) sem sofrer sintomas severos. O vírus só vira um problema quando salta para espécies desacostumadas a ele – como as aves domésticas e nós.