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O Projeto Tietê e o sonho da despoluição

O maior projeto de despoluição do falecido rio que corta a capital paulista é colocado em prática, com a promessa de que a vida voltará às águas. Mesmo que tudo dê certo, o Tietê na região metropolitana ainda será um rio agonizante.

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Atualizado em 31 out 2016, 19h07 - Publicado em 31 Maio 1993, 22h00

Por Fátima Cardoso, com Paulo D`Amaro e Paula Cleto, com Gisela Heymann, de Paris

É uma água nojenta, escura e malcheirosa. Dejetos em estado bruto de uma população de 17 milhões de pessoas escorrem pelos canos das casas, pas-seiam pelos córregos e são jogados nas águas do Tietê, ao alcance dos olhos e do nariz dessas mesmas pessoas. Todos os dias misturam-se ao rio 800 toneladas de esgoto doméstico, 300 toneladas de esgotos de origem industrial e mais 3 toneladas de material inorgânico, o caldo impregnado de produtos químicos mandado ao ralo pelas indústrias. Quase a metade do líquido que corre nesse leito é sujeira pura. Ao atravessar a região metropolitana de São Paulo, o Rio Tietê abriga uma variedade imensa de porcarias. Tem tudo. Menos vida.

Como alguém que atira o lixo pela janela e cria um monturo em seu próprio quintal — assim a gente que vive em volta do Tietê lida com o rio. Enquanto a sujeira era pouca, ele dava conta de se limpar. A partir da década de 50, as águas não suportaram mais a carga pesada de esgotos e restos industriais de uma cidade que já acumulava mais de 2 milhões de habitantes, e foi decretada a morte do rio por falta de oxigênio. Fazê-lo reviver é o desafio do Projeto Tietê, um gigantesco conjunto de obras a serem executadas em cinco anos, ao custo de 2,6 bilhões de dólares.

Promessa do projeto: “A recuperação do Rio Tietê e o retorno da vida ao rio paulista nos próximos cinco anos são fatos irreversíveis”. Apresentado pelo Governo do Estado de São Paulo no ano passado, em meio ao furor ambientalista da Rio 92, ele será exe-cutado em duas fases. Na primeira, até dezembro de 1994, serão construídas:

— duas estações de tratamento de esgotos novinhas em folha, além da conclusão de uma terceira já em obras e a ampliação de uma quarta (serão cinco ao todo);

— 1 500 quilômetros de redes de coleta de esgoto doméstico, para atender 250 000 novas ligações domiciliares (a rede hoje é de 13 500 quilômetros, com 1,5 milhão de ligações);

— 315 quilômetros de coletores-tronco (para levar o esgoto da coleta doméstica até os interceptores);

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— 37 quilômetros de interceptores (canos com 2,80 metros de diâmetro ao longo dos rios que levam os esgotos até as estações de tratamento). Todas essas obras serão tocadas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). O custo de 900 milhões de dólares será dividido entre o governo do Estado e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cada um pagando metade da conta.

Enquanto isso, as 1 250 indústrias responsáveis por 90% da poluição industrial farão seu próprio tratamento dos efluentes, livrando o rio da sopa de metais que recebe hoje. Esse trabalho, supervisionado pela Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb) começou há dois anos, e já apresenta os primeiros resultados: 424 indústrias já construíram suas próprias estações de tratamento dos efluentes, o que diminuiu a poluição industrial em 25%. Até o final de 1994, estima-se que todas as 1 250, a maio-ria na área de metalurgia, química e alimentação, já tratem seus dejetos inorgânicos.

Na segunda fase do Projeto Tietê, até 1997, a capacidade das estações de tratamento será ampliada. Hoje na Grande São Paulo somente 63% da população é atendida pela rede de esgotos. Da sujeira coletada, só 19% é tratada antes de ganhar o leito do Tietê (isso significa que apenas 13% do volume total de esgotos produzido na região recebe tratamento). As duas estações de tratamento que funcionam hoje, Barueri e Suzano, operam com metade da capacidade, porque foram inauguradas antes que os coletores necessários para levar os esgotos até elas fossem construídos. Daqui a quatro anos, prevê-se que 80% da população terá rede de coleta de esgoto na porta de casa, e a porcentagem de tratamento subirá para 75%.

Será concreto para todo lado. “O projeto vai abrir 150 frentes de trabalho, gerar 100 000 empregos e transformar a cidade num canteiro de obras”, diz José Fernando Boucinhas, secretário estadual de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras e coordenador geral do Grupo Executivo da Comissão Especial para o Programa de Despoluição do Rio Tietê. Se o nome é quilométrico, a ambição é maior ainda. A Comissão Especial tem como presidente o governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho — que fez da despoluição do Tietê uma bandeira de governo —, e reúne sete secretarias estaduais. O Grupo Executivo é a união das três empresas estatais responsáveis por água e saneamento básico (Sabesp e Departamento de Águas e Energia Elétrica) e controle ambiental (Cetesb). Cada empresa, na verdade, tinha seu próprio projeto de obras, a serem executadas sabia-se lá quando e com que dinheiro. O Projeto Tietê é exatamente a reunião de todos os projetos na mesma pasta, o que facilita muito na hora de pedir financiamento a bancos internacionais e garante que todos serão tocados ao mesmo tempo.

Por trás da propaganda de despoluição do rio, uma causa nobre e comovente, percebe-se no entanto que to-das as empresas estão fazendo justamente o que deveriam fazer — saneamento básico e controle de poluição. Para isso, precisaram do empurrão de 2 milhões de paulistanos que resolveram não mais tropeçar nos próprios dejetos. É que há dois anos a Rádio Nova Eldorado AM e a Fundação S.O.S. Mata Atlântica criaram o Núcleo União Pró-Tietê, uma campanha divulgada por rádio, jornais e eventos que angariou 2 milhões de assinaturas pedindo a despoluição do rio. “A idéia do Projeto Tietê surgiu do próprio governador Fleury, que sensibilizou-se com os movimentos ambientalistas e aproveitou o momento favorável da Rio 92 para pedir ajuda aos órgãos financiadores internacionais”, conta o secretário Jo-sé Fernando Boucinhas.

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Se der certo, o Projeto Tietê pode ser o fim de uma novela de mau gosto que já dura quarenta anos, cujo enredo é o saneamento básico da maior cidade brasileira. Quando o Rio Tietê morreu, na década de 50, começaram a surgir remédios milagrosos para ressuscitá-lo, mas nada foi além das palavras vãs. Na década de 50, foi adotado um plano elaborado pela empresa americana Hazen & Sawyer, que previa uma estação de tratamento às margens da represa Billings, na zona sul de São Paulo, e mais três pequenas estações. Nunca saiu do papel. Depois veio o Convênio Hibrace, uma união de três empresas que começaram a colocar em prática outro plano elaborado por uma consultoria americana, chamada Greeley e Hansen. Os americanos erraram feio na previsão do crescimento populacional, calculando que no ano 2000 a cidade de São Paulo teria 5 milhões de habitantes (hoje são quase 10 milhões).

Mesmo assim, chegaram a ser construídas duas estações de tratamento primário dos esgotos, Vila Leopoldina e Pinheiros, que existem até hoje. O projeto genial seguinte apareceu na década de 70, com o nome de Solução Integrada. A idéia era canalizar todo o esgoto para coletores às margens dos rios e jogar a sujeira numa enorme lagoa de estabilização num vale da Serra da Cantareira, que margeia as zonas norte e oeste da cidade. Seria literalmente uma represa podre. Também não saiu do papel. Em seguida veio o Projeto Sanegran, que aproveitava a idéia dos coletores ao longo dos rios, com a diferença de que o esgoto seria levado a três estações de tratamento — Suzano, Barueri e ABC. Chamado de faraônico na época, já que previa uma estação gigantesca como Barueri (que teria capacidade para tratar 60 metros cúbicos por segundo), esse projeto do final dos anos 70 arrastou-se por mais de uma década, amarrado ora por ações populares na Justiça, movida por vereadores paulistanos que eram contra, ora pela falta de verbas.

Enquanto se discutia, a quantidade de esgoto jogada ao rio não parava de crescer. O atual capítulo dessa novela, o Projeto Tietê, é o Sanegran revisado, com cinco estações de tratamento em lugar das três originais, e bem mais modestas — Barueri terá capacidade total de 9,5 m3/s. Se tudo der certo, e a quantidade de esgotos tratados em São Paulo subir de 13% para 75%, essa novela malcheirosa pelo menos terá saído do lugar. Será um progresso notável se o Tietê for livrado de três quartos da carga poluidora que hoje cai sobre ele. Daí a dizer que estará limpo e com vida, porém, é outra história.

A matemática oficial garante que o rio viverá outra vez. Vejamos as contas: são lançados hoje no Tietê 42 metros cúbicos por segundo. Apenas 13% é tratado (cerca de 5 m3/s); sobram quase 37 m3/s de sujeira pura nas águas do rio. Terminada a segunda fase da obra, serão tratados 75%, sobrando no mínimo 10 m3/s jogados no rio em estado bruto. São 200 toneladas diárias de esgoto purinho, plenamente podre, no leito do Tietê. Rubens Monteiro de Abreu, engenheiro da equipe do Projeto, espe-cialista em despoluição, atesta: “Com 70% do esgoto tratado, o rio deve mudar de aspecto. A cor preta dará lugar a um tom avermelhado e o mau cheiro deve sumir, permitindo a navegação na zona metropolitana”.

Os modelos matemáticos feitos pelo engenheiro levam à conclusão de que o nível de oxigenação será cerca de 2 miligramas de oxigênio por litro de água, na época das chuvas de verão. No inverno, porém, em condições de estiagem, ele admite que a oxigenação pode cair a zero e o mau cheiro volta, devido à presença dos microorganismos anaeróbios. Peixinhos corajosos e azarados, que por acaso estiverem passeando por São Paulo nessas ocasiões, deverão morrer por falta de oxigênio.

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Segundo a matemática não-oficial, os ingênuos peixinhos não correm esse risco, simplesmente porque daqui a cinco anos não vai haver nem peixe nem bicho nenhum nas ainda fétidas águas do Tietê. “Deixar 20% do esgoto doméstico caindo em estado bruto seria como voltar à situação da década de 50”, calcula o biólogo Samuel Murgel Branco, ex-diretor de pesquisa da Cetesb, que trabalha com o Tietê desde 1956. “Nessa época, o rio já estava bem ruim”, lembra. “Não havia mais peixe nem oxigênio no trecho que atravessa São Paulo.”

Nem mesmo quem pediu a despoluição do rio acredita que ele voltará a viver em cinco anos. “O fato de ainda cair 20% do esgoto doméstico no rio é suficiente para matá-lo”, garante Mário Mantovani, presidente da Fundação S.O.S. Mata Atlântica, a entidade que organizou o Núcleo União Pró-Tietê. Então por que não se trata de uma vez todo o esgoto da região metropolitana? “Os 20% de residências que ficarão fora da rede de coleta estão nas áreas periféricas, com dificuldade de interligação às redes”, justifica o secretário José Fernando Boucinhas.

Mesmo que o rio continue morto, não significa que o Projeto Tietê deva ser condenado por isso. “É uma providência necessária, mas é apenas uma das partes de um processo maior e mais abrangente”, avalia Mário Mantovani. As outras partes do processo são responsabilidade tanto do governo quanto da sociedade. “É preciso que se determine uma lei de uso de solo tanto na capital quanto no interior, para impedir o assoreamento do rio, além de promover educação ambiental para que as pessoas parem de jogar lixo, pneus e móveis lá dentro”, diz Mantovani.

O assoreamento do rio — ou o acúmulo de lixo e lodo no fundo — é um capítulo especial na novela do Tietê. A única obra que nunca parou de ser feita foi o desassoreamento, com escavadeiras tirando lama do fundo e fazendo montanhas com ela nas margens, retiradas por caminhões. Eram 200 caminhões por dia, totalizando 25 000 viagens de transporte de lama por mês. O prejuízo ao trânsito das pistas de alta velocidade das marginais era comum, além do espetáculo deprimente dos montes de lodo emporcalhado às margens do rio. Uma das obras complementares do Projeto Tietê, já iniciada, veio pôr fim a esse transtorno. É a DLD, ou dragagem de longa distância, já apelidada de lododuto.

Nesse sistema, escavadeiras hidráulicas, instaladas sobre flutuantes dentro do rio, retiram o lodo e o lixo do fundo do leito, depositando-os sobre batelões. O lixo fica preso em peneiras e depois é transportado por caminhões. No trecho até a barragem da Penha, na zona leste da cidade, a terra e a areia retiradas vão por um tubo de aço de 5 quilômetros de extensão até áreas de deposição na própria zona leste. No outro trecho do rio, da Penha até a zona oeste, próximo à barragem Edgar de Souza, o processo é parecido, só que o lodo retirado do fundo viaja em barcaças até as proximidades do Rio Pinheiros, ao lado do qual passa uma estrada de ferro. O lodo é transportado por um tubo de 1 quilômetro de extensão até tanques de sedimentação, para depois ser transportado por trem até Carapicuíba, a oeste da cidade.

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O desassoreamento não tem fim. “É como tirar o pó dos móveis de uma casa”, compara o secretário Boucinhas. Devido à impermeabilização do solo na cidade, caem no rio todos os anos 2 milhões de metros cúbicos de terra e outros resíduos, além do lixo que o povo joga sem dó nem piedade. Para Mário Mantovani, esse é um problema gravíssimo. “É absolutamente necessário que se determine uma lei de uso do solo tanto na capital quanto no interior, para impedir o assoreamento do rio”, decreta. “É preciso também promover educação ambiental para que o cidadão pare de jogar lixo, pneu, móveis, a sogra dentro do Tietê.”

Por enquanto, tudo indica que as dragas vão passar a vida varrendo o fundo do rio. Se não o fizerem, o risco de enchentes aumenta, e a capacidade de autolimpeza do rio, que já é pouca, diminui ainda mais. Pelo menos o novo método, importado da Holanda, libera as margens do Tietê para empregos bem mais agradáveis, como o plantio de árvores e grama, que está sendo executado pelo DAEE. Esse trabalho começou há dois meses, e a diferença é visível — ainda que a graminha arrumadinha faça um contraste absurdo com a água horrorosamente nojenta.

Um banho de doenças

A água do Tietê não é poluída de forma homogênea ao longo do rio. Dependendo do trecho, pode haver concentração maior de metal, de matéria orgânica (que agrega bactérias patogênicas) ou mesmo de venenos. “Você pode escolher do que quer morrer se cair no Tietê”, ironiza o biólogo José Luiz Negrão Mucci, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. O perigo de morte, porém, não é grande. A única certeza é que ninguém passa incólume a um mergulho nas águas fétidas. Pelo menos uma dermatite se leva de lembrança.

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O perigo mais imediato é o dos pesticidas, trazidos para o leito do rio por chuvas sobre plantações às suas margens. Tais venenos podem matar em questão de minutos. Para sorte dos banhistas acidentais, eles não são quantitativamente tão perigosos na região metropolitana. Já os metais — com exceção do ferro — causam complicações hepáticas, caso a pessoa engula água. E se tiver o azar de ingeri-la num trecho próximo a uma grande descarga de efluente industrial com metais, pode ter distúrbios no sistema nervoso central, como perda de coordenação motora, disfunções cerebrais, e até perda de dentes. A poluição orgânica vinda dos esgotos, por sua vez, é adorada pelos vírus da poliomielite e da hepatite. Agrega também bactérias causadoras de febre tifóide, salmonelose e disenterias em geral.

Águas turvas em Paris e Londres

Promessas não cumpridas não são privilégio de políticos brasileiros. Em 1990, o prefeito de Paris, Jacques Chirac, afirmou que em dois anos o Rio Sena estaria tão limpo que os citadinos poderiam nele se banhar. Como prova, o próprio Chirac daria boas braçadas, em pleno centro da capital francesa. Hoje, o Sena é considerado como um dos rios mais sujos da Europa Ocidental. Suas estações de tratamento só têm capacidade para reciclar 70% da água dos esgotos e quando há fortes chuvas, como em junho de 92, os poucos peixes que sobrevivem bravamente à poluição ficam sem oxigênio por causa da enxurrada de produtos orgânicos derramada nas margens da região parisiense. “Temos algumas das maiores estações de tratamento de águas do mundo, com uma capacidade total de 2,4 milhões de metros cúbicos por dia”, afirma Phillippe Lohest, responsável por Medidas de Qualidade das Águas Superficiais da Agência de Águas Seine Normandie. “O problema é que a capital é muito populosa, precisamos de mais uma estação”, completa. Ao que parece, o prefeito de Paris não está nem prestes a vestir seu calção. Segundo a organização ecologista Greenpeace, a poluição bacteriana do Sena é 100 vezes superior ao li-mite tolerável pelos banhistas.

Do outro lado do Canal da Mancha, os londrinos não manifestam a menor intenção de mergulhar no Tâmisa. No entanto, desenvolveram um eficiente sistema para aumentar seu nível de oxigênio — desde 1987, Bubbler, um barco de 50 metros de comprimento, injeta no rio 30 toneladas diárias desse gás, produzidas a partir do ar atmosférico. Após ser separado dos outros gases que compõem o ar por meio de um absorvente químico chamado zeolito, o oxigênio é dissolvido na água. Em seis anos de utilização, 100 espécies de peixes já foram contabilizadas nos 15 quilômetros do Tâmisa que cortam a capital inglesa, antes considerados totalmente sem vida. Entre elas, 200 salmões. O Bubbler custou ao governo inglês 6 milhões de dólares, cerca de 30 vezes menos do que uma nova estação capaz de tratar os esgotos parisienses.

Galeria de palavras vãs

•O ministro das Minas e Energia Shigeaki Ueki prometia “fazer uma pescaria no Tietê até o fim do governo Geisel”. Revista Veja, 21/7/76

•O secretário de Obras e Meio Ambiente, Walter Coronado Antunes, garantiu que dentro de doze anos o Tietê estará completamente despoluído e que todos os prazos de conclusão das obras do Sanegran serão antecipados. “Em doze anos teremos três rios limpos — o Tietê, o Tamanduateí e o Pinheiros, sendo que o Tietê estará completamente despoluído.” O Estado de S. Paulo, 1/10/81

•As enchentes de São Paulo vão terminar dentro de dois anos. Foi o que prometeu, ontem, o secretário estadual de Saneamento e Energia, João Oswaldo Leiva, durante o fechamento das comportas da barragem móvel do Tietê, que possibilitará a execução de obras para aprofundar em 2,5 metros o leito do rio (…). Jornal da Tarde, 11/5/89

•Das 1 296 toneladas despejadas no rio em 1990, apenas 260 continuariam sendo jogadas no Tietê (a partir de 1995). A cor escura de suas águas —provocada pelo esgoto — cederia lugar a uma tonalidade avermelhada. Os primeiros peixes começariam a aparecer, o mau cheiro desapareceria e o rio poderia ser utilizado como mais um manancial de abastecimento da cidade e também para lazer. O Estado de S. Paulo, 21/10/90

O jogo do limpa e suja

Os vilões que matam o rio são os mesmos que podem salvá-lo: os microorganismos aeróbios, sobretudo as bactérias. “Eles existem em qualquer curso de água, mesmo nos mais limpos”, conta o engenheiro Rubens Monteiro de Abreu, especialista em despoluição do Projeto Tietê. Normalmente, os microorganismos aeróbios convivem em harmonia com os peixes e outros organismos vivos. Mas os seres microscópicos viram problema se forem superalimentados. “Isso acontece quando milhares de toneladas de esgotos de São Paulo são despejados no Tietê”, diz Abreu. Com muita comida à disposição, as bactérias se reproduzem num ritmo descontrolado e passam a consumir cada vez mais o oxigênio dissolvido na água. O gás vital começa a faltar, tornando impossível a sobrevivência dos peixes e outros animais.

Nos lugares onde a poluição é exagerada, como no Tietê, as bactérias aeróbias tornam-se uma ameaça a si próprias. Sua explosão populacional chega a tal ponto que começa a faltar oxigênio para elas mesmas. Então proliferam os micróbios anaeróbios, que dispensam o oxigênio para viver. São eles que causam o mau cheiro característico dos rios sujos, graças aos subprodutos de sua digestão: os gases metano e sulfídrico, além de ácidos voláteis, todos eles poluentes. Eles escapam da água e vão direto para o nariz dos passantes. É o sinal de que o rio está morto.

A grande ironia de toda essa história é que os próprios microorganismos aeróbios servem para salvar o rio da poluição. Isso ocorre nas estações de tratamento de esgotos (ETEs). Em vez de ser simplesmente jogada ao rio, a enxurrada de dejetos é enviada para essas estações. Antes de mais nada, ela sofre um tratamento primário, para a retirada do lixo inorgânico. Semelhante ao tratamento feito pelas indústrias, essa limpeza inicial se baseia em processos físicos, como filtração ou decantação, que retiram da água os sólidos e metais pesados.

Vem então a parte mais importante: tirar da água os poluentes orgânicos, resultantes principalmente do esgoto doméstico. O líquido é despejado em grandes tanques sobre o lodo ativado (um tipo de lama propositadamente infestada de microorganismos). Como ninguém vai nadar ou pescar nesses tanques, as bactérias não representam perigo. Pelo contrário, é bom mesmo que se multipliquem e façam do esgoto o prato principal de um farto banquete. Para garantir que elas não morram por falta de oxigênio, instalam-se aeradores nos tanques. São equipamentos semelhantes a um enorme liquidificador, que fazem uma espécie de milk-shake com o esgoto, misturando-o com o ar. Em alguns casos, injeta-se também oxigênio puro diretamente na água, por meio de grandes tubulações submersas.

Com oxigênio de sobra, os microorganismos aeróbios multiplicam-se extraordinariamente e devoram com voracidade o lixo orgânico. A cada período de três horas, em média, a massa de bactérias bem alimentadas acaba formando flocos, que vão para o fundo dos tanques de decantação. Enquanto isso, a água de superfície é devolvida ao rio, com menos de 10% da poluição inicial.

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