Como funciona o AK-47?
Conheça a arma mais importante do século 20
Edição Tiago Jokura e Felipe van Deursen
De um jeito simples e engenhoso, desenvolvido durante anos pelo russo Mikhail Kalashnikov na década de 40. Muito barato e resistente a frio, calor, água e areia, o fuzil se tornou a arma mais difundida do mundo, com 80 a 100 milhões de unidades espalhadas em conflitos em todos os continentes. Acabou virando um ícone sinistro do século 20. Samuel L. Jackson o idolatra em Jackie Brown, de Quentin Tarantino. O ex-ditador do Iraque Saddam Hussein estava com dois deles quando foi preso, em 2003. Anos antes, ordenou a construção de uma mesquita com quatro minaretes em forma de Tabuk, a versão iraquiana do AK. Fotos e vídeos de Osama bin Laden o mostravam empunhando o fuzil, reconhecível pelo formato do pente.
Direto e reto
O Avtomat Kalashnikova foi lançado em 1947 – daí o nome AK-47
1. São três modos de disparo: travado, semiautomático (um tiro por vez) e automático (600 tiros por minuto). É só usar esta alavanca acima do gatilho
2. Quando a arma é carregada, o ferrolho rotativo avança, empurrando o cartucho ao mesmo tempo que gira em seu próprio eixo. Isso facilita o movimento de entrada do cartucho, que se posiciona na culatra
3. Ao apertar o gatilho, o cão da arma bate no percursor, que estoura o explosivo do cartucho. Os gases gerados expulsam a bala pelo cano a mais de 2,5 mil km/h
4. Enquanto a bala percorre o cano, os gases da explosão da pólvora não têm por onde escapar (já que o cartucho tapa uma ponta e o projétil a outra). Quando a bala está prestes a sair, uma abertura direciona parte dos gases a um tubo paralelo
5. Os gases pressionam um êmbolo, que empurra uma haste e desloca o suporte do ferrolho para trás. O ferrolho recua, arma o cão para o próximo disparo e abre a culatra, que cospe o cartucho usado. Isso libera espaço para um novo cartucho entrar na câmara, graças à mola do carregador, que empurra a munição para cima
6. O movimento do ferrolho é freado por uma mola que o devolve à posição inicial e empurra o novo cartucho para a culatra
Peso – 4,3 kg (carregada)
Tamanho – 87 cm de comprimento
Velocidade da bala – 700 m/s aproximadamente
Alcance – 300 m (efetivo)
Pente – 30 cartuchos
Cartucho – calibre 7,62 x 39 mm
O segredo do sucesso
Quatro inovações que consagraram o fuzil
Mais espaço
Armas desse tipo tendem a emperrar quando há neve, lama ou água envolvida. O AK-47 sofre menos com o problema, porque tem mais espaço entre as peças. Além disso, a sujeira não se acumula. É expelida no processo de disparo
Giro parafuso
O ferrolho comum empurra o cartucho à culatra. O AK usa ferrolho rotativo, que, além do movimento normal, gira em seu eixo. Isso ajuda a entrada do cartucho e diminui as chances de emperrar
Munição mais leve
Enquanto os fuzis de sua época usavam munições pesadas, o AK apostou em uma intermediária, com coice mais tranquilo. Isso democratizou seu uso, já que os menos experientes aguentavam o tranco sem perder a precisão
Formato de banana
O famoso pente curvo tem uma razão de ser. As balas são mais finas na ponta, então, ao colocar os cartuchos uns sobre os outros, eles se agrupam naturalmente na forma icônica de banana
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A arma que democratizou a guerra
Da Venezuela ao Vietnã, do Afeganistão ao Zimbábue, o AK-47 influenciou todos os conflitos pós-2ª Guerra
1947
LANÇAMENTO
O russo Mikhail Kalashnikov, veterano da 2ª Guerra, consegue a aprovação da fabricação em larga escala de seu fuzil, que levou anos de trabalho de desenvolvimento. Inspirado no pioneiro MP40, o AK-47 passa por cerca de 100 modificações até 1949
1956-1964
ÍCONE SOCIALISTA
No contexto da Guerra Fria, a União Soviética autoriza que outros países socialistas fabriquem o fuzil. Assim, Bulgária, Alemanha Oriental, Hungria, China e Polônia passam a produzir o AK
1955-1975
GUERRA DO VIETNÃ
Com a entrada dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, pela primeira vez o AK, usado pelo Vietnã do Norte, estava frente a frente com o norte-americano M-16, seu principal adversário. A arma dos EUA levou um pau, pois emperrava com umidade e sujeira. Por outro lado, AKs que ficaram enterrados por anos depois da guerra funcionaram (e bem) quando foram desencavadas
1974
INOVAÇÃO
Surge uma nova versão, o AK-74, com um terço a menos do coice do AK-47. O cabo e a coronha, antes de madeira, passam a ser de polímero, o que o deixou mais leve (3,4 kg). As balas diminuem (5,45 x 39 mm), mas ficam mais letais, fragmentando-se dentro do corpo
1979-1989
GUERRA DO AFEGANISTÃO
Pela primeira vez o AK é usado contra os soviéticos. Em plena Guerra Fria, os mujahedins (“guerreiros sagrados”) do Afeganistão procuraram a assistência dos EUA. Assustados com o alto poder de destruição do AK-74, eles reivindicam armas iguais ao governo norte-americano, que passa a comprá-las, principalmente na China
1989
MERCADO DE ARMAS
Milhares de AKs alimentam a guerra civil que se alastra no Afeganistão. Nos anos seguintes, o fuzil se espalha por países vizinhos, criando rotas de armas que duram até hoje. Nesse momento, era possível comprar versões fabricadas artesanalmente em países do Oriente Médio. O modelo soviético custava em média US$ 1.400, o chinês US$ 1.150 e o artesanal, bem mais barato, US$ 400
Fim dos anos 90
ÁFRICA EM FÚRIA
Devido ao baixo custo e à alta confiabilidade, o AK se espalha pela África. Estima-se que de 1990 até os anos 2000, o continente tenha enfrentado mais de 100 conflitos armados. Nessa época, um AK poderia ser comprado por míseros US$ 10
1993
PAZ EM MOÇAMBIQUE
Após o fim da guerra civil, há entre 5 e 10 milhões de armas no país, a maioria AKs. Seu impacto cultural é tão grande que vai para a bandeira moçambicana (além disso, está no brasão de armas do Zimbábue)
Começo dos anos 90
GUERRA ÀS DROGAS
O tráfico internacional cresce vertiginosamente. O arsenal que sobra com o fim das guerras civis de independência da América Central e o colapso da URSS se desloca para grupos guerrilheiros e cartéis de drogas na América Latina.. Devido à resistência em qualquer tipo de situação e ambiente, o AK é perfeito para grupos localizados na úmida Floresta Amazônica
2005
PACOTE VENEZUELANO
Hugo Chávez, presidente da Venezuela, encomenda 100 mil AKs. Anos antes, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) haviam comprado modelos com problema de reabastecimento na América Latina. Por causa disso, Chávez é acusado de querer municiar as Farc
Fonte: Livro AK-47 – A Arma Que Transformou a Guerra, de Larry Kahaner