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Único impeachment de governador até hoje teve tiroteio com mil disparos na Assembleia

Em 1957, quando deputados se reuniram para votar a saída do governador de Alagoas, não houve votação, e sim uma sangrenta batalha que deixou um morto e 8 feridos.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 28 ago 2020, 20h30 - Publicado em 28 ago 2020, 18h37

Quando, em setembro de 1957, os deputados da Assembleia Legislativa de Alagoas, em Maceió, se reuniram para votar o impeachment do então governador Muniz Falcão, a data era simbólica: uma sexta-feira 13.

Mas nem mesmo os mais supersticiosos poderiam prever a obscuridade do que aconteceria naquele dia – ao invés de uma votação política, o que aconteceu no plenário foi uma sangrenta batalha armada entre oposição e governo, que terminou com um morto e oito baleados. O episódio entrou para história como um dos mais lamentáveis da política brasileira.

Até hoje, esse foi a única situação em que um governador de um estado brasileiro foi removido do posto via processo impeachment – embora Falcão tenha sido reconduzido ao cargo posteriormente. A história voltou à tona recentemente após a abertura de processos contra governadores como Wilson Witzel (PSC) no Rio de Janeiro, Carlos Moisés (PSL) em Santa Catarina, e Wilson Lima (PSC) no Amazonas.

Eleito governador de Alagoas em 1955, Sebastião Marinho Muniz Falcão fazia parte do extinto Partido Social Trabalhista (PST), e era ligado às ideias populistas e trabalhistas de Getúlio Vargas e de Leonel Brizola.

Embora ele próprio não se considerasse comunista, seu governo contava com o apoio do Partido Comunista e também aprovação das classes mais pobres. E isso desagradava e muito as elites oposicionistas, representadas principalmente pela União Democrática Nacional (UDN), de caráter conservador.

Em pouco tempo de governo, ficou claro que havia uma crise política no estado – principalmente porque a oposição contava com 22 deputados estaduais, enquanto Falcão tinha o apoio dos 13 restantes.

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Muito do que sabemos sobre o contexto da época e do episódio do tiroteio em si está documentado no livro Curral da Morte: o impeachment de sangue, poder e política no Nordeste, do jornalista Jorge de Oliveira, que estudou e colheu relatos de personagens da época.

Segundo ele, a tensão política crescente culminou no pedido de impeachment após um gatilho bem específico: Muniz queria criar um novo imposto sobre a produção de cana-de-açúcar no estado, o que desagradou diretamente os empresários do ramo que formavam a aristocracia de Alagoas. Os figurões que davam as cartas nos bastidores.

“[O governo] comunicou a criação de um novo imposto que passou a ser chamado “taxa pró-educação, economia, saúde”: um tributo de 2% sobre a produção de açúcar, álcool, tecidos, fumo e arroz, que seria reinvestido em programas sociais na tentativa de reduzir os bolsões de pobreza e desigualdade social alarmantes de Alagoas”, escreve Oliveira.

Em fevereiro de 1957, no segundo ano de governo, os deputados de oposição apresentaram o pedido de impeachment contra o governador. Entre as justificativas oficiais do documento, o grupo afirmava que o governador ameaçava opositores e era conivente com a violência política da época – pouco tempo antes, um deputado contrário à Muniz havia sido assassinado. Por seis meses o processo de impedimento correu de forma turbulenta, até que o dia da votação chegou.

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Em 13 de setembro de 1957, os 22 deputados de oposição à Muniz e os 13 governistas se enfrentaram não em um processo democrático, mas em uma batalha sangrenta, em que ambos os lados estavam munidos de pistolas e até metralhadoras. Em um intervalo de mais ou menos 10 minutos, mais de 1,2 mil balas foram disparadas, enquanto os combatentes se protegiam atrás de trincheiras construídas com sacos de areia.

Um dos envolvidos – Humberto Mendes, deputado governista e cunhado de Muniz – morreu, outras oito pessoas foram baleadas (entre parlamentares, funcionários da casa e jornalistas que cobriam a votação), e ainda outras dezenas ficaram feridas na confusão. A votação, obviamente, não aconteceu.

E nem estava prevista para ocorrer. O tiroteio não foi fruto de um desentendimento espontâneo e aleatório: quando os 35 deputados entraram na Assembleia Legislativa naquele dia, já sabiam que estavam caminhando para uma batalha mortal. As trincheiras com sacos de areia já haviam sido construídas previamente no salão, e a porta foi lacrada por um funcionário assim que o tiroteio começou.

Do lado de fora, jagunços armados ameaçavam quem se aproximava e garantiam que o conflito acontecesse. A tal batalha já estava mais do que declarada, como documentam cartas e relatos da época. No dia, o comércio de Maceió fechou, os ônibus pararam de circular e a população, ciente do que iria acontecer, se recolheu assustada em suas casas.

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Nos meses anteriores ao massacre, Muniz e os deputados governistas diziam que o impeachment só passaria “sob seus cadáveres”, e que, se a oposição insistisse no processo, ele iria terminar com sangue derramado.

Há quem diga, embora não se saiba muito bem se é verdade, que o governista Humberto Mendes passou em uma casa funerária antes de se encaminhar para a Assembleia e encomendou 22 caixões para mais tarde – o mesmo número de deputados oposicionistas. No fim, Mendes foi o único que de fato bateu as botas naquele dia.

É preciso lembrar que, na época, a política da região estava subordinada aos interesses das elites locais – é o que chamamos de coronelismo. Muitas vezes, os problemas políticos não eram resolvidos da maneira como reza a teoria, mas na bala, mesmo. Os aristocratas usavam jagunços, capangas e pistoleiros para eliminar desavenças e manter a estrutura de poder.

Após o tiroteio, o cenário da Assembleia era de caos e destruição. O jornalista Márcio Moreira Alves, do Correio da Manhã, cobria a batalha e foi baleado na perna. Ainda ferido, conseguiu enviar um telegrama para relatar o episódio com exclusividade para seu veículo quase em tempo real. Pelo feito, venceu o Prêmio Esso de jornalismo em 1957.

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O episódio logo ganhou as manchetes nacionais – e até internacionais – e chocou o Brasil. O então presidente Juscelino Kubitschek decretou intervenção federal no estado, colocando o Exército nas ruas e nos órgãos públicos para garantir o mínimo de ordem. Menos de uma semana depois, os deputados oposicionistas se reuniram na Assembleia Legislativa, sozinhos, e finalmente votaram o impedimento do governador.

Como tinham a maioria dos votos, o pedido foi aprovado, e Muniz Falcão foi oficialmente retirado do cargo e substituído por seu vice – até hoje o único caso em que um governador sofreu impeachment no Brasil.

Mas a decisão foi posteriormente revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O órgão julgou a votação do impeachment inválida, já que os deputados pró-governo não estavam presentes. Uma última etapa do processo, em que o impeachment foi avaliado por uma comissão mista formada por parlamentares e desembargadores, absolveu Falcão.

Ele voltou ao cargo no começo de 1958 e lá permaneceu até 1961. Mesmo que outros tiroteios diretamente entre parlamentares não tenham acontecido, a violência política não acabou, e, nos próximos anos, muitos políticos e seus familiares acabaram assassinados sob circunstâncias misteriosas.

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Essa foi a única ocasião da história brasileira em que um governador foi afastado por um processo de impeachment. Os demais foram todos arquivados sem maiores consequência. Como já dissemos, os governantes de Santa Catarina, Rio de Janeiro e Amazonas estão, atualmente, na corda bamba. Vamos torcer para nenhum dos casos acabar em tiroteio.

 

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