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E Se… Todos os veículos fossem elétricos?

Seria a glória para o seu sistema cardiovascular, mas o Brasil precisaria de outra Itaipu.

Por Fábio Marton
Atualizado em 23 jul 2019, 18h57 - Publicado em 23 jul 2019, 18h46

Você ira parar de fumar. Sim: um estudo publicado pela USP em 2019 mostrou que cada hora no trânsito de São Paulo causa um dano equivalente ao de fumar cinco cigarros, pelo menos no que se refere à quantidade de partículas de carbono acumulada nos pulmões.

Por essas que em São Paulo, a capital mais poluída do País, doenças respiratórias são a principal causa de internação de crianças, e a segunda para idosos. Também estaríamos bem melhores em matéria de poluição sonora – que produz sintomas relacionados a estresse, como hipertensão e insônia. Veículos elétricos, afinal, produzem tanto ruído quanto uma bicicleta. 

Mas aqui a gente cai no primeiro entrave: se o setor de cardiopneumologia ficaria menos movimentado, o de ortopedia ficaria mais. As pessoas também se guiam pelo ruído para saber se um veículo está se aproximando. E não poder ouvir um monstro de metal de duas toneladas pode ser algo particularmente perigoso. Tão perigoso, principalmente para cegos, que já existem leis determinando que carros elétricos não podem ser completamente silenciosos. Desde julho de 2019, todos os carros elétricos novos vendidos na Europa precisam vir de fábrica com um aparelho que imita o som de um motor a combustão interna quando o carro estiver a menos de 19 km/h – ou seja, o bastante para evitar acidentes em saídas de garagem, faixas de pedestre e estacionamentos de shopping.

Se do ponto de vista da poluição, sonora e aérea, uma realidade só com carros elétricos seria a panaceia das grandes cidades, não dá para dizer o mesmo do ponto de vista da distribuição de energia elétrica. O Brasil tem quase 70 milhões de veículos com motor a combustão interna (entre carros, ônibus, motos e caminhões). Mais de 15 milhões desses estão nas cidades de São Paulo e do Rio.   

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Já existe tecnologia para eletrificar qualquer tipo de veículo, até caminhões. E os preços têm baixado com o passar dos anos. Se toda a frota brasileira ganhasse motores elétricos de uma hora para a outra, porém, teríamos um problema. Um carregador doméstico típico para carros elétricos tem mais ou menos 7 mil watts de potência, equivalente a um chuveiro elétrico forte. Com uma diferença: o carregador precisa de algumas horas para “encher o tanque” do bichinho.

O caminhão elétrico da Tesla, que promete 800 km de autonomia: sim qualquer veículo terrestre pode ter uma versão elétrica eficiente. (Otávio Silveira /Superinteressante)

O horário de pico no consumo de energia doméstica, então, se estenderia madrugada adentro em vez de ficar restrito ao início da noite. A rede urbana de distribuição, que é calibrada para atender a demandas diferentes ao longo do dia, teria de passar por uma reforma estrutural, sob risco de apagões e sobrecargas.

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Não é só a distribuição. A quantidade de energia produzida precisaria aumentar também – não tanto quanto parece, já que hoje ninguém usa a maior parte da energia produzida durante a madrugada, mas precisaria. Um estudo da Universidade do Texas calculou que o estado americano precisaria produzir 30% a mais de eletricidade caso toda a frota texana se tornasse elétrica. O Texas tem 798 carros para cada mil habitantes. Se estrapolarmos o cálculo para o Brasil (330 carros por mil habitantes), a conta fecharia em pouco menos de 15%.

Bom, em 2017, ano do último relatório da Empresa de Pesquisa Energética do governo, a energia disponível no Brasil foi de 624,3 TWh (terawatts/hora). Aumentar isso em 15% significaria 93,6 TWh: basicamente uma nova Itaipu.

Solução casada

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Um carro elétrico emite zero CO2. O que sai do escapamento é puro vapor d’água. Uma frota 100% eletricificada, então, livraria o planeta do aquecimento global, certo?

Não. As emissões de CO2 podem até piorar em alguns lugares. O impacto depende da matriz energética. A eletricidade em si não é realmente um combustível. É só uma forma de transferência de energia. Quem produz essa energia são as usinas, claro.

No Brasil, 65,2% vem das hidrelétricas, 6,9%, de usinas solares e eólicas, 8,2%, de biomassa (basicamente queima de bagaço de cana) e 2,6%, de usinas nucleares. Ou seja: 82,9% da nossa matriz energética não emite CO2 – os outros 17,1% emitem, já que vêm da queima de combustíveis fósseis, como carvão e gás natural. Na prática, a frota de elétricos no Brasil seria movida a água, já que a maior parte da energia vem de hidrelétricas.

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Mas o nosso caso é excepcional: na média mundial, 65,1% da eletricidade vem dos combustíveis fósseis, principalmente carvão (38,3%). Na China, a maior geradora de gases-estufa, 70% da energia é fóssil. Nos EUA, que ocupam a segunda posição, 63%.

Nas regiões que dependem 100% de energia vinda do carvão, uma frota elétrica seria pior que as de hoje. O carvão, afinal, consegue ser ainda mais sujo que a gasolina. Ele emite 32% mais CO2 por unidade de energia produzida. E boa parte do planeta, incluindo regiões do Brasil, entra nessa lista.

Por fim, conta onde o veículo é produzido: pela complexidade da produção das poderosas baterias necessárias, um carro elétrico gasta, em média, o dobro da energia para ser fabricado que um convencional. E essa energia equivale a um quarto de tudo que um carro convencional gasta em toda sua vida útil. Pois é. Não existe almoço grátis.

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E só falamos em veículos terrestres. Aviões produzem CO2 como se não houvesse amanhã. Levar uma tonelada de carga num avião emite dez vezes mais do que transportar a mesma tonelada de caminhão. E a previsão mais otimista para que toda a frota de aviões do mundo se torne elétrica é a seguinte: nunca.

Aviões elétricos: para o transporte em larga escala, só no dia de São Nunca.Até existem aviões elétricos, mas são pequenos e têm baixíssima autonomia. Baterias pesam demais em relação à energia que podem armazenar. Para um jato equivalente a um Boeing 737 poder ser movido a eletricidade, a eficiência das baterias precisaria aumentar em 20 vezes – e não há horizonte para que isso aconteça. Os aviões certamente serão os últimos veículos a usar combustível fóssil – se um dia pararem.

No chão, porém, o cenário é promissor. Hoje, 2% dos carros novos vendidos no planeta são elétricos. É bastante, tendo em vista que a proporção era de basicamente zero na era pré-Tesla. De acordo com a previsão mais otimista da Agência Internacional de Energia, essa proporção chegaria a 30% em 2030. Já seria um belo adianto para a qualidade de vida nas cidades. Mas, para não trocar seis por meia-dúzia do ponto de vista das emissões de CO2, o mundo precisa aumentar a produção de energia limpa.

A boa notícia é que dá para fazer. Um estudo da ONG World Wide Fund (WWF, “Fundo Mundial [para a Natureza]”) previu que uma frota 100% elétrica na Alemanha aumentaria em 15% as emissões de CO2. O estudo foi feito em 2009; quando só 16% da energia germânica vinha de fontes renováveis. Hoje, essa proporção está em 40%, e tudo indica que chegará a 65% em 2030. Ou seja: mais do que o suficiente para que uma frota totalmente elétrica faça a diferença.

Pode ser que demore, enfim, mas o fato é que o mundo caminha para uma realidade em que a queima de combustíveis fósseis, seja dentro do motor de um carro, seja nos fornos de uma usina, converta-se, ela própria, num fóssil.

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