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Quais foram os resultados de outras ondas de protestos raciais nos EUA

Nos anos 1960 e 1990, o país passou por movimentos que resultaram em reformas institucionais – e bagunçaram com a opinião política nacional.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 2 jun 2020, 20h58 - Publicado em 2 jun 2020, 20h12

Os Estados Unidos vivem, há sete dias, uma onda de protestos em dezenas de cidades pelo país. O motivo você já deve saber: a morte do segurança George Floyd, um homem negro de 46 anos, asfixiado durante uma abordagem policial em Minneapolis, no estado de Minnesota. O episódio iniciou uma série de revoltas contra a brutalidade policial e o racismo institucional não só no país como também no mundo – Alemanha, Canadá, França, Austrália e Brasil são alguns locais que registraram protestos parecidos nos últimos dias. 

Mas as manifestações atuais, apesar de já serem um marco na história recente americana, estão longe de serem as únicas. Pelo menos duas outras grandes ondas de protestos com cunho racial varreram o país nos anos 1960 e 1990. E foram graças a eles que mudanças concretas em legislações e instituições aconteceram – o que não exclui o fato de o racismo institucional existir no país até hoje, é claro.

Os anos 1960 nos Estados Unidos foram marcados pelo movimento de direitos civis dos negros americanos. Na época, diversos estados ainda mantinham leis de segregação racial – como as que determinavam separação de negros e brancos em escolas, transporte públicos e outros espaços. Além disso, o movimento supremacista branco era muito forte, especialmente em estados do sul do país.

Por anos a população negra protestou pacificamente e se organizou politicamente contra o racismo, mas foi em 1968 que a onda mais intensa de protestos violentos começou. O que acendeu o pavio foi o assassinato de Martin Luther King Jr., um dos maiores líderes do movimento negro no país. Em questão de horas, diversas cidades começaram a registrar protestos – desta vez mais violentos e intensos.

Deu-se assim o início da maior onda de revolta racial americana, pelo menos até agora – alguns acreditam que o movimento de 2020 possa ocupar este posto. Os protestos duraram por mais de um mês e foram registrados em mais de 100 cidades, e, em geral, não foram pacíficos. A polícia e as forças estatais reagiram com força desproporcional e pelo menos 40 pessoas acabaram mortas, mais de 2.500 foram feridas e cerca de 15 mil manifestantes foram presos.

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Apesar da morte de Martin Luther King ter sido o estopim, os protestos logo começaram a abarcar uma ampla variedade de pautas relacionadas ao racismo, incluindo a desigualdade social e a violência policial contra comunidades negras comum em várias regiões do país.

Anos de iniciativas pacíficas do movimento de direitos civis já haviam conquistado algumas vitórias para a comunidade negra, mas foi só com o conjunto de protestos que o governo se sentiu pressionado a tomar medidas institucionais grandes e rápidas em todos os níveis – federal, estadual e municipal.

O presidente Lyndon B. Johnson estabeleceu a chamada Comissão Kerner, órgão responsável por analisar as causas dos protestos e sugerir reformas para atender especificamente as demandas dos manifestantes. A partir daí, legislações foram alteradas, departamentos de polícia locais passaram a adotar novas regras e protocolos, comissões de civis foram formadas para acompanhar o trabalho policial em diversas cidades, e mais negros começaram a ser recrutados para as instituições de segurança, por exemplo.

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A Comissão Kerner foi considerada uma vitória dos protestos – muito por conta da alta pressão social que eles criaram em tão pouco tempo. Mas, obviamente, não foi o suficiente. A desigualdade racial permaneceu (e permanece até hoje), e os protestos também nunca sumiram.

Em 1992, a cidade de Los Angeles, na Califórnia, foi palco de uma onda de protestos que chamaram a atenção pela violência e pela repressão policial: foram apenas 6 dias, mas mais de 60 pessoas foram mortas durante os conflitos e cerca de 2.400 ficaram feridas. O mote da crise relembra o caso Floyd: policiais foram gravados espancando violentamente Rodney King, um homem negro acusado de estar dirigindo em alta velocidade. Mesmo com o vídeo provando o crime dos agentes, o júri popular (formado em sua maioria esmagadora por homens brancos) inocentou os quatro policiais envolvidos na abordagem, iniciando uma série de revoltas protagonizadas pelas comunidades negra e latina da cidade, que só terminou com a intervenção do governo federal e do exército dos Estados Unidos.

Novamente, o caos na cidade pressionou as autoridades a agir rapidamente. Um novo julgamento foi feito, e dois dos quatro policiais acabaram condenados. O Departamento de Polícia de Los Angeles também passou por uma série de reformas a fim de assegurar o respeito a diversidade e a participação da sociedade civil na segurança da cidade. As medidas conseguiram fazer com que a instituição saltasse dos menos de 40% de aprovação que tinha nos anos 1990 para 77% em 20 anos, apesar desse percentual ainda ser menor entre negros (68%) e latinos (76%).

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Mas não foi só isso. Um estudo que analisou as tendências políticas da cidade de Los Angeles antes e depois dos protestos mostrou que houve uma mudança no posicionamento político dos cidadãos, especialmente os de minorias raciais, após o movimento: eles passaram a apoiar cada vez mais medidas progressistas e também a votar mais em candidatos do Partido Democrata, considerado mais à esquerda e mais liberal em questões sociais do que o rival, Partido Republicano. 

Isso não significa que a mudança na visão política popular é uma tendência geral quando se trata de protestos. Um outro estudo, dessa vez sobre a onda de protestos raciais de 1960, aponta um fenômeno curioso. Enquanto as manifestações eram pacíficas e as mudanças eram lentas, o Partido Democrata parecia ganhar mais apoio da população geral por estar mais alinhado ao movimento de direitos civis. Mas, quando a onda de protestos violentos veio em 1968, uma parte da população (em sua enorme maioria de brancos) passou a apoio maior Partido Republicano, que adotou um discurso de ordem contrário ao vandalismo e a confusão causada pelos manifestantes.

Autores americanos sugerem que esse fenômeno influenciou, pelo menos em partes, as eleições presidenciais daquele ano, que acabaram elegendo o republicano Richard Nixon, conhecido por sua postura ultra-conservadora e que foi muito crítico aos movimentos de 1968. No poder, Nixon chegou a cancelar algumas medidas derivadas da Comissão Kerner, o que foi considerado uma derrota para o movimento negro.

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O fato é que o presidente americano Donald Trump vem apostando em uma estratégia parecida com a de Nixon: se colocando contra as manifestações e a favor da “lei e da ordem”. Ao mesmo tempo, o movimento está tomando proporções globais e colocando a questão racial no centro das atenção como nunca neste século.

Pelo menos um resultado, contudo, já apareceu: o policial responsável pela morte de Floyd já foi preso. Mas outros três policiais que participaram da ação foram apenas demitidos, e o policial preso está sendo acusado apenas de homicídio culposo – quando não há intenção de matar. Manifestantes garantem que, enquanto não houver justiça para o caso, as manifestações não cessarão. E é o que parece estar acontecendo mesmo.

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