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China descobriu cura definitiva para diabetes? Não é bem assim…

Transplante com células-tronco ajudou a restaurar a capacidade de produção de insulina de um paciente. O que isso significa para os diabéticos?

Por Eduardo Lima
16 jun 2024, 16h00

Os chineses descobriram uma cura para o diabetes tipo 2 com células-tronco e estão escondendo isso de você? Essa história rodou a internet na última semana, mas não é exatamente verdade. A gente te explica.

Em 30 de abril, cientistas e médicos chineses publicaram uma carta na revista científica Cell Discovery em que relatam a cura de um paciente com diabetes tipo 2. No tratamento, ele recebeu um transplante de células-tronco que agem como ilhotas pancreáticas, as células responsáveis por secretar a insulina no corpo.

O homem de 59 anos que recebeu o tratamento experimental convivia com a doença há 25 anos. A maioria de suas ilhotas já não funcionava, então ele não conseguia controlar os níveis de glicose no sangue e precisava de diversas injeções de insulina por dia.

Bye-bye, injeção de insulina

Há duas versões da diabetes. No tipo 1, que corresponde a apenas 10% dos casos totais, é autoimune: ou seja, o próprio sistema imunológico do paciente ataca o pâncreas, que é responsável por produzir insulina. Como o órgão está danificado, não consegue mais produzir esse hormônio e os diabéticos precisam suplementar a insulina com injeções.

O tipo 2 não tem a ver necessariamente com a produção de insulina, mas sim com como o corpo reage a ela. A professora Priscilla Cukier, endocrinologista do grupo de diabetes do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), explica que as pessoas com tipo 2 começam tendo um aumento na secreção de insulina, mas há uma resistência à ação do hormônio. Em outras palavras, a insulina é produzida até demais, mas não faz efeito.

Depois de alguns anos, mais de 30% dos pacientes com esse tipo da doença passam a produzir níveis muito baixos de insulina, precisando de suplemento externo.

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Essa dificuldade de produzir a própria insulina, presente no diabetes tipo 1 e em alguns casos do tipo 2, pode ser tratada com o transplante de ilhotas do pâncreas – ou seja, colocar células saudáveis no corpo do paciente para que façam a função de fabricar o hormônio. O problema é que não há tantos doadores de órgãos para suprir a demanda. A doutora Cukier conta que, normalmente, são necessários “mais do que três pâncreas de cadáveres” para fazer só uma operação, o que torna essa opção inviável em grande escala.

O que aconteceu nesse novo teste de tratamento foi a implantação das próprias células-tronco do paciente, que foram diferenciadas como ilhotas, no interior do fígado dele. Células-tronco, vale lembrar, são aquelas coringas que podem se transformar em outras células do corpo e cumprir suas funções específicas.

O autotransplante aconteceu em julho de 2021, e ele foi monitorado por 116 semanas após a cirurgia. Onze semanas depois, ele já não precisava mais de insulina externa. Um ano depois, o paciente nem mais precisava de medicação oral para controlar os níveis de açúcar no sangue: a função das ilhotas foi efetivamente restaurada.

Por que, então, não estamos fazendo isso com todos os diabéticos? O tratamento funciona para todo mundo? A indústria farmacêutica está escondendo uma cura milagrosa?

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Conspiração ou solução?

A desconfiança com a indústria farmacêutica que foi vista nas redes sociais não é completamente sem base. Muitos dos internautas falando da “nova cura milagrosa” do diabetes tipo 2 eram dos Estados Unidos, onde um mísero frasco de insulina custa, em média, US$ 300 (R$ 1.610).

No Brasil, o suplemento do hormônio é mais barato, podendo ser comprado por cerca de R$ 80, mas ainda é um tratamento incômodo, que pelo menos é oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.

Mas a verdade é muito menos conspiratória. O tratamento com células-tronco de ilhotas ainda é só um piloto, um teste que precisa ser seguido por mais estudos na área. Os próprios cientistas escrevem isso na carta – que, aliás, também não é um estudo com revisão por pares, e sim um relato de teste clínico.

A doutora Cukier explica que este não é “um tratamento propriamente novo”, e que provavelmente foi realizado em um paciente que usa regularmente imunossupressores, já que ele teve um transplante renal em 2017. Imunossupressores são medicamentos que evitam a rejeição de órgãos transplantados, facilitando o tratamento com as ilhotas.

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Mesmo assim, na opinião da especialista da USP, os dados do estudo chinês fazem sentido, e a busca de um modo de produzir insulina a partir de células-tronco sem causar efeitos colaterais graves é importante para o campo de pesquisa da diabetes. Um dos riscos que ainda existem é que algumas das células transplantadas acabem sendo defeituosas e gerando tumores, por exemplo.

Um tratamento assim seria bom para pessoas com diabetes tipo 1, mas não funcionaria para todos os pacientes com tipo 2, só aqueles que já não secretam ou que secretam muito pouca insulina (que, como dissemos, corresponde a cerca de 30% do total).

Já temos cura?

No fim da carta, os autores escrevem que precisam ser realizados mais estudos com as ilhotas derivadas de células-tronco para entender em quais subtipos de diabetes isso pode funcionar e como. 

Com ciência, os milagres são raros. O conhecimento se constrói com muitas mãos e muitos estudos. Por isso, progresso científico demora, mas chega de modo confiável para ser utilizado pela sociedade.

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Ainda não dá para dizer com toda certeza que esse tratamento é uma cura definitiva – e não funcionaria para todos que têm diabetes. Mas algumas coisas já podem ser ditas. “Medidas como emagrecimento, atividade física e alimentação adequada podem controlar a glicemia em parte dos pacientes”, explica a doutora Cukier. Não tem cura milagrosa, mas já dá para fazer bastante coisa para tratar o diabetes.

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