O guitarrista gay do Nirvana que as biografias esqueceram
Big John Duncan entrou na banda como técnico de guitarra e chegou a se apresentar ao vivo com Kurt Cobain, Dave Grohl e Krist Novoselic
Todo mundo conhece Kurt Cobain, Dave Grohl e Krist Novoselic – a formação clássica do Nirvana, banda que revolucionou o rock no começo dos anos 90 e definiu uma geração. É bastante sabido que eles não foram os únicos integrantes, porém. Chad Channing, o baterista que Grohl substituiu, gravou o primeiro álbum do grupo, Bleach. Já Pat Smear, ex-Germs, fez parte do grupo em seus últimos 8 meses como segundo guitarrista.
No entanto, a história do Nirvana possui diversos pequenos nomes que participaram da banda de alguma forma por uma vez ou outra. Entre essas pessoas está Big John Duncan, guitarrista escocês e, possivelmente, o único membro gay da maior banda grunge de todos os tempos.
Big John passou pouco tempo com a banda e sua participação quase nunca é lembrada. Biografias como a extensa Nirvana: The Biography, de Everett True, passam rapidamente por seu nome. O documentário Montage of Heck, que saiu em 2015, não o menciona.
Essa história começa nos anos 80 em Edimburgo, Escócia, com a explosão do punk. Embora o punk tivesse nascido nos EUA, ele havia viajado para o outro lado do Atlântico e encontrado no Reino Unido diversos adolescentes com instrumentos prontos para iniciar seu ataque. Em Edimburgo, o estilo ganhou contornos mais pesados com o hardcore punk, que se diferenciava das cenas de Londres e Manchester, de onde vinham bandas como Sex Pistols, The Clash e The Jam.
Uma das primeiras bandas de hardcore punk da Escócia (e provavelmente do mundo) foi o The Exploited, que se formou em 1979. O grupo teve diversas formações (sempre com seu simbólico frontman Wattie Buchan nos vocais) e, entre 1980 e 1983, contou com o guitarrista local big John Duncan.
Um homem corpulento, adepto de jaquetas escuras com tachinhas, coletes de jeans rasgados, coturnos e seu tradicional moicano descolorido, Big John era uma presença imponente. Ele havia se tornado fá de rock na infância, ouvindo discos de blues debaixo das cobertas, escondido de seus pais. Sua irmã dizia que era “música do diabo”. Isso o fazia querer ouvir mais.
No Exploited, Big John tocou e ajudou a compor as músicas dos álbuns clássicos Punks Not Dead (1981) e Troops of Tomorrow (1982). No entanto, cansado de discutir com Wattie e acreditando que a banda estava “se despedaçando” perante seus olhos, ele preferiu sair e seguir outros caminhos. Por muitos anos, existiu o rumor de que ele havia sido expulso da banda por causa de ser gay. O próprio Big John desmentiu esse boato numa entrevista este ano.
Ser gay, aliás, nunca foi algo que Big John escondeu. Embora a homossexualidade fosse crime no Reino Unido até 1967 e na Escócia até 1980 (o guitarrista nasceu em 1957) e muita gente ainda fosse extremamente preconceituosa, ele nunca escondeu dos colegas e amigos quem realmente era. Isso não impediu, porém, que namorasse também mulheres na década de 80.
Após deixar o Exploited, Big John tocou em bandas menores e formou o Blood Uncles com dois amigos, banda que durou pouco tempo. Por volta de 1988, ele foi convidado a participar de sessões com uma banda escocesa que começava a despontar ao estrelato, o Goodbye Mr. Mackenzie.
Com influências de Bowie, Iggy Pop e pós-punk, os Mackenzies tinham um som mais sofisticado do que os grupos anteriores de Big John, embora ainda fizessem, essencialmente, música pop. O compositor e vocalista era Martin Metcalfe, mas a integrante mais popular dessa banda foi a tecladista e backing vocal Shirley Manson, que depois formou o Garbage com três músicos norte-americanos, incluindo Butch Vig, produtor de Nevermind.
Os Mackenzies lançaram vários singles com recepção variada até colocarem nas ruas seu primeiro álbum, Good Deeds And Dirty Rags em 1989. Desse disco saiu o que é provavelmente seu maior hit, “The Rattler”. Em 1991 saiu o segundo álbum, Hammer And Tongs. Em 1992, a banda estava trabalhando em um projeto paralelo – o Angelfish, com Shirley cantando – do qual Big John não gostava muito. Ele então recebeu uma ligação de seu amigo Alex McLeod, então tour manager do Nirvana, oferecendo-lhe um emprego como técnico de guitarra do grupo. Precisando de um intervalo do GMM, ele topou.
O Nirvana havia lançado o Nevermind em 1991 e agora desfrutava de sucesso mundial. Mas Kurt Cobain, avesso ao estardalhaço da mídia, se via cada vez mais disperso. Por isso, logo após Big John se juntar à banda, ele começou a procurar por um segundo guitarrista para auxiliá-lo nos shows. No dia 23 de julho de 1993, Big John finalmente ganhou sua grande chance e subiu ao palco do Roseland Ballroom, em Nova York, para tocar com o grupo para 4 mil pessoas.
Sobre esse show, Dave Grohl declarou à revista Kerrang na época: “É meio que um experimento. Nós vamos colocar nosso roadie para tocar algumas músicas, sem compromisso. Kurt disse que queria pegar algumas músicas e dar mais corpo a elas, ver como funciona”.
Embora tenha tocado ao vivo seis músicas, Big John também trabalhou como técnico na apresentação, ficando responsável pelos instrumentos de Kurt e Krist. Momentos antes de entrar no palco, inclusive, ele estava afinando um dos baixos de Krist e, por estar com fones, perdeu sua entrada na primeira música. Assim que entrou, ele vestiu a guitarra Mosrite azul (pertencente a Kurt), pisou no pedal de distorção e fez história.
Para Big John, o concerto do Roseland Ballroom foi “obviamente inesquecível. Eu estava no palco com o Nirvana, porra! Eu estava furioso! Mas nunca houve qualquer intenção de que eu entrasse na banda em tempo integral. Para ser honesto, eu não gosto de tocar músicas de outras pessoas, eu prefiro fazer minhas próprias coisas.”
Big John tocou em quatro músicas, todas do recém-lançado In Utero: “Aneurysm”, “Very Ape”, “Drain You” e “Tourette’s”. Ao final de “Very Ape”, Krist brinca ao microfone: “Big John, senhoras e senhores. Ele foi o ganhador de uma promoção no rádio. Se você fizesse um texto de 500 palavras dizendo o que o grunge significa para você, você poderia tocar com o Nirvana”.
Os vídeos abaixo são registros em áudio dessa performance:
Big John continuou como técnico de guitarra para o Nirvana por alguns meses. Durante esse tempo, ele ainda tocou em alguns soundchecks e também há registros disso no YouTube. Ele saiu em algum momento entre o final de 1993 e o começo de 1994 e voltou para Edimburgo, onde retomou o trabalho com o Goodbye Mr. Mackenzie.
Os Mackenzies, porém, viviam uma fase ruim, com seu último álbum, Five (1994) recebendo reviews negativos. Shirley Manson deixou a banda para formar o Garbage em 8 de abril de 1994 (por coincidência, dia em que foi anunciada a morte de Cobain) e Big John seguiu os mesmos passos pouco tempo depois. Já sem os dois, a banda fez seu último show em 1995 e acabou em 1996.
Big John trabalhou como roadie para outras bandas e mudou-se para Amsterdã em 1999, após ir pra lá ajudar um amigo a montar um estúdio de tatuagem e se apaixonar pelo país. Lá, além de lidar com música, chegou a trabalhar na casa noturna Melkweg em diversas funções. Em 2012, o Garbage tocou por lá e Shirley Manson dedicou a música “Queer” a Big John, dizendo: “Queria dar um alô para o meu amigo John Duncan, mais conhecido como Big John. Ele me ensinou tudo sobre ser uma musicista dedicada, sobre sentir paixão e sobre sempre me divertir. Eu te amo, John Duncan, você é muito especial para mim”.
Hoje, Big John segue morando em Amsterdã com seu parceiro, que conheceu em meados dos anos 90. Ele completará 60 anos de idade em julho.