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Organizações terroristas:fortaleza vulnerável

Os EUA nunca se sentiram tão ameaçados. Isso explica todas as guerras contra o terrorismo desde o 11 de setembro.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h20 - Publicado em 30 set 2007, 22h00

Texto Eduardo Szklarz

Os EUA são a única superpotência do planeta. Gastam em defesa – U$ 529 bilhões em 2007 – quase o mesmo que todos os demais países juntos, uma disparidade de poder inédita na História. Mesmo assim, nunca se sentiram tão vulneráveis. A ameaça não vem tanto de outros países, mas de indivíduos que formam redes como a Al Qaeda e produzem uma combinação letal de radicalismo e tecnologia.

“Os inimigos do passado precisavam de grandes exércitos e indústrias para colocar os EUA em perigo. Agora, essas redes sombrias podem gerar o caos gastando menos do que custa um tanque de guerra”, reconheceu o presidente americano, George W. Bush, em sua Estratégia de Segurança Nacional, de 2002 – escrita no calor dos atentados de 11 de setembro. Naquele documento, Bush avisou que poderia lançar ataques preventivos contra organizações terroristas e os chamados rogue states (“estados vilões”, como Iraque, Irã e Coréia do Norte), acusados de patrocinar o terrorismo e produzir armas de destruição em massa.

Desde então, os EUA invadiram o Afeganistão e o Iraque e realizaram inúmeras operações antiterror em lugares como Filipinas e Djibuti. Participam da empreitada tropas de mais de 20 países, supostamente aliados em nome da liberdade e da democracia. Alguns deles são democráticos de fato – caso de Austrália, Inglaterra e Dinamarca. Outros, nem tanto – como Paquistão e Arábia Saudita. Embora o Pentágono diga que já prendeu ou matou três quartos dos líderes da Al Qaeda, a organização está longe de ser debelada. Ao contrário, vem espalhando seus tentáculos em todos os continentes, inclusive no Iraque.

Não é fácil guerrear com um inimigo invisível, cujos “soldados” estão dispostos a se matar em combate porque acreditam que, assim, ganharão o Paraíso. “A Al Qaeda, por exemplo, não tem bases que você possa realmente conhecer e combater”, diz Aaron Klein, ex-membro da inteligência militar israelense e correspondente da revista Time em Jerusalém.

Muito além de bin laden

O desafio vai muito além da rede terrorista de Osama bin Laden. Em todo o mundo, há uma profusão de grupos radicais que pretendem derrubar governos e instalar a sharia (lei islâmica). Entre eles, o Abu Sayyaf nas Filipinas, o Jemaah Islamiyah na Indonésia, o Ansar al-Sunna no Iraque, a Jamaat Sharia na Chechênia e a Jihad Islâmica em Israel (leia mais nas págs. 8 e 9). Algumas dessas organizações apoderam-se de países em frangalhos, como as Cortes Islâmicas da Somália. Outros conseguem entrar no governo pelo voto, como o Hezbollah no Líbano e o Hamas na Palestina.

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Ao estudar esses grupos, especialistas descobriram uma simbiose entre terror e crime organizado. “Os terroristas do primeiro atentado ao World Trade Center, em 1993, juntaram dinheiro com a venda de camisetas falsificadas. E os de Madri, em 2004, tinham um negócio de falsificação de CDs”, diz Moisés Naím, diretor da revista Foreign Policy e autor do livro Ilícito (Jorge Zahar, 2006). O Hezbollah lucra com a venda de produtos piratas – de cigarros a pastilhas de Viagra –, enquanto bin Laden transita entre os negócios de suas construtoras e o comércio ilegal de armas e diamantes em Serra Leoa.

Violência em dose dupla

Onde há terrorismo, há guerra. É o que mostra este mapa dos 10 últimos anos de conflitos armados no mundo
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179 mortos

Série de explosões em Mumbai, na Índia, em agosto de 2003, promovida por radicais islâmicos.

175 mortos

Um dos ataques terroristas mais sangrentos do Iraque, ocorrido em agosto de 2007.

191 mortos

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Total de vítimas fatais do atentado de Madri (Espanha), em 2004, assumido pela rede Al Qaeda.

202 mortos

Ataque à bomba numa discoteca de Bali (Indonésia), em 2002, assumido pela Jemaah Islamiyah.

3 243 mortos

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Saldo dos atentados da Al Qaeda em Nova York e Washington no dia 11 de setembro de 2001.

339 mortos

Vítimas de terroristas chechenos numa escola de Beslan, no sul da Rússia, em setembro de 2004.

Quem é quem no terrorismo

Principais grupos em atividade e onde estão suas bases

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RELIGIOS

Grupos – Al Qaeda

Bases – Células em 45 países

Grupos – Al Qaeda do Iraque

Bases – Iraque

Grupos – Jemaah Islamiyah

Bases – Indonésia, Malásia, Cingapura e Filipinas

Grupos – Grupo Islâmico Armado

Bases – Argélia

Grupos – Al-Gama´a al-Islamiya

Bases – Afeganistão e Egito

Grupos – Hamas

Bases – Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza

Grupos – Frente Moro de Liberação

Bases – Filipinas

Grupos – Ansar al-Sunnah

Bases – Iraque

Grupos – Conselho Mujahedin Shura

Bases – Iraque

Grupos – Hezbollah

Bases – Líbano

Grupos – Exército de Resistência de Deus

Bases – Sudão

Grupos – Mártires de Al-Aqsa

Bases – Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza

SEPARATISTAS

Bases -Grupos – Pátria Basca e Liberdade (ETA)

Bases – País Basco (Espanha)

Grupos – Al-Fatah

Bases – Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza

Grupos – Partido dos Trabalhadores Curdos

Bases – Turquia

Grupos – Tigres para a Libertação do Tâmil Eelan

Bases – Sri Lanka

Grupos – Abu Sayyaf

Bases – Filipinas

Grupos – Mártires de Riyad us-Salikhin

Bases – Chechênia (Rússia)

Grupos – Exército de Liberação do Daguestão

Bases – Daguestão (Rússia)

Grupos – Al-Barq

Bases – Caxemira (Índia)

Grupos – Exército Democrático do Karen

Bases – Mianmar e Tailândia

COMUNISTA

Grupos – Frente Popular para a Libertação da Palestina

Bases – Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia

Grupos – Frente Unida para a Libertação de Assam

Bases – Índia

Grupos – Partido Comunista do Nepal Maoísta

Bases – Nepal e Índia

Grupos – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)

Bases – Colômbia

Grupos – Exército de Libertação Nacional

Bases – Colômbia

Afeganistão: celeiro de terroristas

Seis anos depois da intervenção americana, Osama bin Laden continua vivo, e os extremistas do movimento Talibã reorganizam-se no sul do país

Texto Eduardo Szklarz

Seis anos passaram-se desde que a coalizão internacional liderada pelos EUA removeu o Talibã do poder e iniciou a caçada à rede terrorista Al Qaeda no Afeganistão. Entretanto, o país apresenta desafios crescentes: os talibãs estão ressurgindo, a insegurança vem minando o apoio ao presidente afegão, Hamid Karzai, e as províncias do interior têm sido tomadas pelos chamados “senhores da guerra” – indivíduos com poder político e econômico sobre determinada região, que impõem seu domínio por meio de milícias fortemente armadas. Não há estatísticas precisas, mas estima-se que aproximadamente mil civis morreram em 2006, vítimas de terroristas, ataques aéreos e insurgentes. E pior: segundo a Cruz Vermelha, a crise humanitária está aumentando.

A Al Qaeda tampouco foi debelada. Escondido provavelmente em alguma montanha remota entre o Paquistão e o Afeganistão, Osama bin Laden voltou a aparecer em gravações de vídeo há algumas semanas, pedindo aos muçulmanos que lutem contra o presidente paquistanês Pervez Musharraf (aliado dos EUA), contra as tropas da ocupação americanas e contra as forças de paz da ONU no Sudão. Como em outras vezes, o líder terrorista também acusou os governantes muçulmanos de serem “vassalos dos cristãos”.

Terra de ninguém

A guerra contra o terror é apenas o último capítulo na saga do Afeganistão, um país que no século 19 resistiu à disputa entre os impérios Russo e Britânico e que atravessou o século 20 com uma sucessão de golpes de Estado e conflitos étnico-religiosos. Nos anos 90, ele já era o símbolo dos chamados failed states (“estados fracassados”), que não controlam seu território nem fornecem segurança e outros serviços básicos à população – e podem virar santuários de narcotráfico, crime organizado e terrorismo. “O 11 de setembro expôs um novo problema: o Afeganistão era tão fraco que podia ser seqüestrado pela Al Qaeda e servir de base global para os terroristas”, escreve o cientista político americano Francis Fukuyama no livro Construção de Estados (Rocco, 2005).

A transformação do Afeganistão em celeiro de terroristas começou na década de 1980, durante a ocupação soviética. Foi nessa época que bin Laden e o palestino Abdallah Azzam criaram o Escritório de Combatentes Internacionais, que doutrinava muçulmanos – os mujahedin – para lutar contra o Exército Vermelho. Em 1991, quando a URSS desmoronou, bin Laden declarou que aquela havia sido uma vitória do Islã e que, dali em diante, os mujahedin atuariam em escala global. Dito e feito: logo depois, ele criou a Al Qaeda.

Com o fim da ocupação soviética e o início de uma guerra civil no Afeganistão, bin Laden foi para a Arábia Saudita, sua terra natal. Mas acabou sendo expulso, acusado de envolvimento em atividades subversivas. Passou os cinco anos seguintes no Sudão, cuidando de seus investimentos por lá e estreitando o relacionamento com vários grupos islâmicos. Em 1996, tornou a ser expulso e voltou para o Afeganistão. Àquela altura, o Talibã já controlava quase 90% do país. Era tudo o que bin Laden precisava. Segundo a Comissão Nacional sobre Atentados Terroristas contra os EUA, 20 mil pessoas foram treinadas em aproximadamente cem campos da Al Qaeda naquele país entre maio de 1996 e setembro de 2001. Entre elas, estavam os autores dos atentados contra as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, em 1998, contra o navio de guerra americano USS Cole, em 2000, e contra o World Trade Center, em 2001. Os fundadores do grupo terrorista Abu Sayyaf, que opera nas Filipinas, também passaram por esses campos.

Insegurança geral

Hoje, o Afeganistão vive entre os prós e os contras de uma ocupação militar liderada por potências ocidentais. Por um lado, o número de meninas na escola saiu de zero e chegou a 2 milhões. O comércio floresce e boa parte da infra-estrutura foi reconstruída. Em compensação, a insegurança aumenta a cada dia nas áreas rurais. “Os afegãos estão mais inseguros hoje que em 2005, principalmente em função da insurgência e contra-insurgência e da incapacidade do governo de combater senhores da guerra e narcotraficantes”, diz a analista Seema Patel, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, nos EUA.

A situação é especialmente complicada na região sul do país, onde o Talibã está se reorganizando. Assim como as milícias do Iraque e os paramilitares da Colômbia, os talibãs ganham apoio oferecendo segurança à população. Quando essa tática não funciona, eles partem para a ameaça e a extorsão. Os chefes continuam sendo extremistas muçulmanos da etnia pashtun, mas a estrutura do restante do grupo vem mudando: a liderança média, agora, conta com jovens paquistaneses desempregados, enquanto os soldados rasos são aldeões pobres do interior do país.

Quem luta contra quem no Afeganistão

Tropas de ocupação e insurgentes enfrentam-se desde 2001.

Adversários – Forças de segurança afegãs e tropas dos EUA e da Otan contra Al Qaeda, talibãs, mafiosos e narcotraficantes.

Desde quando – 2001

O que está por trás – Conflitos étnicos, combate a organizações terroristas e controle sobre a produção de ópio (leia mais na pág. 58).

Iraque um país dilacerado

Texto Eduardo Szklarz

A intervenção dos eua deveria ter criado um estado democrático, que servisse de exemplo para o oriente médio. mas acabou dando origem a um país onde todos querem se matar.

O Iraque está se desintegrando. Quatro anos de guerra civil produziram entre 100 mil e 150 mil mortos (dependendo da fonte) e 4,2 milhões de refugiados. Todo mês, 80 carros-bomba explodem nas ruas. Embora o número de vítimas fatais tenha caído em 30% desde dezembro de 2006, a paz e a reconstrução ainda parecem impossíveis para um país dilacerado por bandos rivais, onde 26% das pessoas têm um parente morto no conflito.

O país entrou em colapso em 2003, quando Saddam Hussein foi derrubado por uma coalizão liderada pelos EUA em nome da guerra contra o terror. O presidente americano, George W. Bush, alegava que Saddam tinha armas de destruição em massa. Como se sabe, ninguém encontrou esse arsenal, nem evidências da ligação entre o ditador iraquiano e a Al Qaeda. Se não era uma guerra ao terror, o que levou a Casa Branca a invadir o Iraque?

“O mais provável é que tenha sido uma combinação de fatores”, diz o cientista político Bruce Bagley, da Universidade de Miami, nos EUA. Segundo Bagley, um dos motivos seria garantir o fornecimento de petróleo, já que o Iraque é dono da segunda maior reserva do mundo. Outra razão seria a forte influência dos chamados neoconservadores no governo Bush. Eles são uma espécie de missionários da política mundial: querem exportar a democracia, o livre mercado e outros valores americanos. Ao provar dessa fonte, acreditavam os “neocons”, os iraquianos iriam se modernizar, enriquecer e causar inveja nos países vizinhos, que logo estariam copiando esse modelo exportado pelos EUA. Em outras palavras: bastariam alguns poucos anos para que todo o Oriente Médio, milagrosamente, se transformasse num lugar rico e pacífico. Mas o tal milagre não aconteceu. Ao contrário! O Iraque transformou-se, isso sim, num país dilacerado, marcado pelo sectarismo e onde todos querem se matar.

Sozinha, a invasão americana não provocou a atual onda de violência do Iraque. Ela apenas abriu caminho para a erupção de antigos ódios entre sunitas, xiitas e curdos. Sunitas e xiitas são os dois grandes ramos do Islã, enquanto os curdos são um grupo étnico presente em países como Iraque, Irã e Turquia. Os xiitas somam 60% da população e os sunitas, quase 40%. Já a divisão étnica é bem diferente: cerca de 80% dos iraquianos são árabes, 15% são curdos e 5% pertencem a outras minorias. Embora quase todos os curdos sejam muçulmanos sunitas, nem sempre apóiam os árabes que seguem essa fé. Para eles, o que importa é criar um Estado independente.

Os ressentimentos entre sunitas, xiitas e curdos acumularam-se durante os 24 anos do regime de Saddam Hussein. Membro do partido sunita Baath, o ditador reprimiu duramente a maioria xiita e chegou a lançar gás venenoso contra os curdos, com o objetivo de “purificar” o Iraque. Com a queda de Saddan, em 2003, líderes radicais xiitas e curdos viram a oportunidade para se vingar. Resultado: hoje, o país é palco de uma sangrenta guerra civil entre milícias fortemente armadas.

Não bastassem os conflitos étnico-religiosos, o Iraque também sofre atentados das organizações terroristas, que buscam desestabilizar o país para poder se expandir. Estima-se que 80% dos terroristas suicidas sejam estrangeiros, oriundos da Arábia Saudita, Jordânia e de outros países vizinhos. Quer dizer que um maior controle sobre as fronteiras pode conter a violência? Exato, e isso já vem acontecendo: em 2007, o número de ataques com carros-bomba caiu 30%. “Mas basta um dia de azar ou um alvo não protegido o suficiente para alterar essa tendência”, afirma o cientista político Michael E. O`Hanlon, do Instituto Brookings, nos EUA. “Foi o que aconteceu no último dia 14 de agosto, quando um ataque múltiplo matou cerca de 500 pessoas.”

Quem luta contra quem no Iraque

Milícias, terroristas e forças da coalizão não páram de se matar.

Adversários – Terroristas e milícias contra forças de segurança iraquianas e tropas da coalizão.

Desde quando – 2003

O que está por trás – Petróleo e diferenças étnico-religiosas.

Futuro incerto

As hipóteses discutidas nos EUA sobre o que fazer com o Iraque.

CENÁRIO 1

Reduzir as tropas aos poucos, mantendo certas unidades por um longo tempo enquanto as forças iraquianas se preparam melhor para enfrentar as milícias e prevenir o terrorismo.

CENÁRIO 2

Dividir o país em 3 regiões: xiita, sunita e curda. Na prática, essa divisão já está acontecendo desde as eleições de 2005, que deram mais poder aos radicais de cada lado.

CENÁRIO 3

Entregar a administração do Iraque à ONU, enquanto a segurança seria mantida por uma força multinacional – pelo menos até que o Iraque possa caminhar sozinho de novo.

CENÁRIO 4

Manter tropas e invadir o Irã, para evitar uma “guerra de proximidade” entre iranianos e sauditas – que exercem influência, no Iraque, sobre milícias xiitas e sunitas, respectivamente.

78% dos iraquianos rejeitam a presença das tropas da coalizão

97% dos sunitas

83% dos xiitas

25% dos curdos

Os números da guerra civil

162 mil Tropas americanas

12 mil* Tropas da coalizão

360 mil Forças de segurança iraquianas

3,8 mil Soldados americanos mortos

7,5 mil Soldados iraquianos mortos

80 mil Civis iraquianos mortos

4,2 milhões Refugiados

Análise

Tiros pela culatra

Hoje, o iraque é um país mais perigoso do que era antes da invasão americana

Texto Nizar Messari

A ocupação militar americana no Iraque, iniciada em março de 2003, pôs fim ao regime do ditador Saddan Hussein – e isso foi bom para o povo iraquiano. Também não se pode negar que só com a invasão foi possível dar início a um ciclo político virtuoso naquele país, pautado pela aprovação de uma constituição nacional no voto popular. De lá para cá, a população já foi às urnas três vezes – em 2004, 2005 e 2006. Mas a verdade é que a intervenção militar dos EUA jogou o Iraque em uma guerra civil que está destruindo a economia, paralisando as instituições e intensificando a marginalização do país no cenário diplomático regional.

É fato: os ganhos proporcionados pelo tal ciclo virtuoso são inexpressivos quando comparados aos custos em vidas humanas, insegurança e instabilidade política. De acordo com a maioria das estimativas oficiais, já são mais de 100 mil iraquianos mortos violentamente desde o início da invasão. Diversas organizações humanitárias alertam para a falta de cuidados médicos e sanitários, com a conseqüente disseminação de epidemias. E ainda há o problema da violência crescente entre sunitas e xiitas – de todos os efeitos da ocupação americana, talvez o mais negativo. Com os sucessivos e sangrentos atentados à bomba em mercados, prédios públicos, filas de emprego e até locais de culto, quem mais sofre – e morre – é a população civil.

Quando conduziram os xiitas ao poder, os EUA acabaram abrindo espaço para uma aproximação entre Iraque e Irã. O atual primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, tem se esforçado bastante nesse sentido. Para os americanos, essa é uma péssima notícia. Eles consideram o Irã a principal ameaça à paz mundial. E não são os únicos preocupados, já que o papel crescente do Irã no Líbano e no conflito entre Israel e palestinos vem tirando o sono de muitos países árabes também. Essa situação tem levado grupos radicais sunitas a buscar alianças com a Arábia Saudita – um fenômeno que pode ter implicações negativas no futuro. O complicador da vez em toda essa história é o programa nuclear iraniano, conseqüência apenas indireta da ocupação americana no Iraque. Uma nova invasão, desta vez no Irã, poderia resultar em um conflito ainda mais dramático que o atual.

O fato de o Iraque não ter se tornado o aliado seguro e estável que os EUA esperavam torna o país mais perigoso do que era antes de 2003. É por isso que a retirada das tropas de ocupação está sendo conduzida com extremo cuidado, de maneira lenta e parcial. Mas há um amplo consenso entre as autoridades americanas quanto à necessidade de bases militares permanentes no Iraque, de maneira a preservar e defender os interesses dos EUA na região. Seja como for, os americanos estão saindo do território iraquiano com a credibilidade extremamente abalada perante o mundo árabe. Sua influência sobre várias questões importantes, como a crise de Darfur, no Sudão, e os conflitos do Oriente Médio, neste momento, é quase nula.

Nizar Messari é doutor em Relações Internacionais, professor e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

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