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O Taiti, do surfe nas Olimpíadas, é uma colônia da França? Entenda.

Uma das 17 colônias que restam no mundo segundo a ONU, a Polinésia Francesa até alcançou alguma autonomia administrativa, mas carrega cicatrizes da submissão.

Por Eduardo Lima
31 jul 2024, 16h00

O brasileiro Gabriel Medina conseguiu a maior nota da história do surfe olímpico, um 9.90 quase perfeito, surfando um tubo nas ondas de Teahupo’o, no Taiti.

Não é preciso ser um nerd de geografia para imaginar que essa ilha está bem longe de Paris, cidade que está sediando as Olimpíadas de 2024. Por que a modalidade está sendo disputada a 15 mil km e 12 fusos horários da França?

A resposta óbvia é que surfar numa ilha paradisíaca com algumas das ondas mais radicais do mundo é melhor do que surfar na costa francesa, ainda que existam algumas praias onde o esporte é praticado. A questão é outra: o que o Taiti é da França, exatamente? Uma colônia? Um estado? 

O Taiti é a maior ilha da Polinésia Francesa, um conjunto de cinco arquipélagos no sul do Oceano Pacífico, distante de qualquer continente. São 118 ilhas e atóis. Só 67 são habitadas. As ilhas estão a 6 mil km da Austrália, e ficam bem pertinho da Linha Internacional da Data – aquela linha imaginária que, ao ser atravessada, faz a pessoa voltar ou avançar um dia no calendário.

País ultramarino? Como assim?

Em 1963, a ONU criou um Comitê Especial de Descolonização, também chamado C-24. Até hoje, 17 colônias fazem parte da agenda de atuação desse comitê, que defende a autodeterminação dos povos.

De acordo com os critérios desse comitê, a França ainda tem duas colônias: a Nova Caledônia, que é um outro conjunto de ilhas no sul do Pacífico, e a Polinésia Francesa. 

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Note que a definição de colônia é interpretativa. Nenhum governo, hoje, diz abertamente que tem uma colônia (a Polinésia, na letra fria da legislação francesa, é chamada de país ultramarino francês). O que a ONU faz é avaliar o grau de soberania ou submissão de cada território na prática.

O Alasca e o Havaí, por exemplo, são estados americanos. Suas populações têm exatamente os mesmos direitos e deveres que todos os cidadãos dos EUA.

A Guiana Francesa, por sua vez, é um departamento francês (nível administrativo equivalente ao de um estado). Ela usa o euro, tem representantes no Parlamento e vota para presidente. Esse é um grau de integração muito grande para contar como colônia.  Ela tem o mesmo status de um Havaí ou Alasca.

Porto Rico é o caso oposto: tem independência administrativa demais para ser considerado uma colônia dos EUA. Embora não seja propriamente um país, seu grau de autodeterminação é suficiente para que a ONU não o considere mais uma colônia desde a década de 1950.

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A Polinésia está em um meio-termo estranho. Não é um departamento francês como a Guiana, mas não goza da mesma independência de Porto Rico. 

Sua população tem alguns direitos, como eleger representantes para a Assembleia Nacional (que é a Câmara de Deputados deles) e para o Senado. Mas moeda que eles usam é o franco CFP, que é vinculada ao euro, mas não é o euro. O arquipélago é protegido pelas forças armadas francesas.

Eles têm um presidente próprio, mas também compartilham o presidente Emmanuel Macron com a França. Têm uma bandeira própria, mas também usam a bandeira da França. E há um representante da presidência francesa no governo dos arquipélagos, o chamado “alto-comissário da República”. O cargo existe desde 1977, quando a região passou a ter uma autonomia interna parcial.

Ou seja: a Polinésia Francesa tem um grau de soberania intermediário, que se enquadra na definição de colônia da ONU. 

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Os franceses chegaram à Polinésia Francesa em 1842. Eles ocuparam a região e estabeleceram um protetorado ali. O primeiro nome que deram à região foi Estabelecimentos dos Franceses na Oceania (EFO).

As ilhas se tornaram um território ultramarino como a Guiana em 1946, com os cidadãos polinésios ganhando direito ao voto e cidadania. Só em 1957 o nome do país virou Polinésia Francesa, e em 2004 a região ganhou autonomia administrativa (ou seja, se tornando mais independente que a Guiana). 

Cicatrizes coloniais

Apesar da autonomia relativa, a Polinésia Francesa até hoje sofre com o legado do colonialismo francês.

Um dos grandes entusiastas do império da França foi o Barão de Coubertin, o criador das Olimpíadas modernas. Ele se autodeclarava um “colonialista fanático”. Em 1912, ele disse que o esporte e o colonialismo eram “companheiros naturais”, com o esporte servindo de instrumento de disciplina para os povos colonizados.

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“As raças têm valores diferentes, e a raça branca, de essência superior, deve ser reverenciada pelos demais”, escreveu Coubertin em suas memórias. Essa mentalidade racista pode não ser mais o que pensa a maioria dos franceses, mas é inegável que vestígios dela ainda estão presentes hoje, com um império que acabou, mas ainda tem colônias.

Entre 1960 e 1990, ilhas da Polinésia Francesa foram usadas para 193 testes nucleares de um projeto secreto do governo francês, encerrado por causa de protestos contra a falta de transparência da França.

As consequências desses testes são sentidas na pele pelos habitantes dos arquipélagos até hoje. O projeto independente Moruroa Files afirma que cerca de 110 mil pessoas foram afetadas pela radiação das bombas, quase toda a população da Polinésia Francesa na época. Os casos de câncer cresceram de forma significante nas décadas após os testes.

O impacto negativo da França continua até hoje. Nas competições tradicionais de surfe em Teahupo’o, os juízes ficam em cima de uma torre de madeira. Para as Olimpíadas, uma torre de alumínio foi construída, danificando os recifes de corais da área por um evento que deve durar só cinco dias. Os protestos pacíficos dos polinésios e o manifesto assinado por 250 mil pessoas não adiantaram de muita coisa.

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