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Um papa em apuros

Nova chuva de escândalos sexuais e um passado de tolerância com padres abusadores minaram a credibilidade de Bento 16. Mas a reação do papa pode marcar uma revolução na Igreja

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 26 Maio 2010, 22h00

Alexandre Versignassi e Maurício Horta

Duzentos meninos de uma escola para crianças surdas. Essa era a ficha corrida de abusos sexuais de um único padre, o americano Lawrence Murphy. A acusação não veio da polícia nem da imprensa. Mas de outros clérigos, que tomaram conhecimento dos maus hábitos do colega e resolveram denunciá-lo à Santa Inquisição.

À versão moderna da Inquisição, na verdade. Agora quem cuida dos julgamentos religiosos é a Congregação para a Doutrina da Fé. Ao contrário de sua versão sangrenta da Idade Média, ela funciona como uma espécie de corregedoria interna do Vaticano. Decide quem deve ser expulso da Igreja, por exemplo.

Bom, o chefe da congregação recebeu as denúncias contra Murphy em 1996. Mas, inexplicavelmente, não tomou nenhuma providência. Ficou em silêncio. Segundo o New York Times, que revelou esse fato em março, o chefe da congregação preferiu abafar o caso para evitar um escândalo. O nome do chefe: Joseph Ratzinger, que 9 anos depois se tornaria o papa Bento 16.

A reportagem engrossou um caldo que já estava entornando. As acusações de pedofilia contra padres católicos, que já vêm de longa data, tinham chegado a um ponto crítico em 2009. Foi quando vieram à tona na Irlanda dossiês relatando o abuso de 15 mil crianças, a maioria meninos, em mais de 250 instituições da Igreja no país entre 1930 e 1990. Seguiram-se, então, 350 denúncias na Holanda mais 300 na Áustria e na Alemanha – incluindo entre os acusadores ex-membros do Coral dos Meninos de Viena, o mais famoso do mundo. Depois, antigos integrantes de um coral alemão que tinha sido dirigido pelo irmão mais velho do papa, Georg Ratzinger, fizeram o mesmo (não houve denúncia contra ele, mas novas suspeitas de omissão ficaram no ar).

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O desastre da pedofilia toma uma escala gigantesca quando se trata da maior religião do mundo, com 1 bilhão de fiéis e 400 mil sacerdotes. Um relatório encomendado pela Conferência de Bispos Católicos dos EUA levantou que 4% dos padres haviam sido denunciados por abuso sexual de menores no país entre 1950 e 2002. No resto do mundo, segundo o mesmo relatório, a média estaria entre 1,5 e 5%. Ou seja: o próprio Vaticano assume que existe uma grande chance de a proporção de pedófilos entre padres ser até maior que na sociedade.

A maioria dos abusos sexuais aconteceu antes dos anos 80, quando a Igreja os via nem como doença mental nem como crime, mas exclusivamente como um pecado – algo que equivale a tratar o agressor como vítima. As coisas têm mudado desde 1976. Foi quando começou, nos EUA, um programa para tratamento de desordens psicossexuais dentro da Igreja. Era a primeira vez que transferiam a questão do plano espiritual para o científico. Hoje, seminaristas precisam passar por avaliações psicológicas antes de ser admitidos, e, com isso, eventuais candidatos que escolhem o celibato como um meio torto de suprimir seus conflitos sexuais têm menos possibilidade de receber a batina.

A maior mudança, porém, veio a público dia 12 de abril: o Vaticano instruiu abertamente os bispos do mundo todo a acionar a Justiça comum de seus países quando souberem de algum caso de pedofilia envolvendo os padres de sua diocese. Se funcionar, será uma revolução. Desde quando se entende por instituição, a Igreja evita trocar figurinhas com o Estado laico. Faz sentido, de certo ponto de vista. Nos seus quase 2 mil anos de existência, o catolicismo viu surgir e ruir impérios, sistemas de governo foram criados e destruídos. É natural que uma instituição com esse passado se resguarde em suas próprias leis.

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O silêncio sobre crimes internos foi até ratificado no século 20. No documento Crimen Sollicitationes, de 1962, o papa João 23 determinou que abusos de crianças deveriam ser lidados pela Igreja em segredo total. Quem abrisse a boca seria excomungado. Se o Vaticano considerasse a acusação infundada, todos os documentos do caso seriam destruídos. Se as provas fossem contundentes, o acusado receberia uma intimação e seria levado a um julgamento canônico – isto é, próprio da Igreja. Em 2001, o então cardeal Ratzinger confirmou que a Congregação para a Doutrina da Fé continuaria a ter competência exclusiva em relação aos abusos. E, até que as investigações terminassem, as acusações deveriam permanecer em segredo. Levar à Justiça comum, nem pensar.

Agora, ao voltar atrás, Bento 16 deu um grande passo à frente. Resta saber se a instituição que ele comanda saberá lidar com a Justiça dos homens depois de milênios vivendo no mundo particular da lei divina. Se ela aprenderá a purgar seus pecados assim, na terra. Como no céu.

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Adolescentes sofrem mais abusos que crianças

Desde 2001, o Vaticano recebeu 3 mil denúncias de crimes sexuais que teriam sido cometidos nos últimos 50 anos. Desses,

– 60% foram com adolescentes do mesmo sexo;

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– 30% com adolescentes do sexo oposto;

– 10% com crianças.

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