Os verdadeiros bastardos inglórios
Não foi só no filme do Tarantino que judeus reagiram aos nazistas na base do olho por olho. Milhares de homens e mulheres partiram para a briga. E foram cruéis
Por Eduardo Szklarz
Abba Kovner tinha 23 anos quando foi confinado num gueto da Lituânia, em 1941. Ele liderou uma revolta, fugiu para a floresta vizinha e combateu os alemães ao lado da mulher, Vitka. Após a guerra, integrou um esquadrão de judeus que envenenou milhares de nazistas. O nome do grupo: Vingança.
Kovner não foi o único a reagir como no filme de Quentin Tarantino. Durante a ocupação alemã, 25 mil judeus se refugiaram nas florestas da Europa Oriental e viraram guerrilheiros – os partisans.
“Ser um partisan judeu era se sentir sozinho contra todos. Os nazistas queriam te matar. Os soviéticos te odiavam e a população local também. Não tínhamos casa nem comida. E, mesmo se vivêssemos, para onde retornar?”, diz Shalom Yoram num documentário da TV americana PBS. Yoram tinha 17 anos quando correu para os bosques da Polônia, depois de ver os alemães matar seus pais.
Havia guerrilhas só de judeus, mas muitos se uniram a brigadas comunistas ou grupos de ex-soldados soviéticos que ficaram no Leste Europeu quando a região caiu sob domínio alemão. “Nosso grupo tinha 400 pessoas e 30 rifles. Já os russos tinham muitas armas, mas não nos davam nenhuma. Então nós roubávamos deles”, diz a polonesa Eta Wrobel.
Partisans como Frank Blaichman lutaram contra os nazistas. Outros, como Túvia Bielski, priorizaram o resgate de judeus. Juntos, eles descarrilaram trens inimigos, sabotaram usinas, instigaram levantes e contrabandearam judeus para fora da Europa. Veja a seguir.
Os inquisidores
Eles eram refugiados europeus, a maioria judeus alemães, que migraram para os EUA e retornaram à Europa com uniforme americano para enfrentar os nazistas. Treinados em inteligência militar no campo de Ritchie, em Maryland, sua missão era interrogar os militares alemães que tinham sido presos durante a guerra. “Eu queria tomar parte nessa guerra. Sentia raiva pelo que acontecera com a Europa e os judeus”, diz Guy Stern, que fugiu da Alemanha aos 15 e perdeu toda a família. Stern e seus colegas conheciam o idioma e a psicologia do inimigo – e foram decisivos para quebrar seu moral e obter informações para os aliados.
O detonador
Misha Gildenman fugiu com o filho do gueto de Korets, na Ucrânia, e montou um grupo partisan na floresta. Um de seus principais “soldados” era um garoto de 12 anos, Mordechai “Mótele” Shlayan, único sobrevivente de sua família. Loiro, Mótele se fazia passar por polonês e entretinha os nazistas tocando violino num restaurante da cidade de Ovruch. Mal sabiam que ele roubava explosivos na caixa do instrumento e os escondia no porão do restaurante. Em 1943, depois de almoçar como de costume, Mótele fez o lugar voar pelos ares.
O vingador
Em 31 de dezembro de 1941, 150 jovens se reuniram num refeitório do gueto de Vilna, na Lituânia. Fingindo celebrar o Ano-Novo, eles planejaram uma rebelião. Dois terços dos 60 mil judeus da cidade haviam sido mortos, e eles sabiam que seriam os próximos. “Não nos deixemos levar como ovelhas ao matadouro”, dizia o líder Abba Kovner. “Estamos fracos, mas a única resposta ao assassino é pegar em armas.” Pistolas e munições valiam fortuna no mercado negro, e os judeus mais velhos se opunham à resistência com medo dos nazistas. Ainda assim, os jovens fundaram a Organização Partisan Unida (FPO) com o apoio de guerrilhas comunistas da floresta de Rudniki. Escondiam as armas em paredes, sob o chão e em fundos falsos de baldes. Ser pego com uma delas era morte certa. A revolta explodiu em 1943, quando os alemães liquidaram o gueto. Mas a FPO viu que não tinha chance e fugiu para a floresta, onde se aliou a partisans lituanos. Kovner e sua mulher, Vitka, combateram até a derrota alemã. Depois caçaram nazistas no esquadrão Nakam (“Vingança”), que pincelou arsênico no pão de milhares de alemães que tinham sido detidos como prisioneiros de guerra. Estima-se que a ação deixou entre 200 e 800 mortos.
Os castigadores
O polonês Frank Blaichman comeu neve nos primeiros dias que se escondeu na floresta de Parczew, em 1942, enquanto a família era enviada às câmaras de gás. Aos 17 anos, ele entrou para uma guerrilha de 100 judeus que dormiam em abrigos cavados na terra. Tinham ao todo 6 revólveres. “Uma noite, fui buscar água com um amigo e ao voltar o acampamento estava queimado. Dias depois, capturamos os dois colaboradores que nos denunciaram aos nazistas. E os castigamos, como tinha que ser”, diz Blaichman. Ele e os outros sobreviventes se juntaram à guerrilha de Samuel Gruber, 26, um ex-oficial do Exército polonês. E o grupo se aliou ao clandestino Armia Ludowa (exército popular polonês), que lhe forneceu granadas, minas, metralhadoras, armas antitanques e munição. Arsenal suficiente para atacar quartéis e comboios alemães, explodir pontes, cabos de comunicação e linhas de trem que levavam ao front. Um dia, Gruber visitou um camponês e viu uma judia de uns 5 anos em sua cozinha. O sujeito disse que a encontrara na rua e a entregaria aos alemães em troca de 1 quilo de açúcar, como era de praxe. Do contrário, os poloneses o delatariam por esconder judeus. “Eu então disse aos camponeses que a menina ficaria duas semanas na casa de cada um deles. E adverti que queimaríamos a vila se a entregassem”, diz Gruber. “Ela sobreviveu e emigrou para Tel-Aviv. “A maioria dos judeus partisans não teve a mesma sorte: acabou morta em batalhas, ou de fome. Poucos restaram para falar do tempo em que eram bastardos. “Mas, em vez de ser sub-humanos, como os nazistas nos diziam, nós os atacamos”, diz Shalom Yoram. “Não era o prazer de matar, e sim de vingar.”
Os salvadores
O lavrador Túvia Bielski conhecia como poucos os matagais da Bielo-Rússia. Foi ali que ele e seu irmão Alexander salvaram 1 200 judeus. Do total, 75% eram velhos, mulheres e crianças. E só 20% do grupo estava armado. Esses faziam tarefas de proteção, inteligência, sabotagem, saqueio de comida e busca de fugitivos dos guetos. Para despistar os nazistas, o grupo se movia em unidades de 25 membros. “Não tenham pressa em lutar e morrer. Salvar um judeu é mais importante que matar alemães”, dizia Túvia. Na última fase, em 1944, o acampamento tinha escola, sapataria e fábrica de sabão. Só 50 pessoas morreram, enquanto nas outras guerrilhas nem a metade sobrevivia.
Para saber mais
Fugitives of the Forest
Allan Levine, Lyons Press, 2008.
The Minsk Ghetto 1941-1943
Barbara Epstein, University of California Press, 2008.