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Por que não há armas nucleares na Lua? Conheça o Tratado do Espaço Sideral

Acordo assinado há 55 anos impôs fins pacíficos à corrida espacial de americanos e soviéticos. E impediu que países ricos fossem donos de planetas.

Por Alexandre Carvalho
27 jan 2022, 14h35

Se Marte não será, como a Terra, território de perigosas disputas geopolíticas, como acontece agora na Ucrânia, devemos isso a um acordo internacional fechado no dia 27 de janeiro de 1967: o Tratado do Espaço Sideral.

Esse pacto baniu a instalação de armas de destruição em massa para além do nosso próprio planeta e estabeleceu que o espaço é terra de ninguém, e é de todo mundo. Nenhum país pode ser dono de partes da Lua ou de Vênus, por exemplo, e todas as nações têm direito de explorar o espaço cientificamente. Além disso, o tratado, assinado na época por 110 países, proibiu quaisquer exercícios militares em corpos celestiais – tudo que não tivesse fins explicitamente pacíficos.

O acordo ainda diz que a exploração espacial deve ser guiada por princípios de cooperação e assistência mútua – astronautas são obrigados a providenciar ajuda a seus pares de outros países, em caso de necessidade. Diretrizes como esta possibilitam, hoje, que a Roscosmos, da Rússia, e a Nasa, dos Estados Unidos, agências de nações rivais na geopolítica, trabalhem em parceria na Estação Espacial Internacional – o laboratório que opera na órbita da Terra, a uma altitude de 400 quilômetros daqui.

Mas o objetivo principal do Tratado do Espaço Sideral não era aproximar cientistas de superpotências para entender melhor o que há no infinito e além. Ele nasceu mesmo foi por causa dos terrores despertados pela Guerra Fria. E não era só paranoia. 

A crise do Sputnik

Na segunda metade dos anos 1950, bem antes da assinatura do acordo, os EUA e seus aliados ocidentais já propunham, no âmbito das Nações Unidas, uma combinação multilateral que preservasse o espaço exclusivamente “para propostas pacíficas e científicas”. Mas por que justamente os americanos, então com fama recente de vitoriosos em duas Grandes Guerras, se preocupariam tanto na época com a “paz universal”? A resposta estava em Moscou. 

Os soviéticos assombraram o Ocidente quando, em 1957, foram os primeiros a mandar, com sucesso, um satélite artificial para a órbita do nosso planeta: o Sputnik. 

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Ter um fruto da ciência do Homo Sapiens flutuando acima da gravidade terrestre, abrindo caminhos para a experiência humana através do cosmos, deveria ser motivo de celebração. Mas não é bem assim que as coisas funcionam aqui embaixo. 

Naqueles tempos de pós-guerra, os soviéticos tinham o Sputnik como uma afirmação diante do mundo do quanto sua capacidade tecnológica seria capaz – e de que isso poderia, sim, ter implicações militares. 

Mas nem eles imaginavam a repercussão estrondosa que o lançamento teria nos EUA. 

Desde Pearl Harbour, nenhum acontecimento havia tido tanto impacto sobre a mente dos americanos. A ideia fixa na cabeça de muita gente era: “se os soviéticos conseguiram colocar um satélite em órbita, eles podem colocar outros com más intenções, seja para nos espionar, seja para lançar armas atômicas do alto”. 

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Para se ter uma ideia, somente em outubro de 1957, mês do lançamento do Sputnik, o New York Times dedicou 279 artigos a questões relacionadas ao satélite. A mídia mais sensacionalista, então, não se restringia a reproduzir as preocupações da opinião pública: também forçava a barra para gerar histeria – e assim, claro, vender mais jornal. 

John Kennedy, que se tornaria presidente dos EUA em janeiro de 1961, quando os russos já haviam mandado três cachorros para o espaço (dos quais dois retornaram à Terra com segurança), declarou: “Se os soviéticos controlarem o espaço, eles podem controlar a Terra, assim como em séculos passados a nação que controlava os mares dominava os continentes”. A “crise do Sputnik”, na prática, foi o verdadeiro início do que conheceríamos como corrida espacial. Foi o que, 12 anos depois, acabaria por colocar astronautas caminhando em solo lunar (a maior resposta americana às seguidas conquistas dos soviéticos nessa disputa) e que, ainda na época, gerou as preocupações que seriam os alicerces do Tratado do Espaço Sideral. 

Um empate bom para todo mundo

De início, os soviéticos rejeitaram o tratado. Afinal, se alguém teria chance de dominar o espaço na época e ameaçar seus rivais, as evidências apontavam para eles. No mesmo período em que o Sputnik ganhava as manchetes do mundo, a URSS também lançou o primeiro míssil balístico intercontinental da história, com alcance de 8 mil quilômetros: o R-7. Não parecia interessante aceitar novas regras num jogo em que estavam ganhando.

Mas, em uma década, as coisas mudaram. Um ano após o lançamento do “satélite comunista”, os EUA criaram a Nasa, deram à conquista do espaço uma prioridade que ainda não existia e colocaram uma pulga, bem grande, atrás da orelha dos soviéticos. 

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A concorrência foi forte. Menos de um mês após o voo histórico de Yuri Gagarin, o Projeto Mercury já colocava o primeiro americano no espaço: o astronauta Alan Shepard. E, em maio de 1961, o presidente John Kennedy pediu apoio ao Congresso para o que viria a ser um projeto ainda mais ousado, o Apollo, enfatizando a importância do programa para a segurança nacional diante dos avanços soviéticos. Deu certo: em setembro de 1962, diante de uma multidão no estádio da Universidade Rice, no Texas, Kennedy fez um discurso que entraria para a história por uma frase marcante: “Nós escolhemos ir para a Lua”. O resultado, o mundo todo veria pela TV em 1969. 

Ou seja, dez anos após o Sputnik, a União Soviética já tinha motivos suficientes para temer o que seus rivais na Guerra Fria poderiam aprontar no espaço. Seguindo a mesma lógica que evitou até hoje um conflito nuclear (quem atirar primeiro também terá seu país transformado em vapor e cinzas), os soviéticos finalmente toparam a ideia de um acordo que proibisse desenvolvimentos bélicos fora do nosso planeta. 

E assim, em 27 de janeiro de 1967, o Tratado do Espaço Sideral foi aberto para assinaturas em Moscou, Washington e Londres. E o sistema solar foi poupado de um Star Wars da vida real. 

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