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Qual é a verdadeira aparência dos anjos, segundo a Bíblia

Bebês alados fofinhos ou seres exóticos cheios de asas e olhos? Veja como anjos são retratados no livro – e como a representação mudou ao longo da história.

Por Eduardo Lima
Atualizado em 13 set 2024, 17h19 - Publicado em 13 set 2024, 10h00

Quando você ouve a palavra “anjo”, qual é a imagem que vem à sua cabeça? Provavelmente um bebê fofo e rechonchudo com asas e cabelo loiro encaracolado, bem Turma da Mônica. Se você gosta de anime, talvez seja um dos monstros gigantes e bizarros de Neon Genesis Evangelion.

Talvez você já tenha visto na internet que a representação da Turma da Mônica dos anjos não está com nada. As redes sociais popularizaram uma representação bastante diferente desses seres, apelidada de “biblically accurate angels” – algo como “anjos biblicamente corretos” em português. Seriam criaturas bastante impressionantes: cheios de asas, cobertos de olhos e que às vezes têm o formato de várias rodas entrelaçadas.

Mas os “anjos biblicamente corretos” estão realmente de acordo com as descrições da Bíblia? Mais ou menos. A gente te explica.

Corretos? Depende

Na Bíblia Hebraica, que os cristãos chamam de Antigo Testamento, a figura do anjo está associada à palavra hebraica malakh, que normalmente é traduzida como “mensageiro”. “Os anjos são descritos como intermediários entre o céu e a terra”, explica Lucas Iglesias, doutor em Estudos Judaicos pela USP. A mesma palavra pode ser traduzida fazendo referência a um mensageiro humano ou a um ser sobrenatural. Tudo depende do contexto.

Esses anjos recebem diferentes nomes no Antigo Testamento: arcanjo, querubim e serafim são alguns dos tipos mencionados, mas não se sabe muita coisa sobre as funções e a hierarquia desses seres. Alguns deles, como os serafins (o “im” representa plural no hebraico antigo, então em português a palavra vira um plural do plural engraçado), só aparecem uma vez na Bíblia, no capítulo 6 do livro do profeta Isaías.

A aparência desses seres varia bastante de um relato bíblico para o outro. Não há um padrão muito óbvio de identificação, tipo “todo anjo tem asas”. “Alguns anjos se manifestam a personagens bíblicas com aparências humanas”, explica Iglesias, fazendo referência ao caso de Gênesis 18, quando o patriarca Abraão recebe alguns anjos viajantes para comer na sua casa.

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Às vezes, mesmo com a aparência humana, o texto bíblico parece indicar que era de se esperar que as pessoas ali percebessem que não era só um ser humano normal. Por exemplo, em Juízes 13, a esposa de Manoá parece reconhecer o anjo, mas ele só enxerga um cara normal.

Ou seja, anjos podem ter aparência humana normal na Bíblia Hebraica. Mas e os “biblicamente corretos”? Eles são invenções do TikTok?

Não exatamente. Esses seres de aparência exótica existem, mas só aparecem em livros proféticos. Em Ezequiel 1, os querubins têm quatro rostos: de humano, leão, boi e águia. Eles também têm quatro asas, pés de bezerro e pareciam brasas de fogo. O profeta parece ficar sem palavras para descrever esses seres, usando as expressões “como”, “semelhante a” e “com a aparência”. Ele também usa vários termos que indicam brilho e luz, com assombro pelo que está vendo.

Quando Ezequiel está descrevendo os querubins, ele também fala de rodas que pareciam estar uma dentro da outra. Elas têm aros altos e andam em volta dos anjos. A parte que aparece na maioria das representações de “anjos biblicamente corretos” é que elas são cobertas de olhos, mas o texto não deixa claro se essas rodas são anjos ou não.

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Já os serafins têm seis asas: duas cobrem os pés, duas cobrem a face e duas são usadas para voar. Eles aparecem louvando a Deus, mas a descrição não vai muito além disso.

“Muito embora nos cause estranheza tal relato, muitos seres com características semelhantes podem ser encontrados na iconografia do Antigo Oriente Próximo”, explica Iglesias.

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E o anjinho loirinho?

No Novo Testamento, a situação é parecida: ángelos (Άγγελος) significa mensageiro, e pode se referir tanto a seres humanos com essa função como a anjos, mesmo. Aqui, as descrições impressionantes de “anjos biblicamente corretos” dão lugar para outras características.

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“Aparência humana, capacidade de voar e vestimentas que apontam para pureza são as marcas fundamentais dos anjos no Novo Testamento”, explica o professor de Estudos Clássicos e doutor pela UFF Brian Kibuuka. As descrições apontam para um caráter divino, com muito brilho e fulgor, e as vestes simbólicas brancas aparecem bastante em livros como o Apocalipse.

Mas se os anjos do Novo Testamento parecem pessoas normais, por que os anjos da cultura pop são bebês loiros?

“A visão popular do anjo remonta à Renascença italiana, com aparência infantil, cabelos encaracolados e loiros”, explica Kibuuka. A figura de Eros, deus da mitologia grega ligado a Afrodite, começou a ser associada com o conceito de anjo nessa época. 

Esse pequeno ser alado – que na mitologia romana virou o Cupido – aparece nas pinturas com cabelos e olhos claros e corpo geralmente rechonchudo. Essa mistureba de imagens greco-romanas com conceitos cristãos é o arroz com feijão da arte renascentista, que retoma os clássicos da arte ocidental num contexto onde a arte é produzida, principalmente, para a Igreja Católica.

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Um exemplo disso é a Madona Sistina, de Rafael Sanzio, pintada em 1512. Dois anjinhos entediados aparecem como espectadores da cena:

Madona Sistina
(Dresden State Art Museums / Google Arts and Culture/Reprodução)

“Como essas representações se deram num campo artístico europeu, isso acabou migrando para outros contextos a partir da expansão cristã junto da colonização”, explica Kibuuka. 

Essa acabou virando a imagem definitiva dos seres angelicais, um mix de características gregas, romanas e cristãs. A hegemonia foi tão grande que várias pessoas se sentiram na obrigação de dizer que os “anjos biblicamente corretos” são de outro jeito. Mas a real é que a aparência dos anjos na Bíblia é variada, com espaço para figuras antropomórficas e híbridos de animais com quatro cabeças e quatro asas. Os mensageiros vêm em muitos formatos.

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