Nos anos 1930, a moda na Europa era vender cosméticos radioativos
Numa época em que os perigos da radiação ainda eram pouco difundidos, marcas prometiam soluções milagrosas usando elementos como tório e rádio.

Os franceses sempre estiveram um passo à frente quando o assunto é cosméticos. Hoje em dia, são os maiores exportadores de produtos desse ramo – não à toa, a L’Oréal Paris é a líder na indústria. A influência não é de hoje, claro. A marca, fundada em 1909, acompanhou todo o desenrolar da economia de produtos de beleza.
Quando ainda jovem, em 1932, a L’Oréal acompanhou uma novidade: os mercados da França recebiam um creme milagroso, que prometia resolver um sem-fim de problemas estéticos: alegava reduzir rugas e gorduras, melhorar a circulação e dar firmeza para os músculos. Os produtos faziam parte de uma linha de cosméticos chamados Tho-Radia, alcunha pensada a partir da união de tório e rádio, elementos radioativos que faziam parte da composição dos cremes.
Na época, a radioatividade era pouco compreendida: em 1896, Henri Becquerel, físico francês, começou a descobrir as energias radioativas. Dois anos depois, com a colaboração do casal de químicos Marie Curie e Pierre Curie, os cientistas revelaram que o tório era radioativo. O trabalho levou para casa um Nobel, e marcou o início dos entendimentos de elementos desse tipo.
O que se sabia sobre radiação era que aquela era uma fonte de energia – e nada melhor do que essa afirmação para a publicidade dos cosméticos. Foi suficiente para que os produtos radioativos decolassem.

Nos anos 1910, o farmacêutico Alexandre Jaboin propôs a “microcurieterapia”, acreditando que pequenas doses de rádio poderiam estimular células vivas. Embora sem comprovação científica, essa ideia gerou uma moda por produtos com a substância. Em 1920, Alexis Moussalli criou um creme com tório e rádio e, para lançá-lo, associou-se a Alfred Curie, um médico sem vínculo com Pierre e Marie Curie. A marca Tho-Radia foi registrada em 1932.
A Tho-Radia, observando o sucesso dos produtos, não se limitou apenas ao lançamento de cremes, no ano seguinte, em 1933, a marca já possuía batons e pós faciais, pomadas, sabonetes, supositórios, pastas de dente, lâminas de barbear, bebidas energéticas e até preservativos – todos prometendo entregar os supostos benefícios da radioatividade.
“Havia implicações de que a energia ajudaria seus dentes se a colocassem em pasta de dente e daria a você uma expressão brilhante se a colocassem em creme facial. Mas realmente não havia nenhuma ciência para mostrar que isso era verdade”, explicou à CNN Timothy J. Jorgensen, professor associado de medicina nuclear da Universidade Georgetown.
O momento casou com o início do uso de outras formas de radiação na medicina e no tratamento de doenças e pronto, era o boom desses produtos. A marca anunciava seus produtos como um “método científico de beleza”. Hoje, os perigos de materiais radioativos já são vastamente conhecidos: tem um efeito destrutivo no corpo humano e devem ser direcionados com muito cuidado às células cancerígenas.
Um ano depois das estreias de Tho-Radia, em 1934, Marie Curie morreu pelos efeitos nocivos à longa exposição à radiação. No final da década de 1930, os produtos da marca foram perdendo sua popularidade.
Os produtos da Tho-Radia, diga-se, não continham altos níveis radioativos e não causaram efeitos mortais nos seus consumidores. A marca sobreviveu – mas tirou os elementos radioativos da composição.
Outras marcas
Enquanto a história do Tho-Radia se desenrolava na França, um outro cosmético bombava em Londres: o Radior. Em um dos anúncios da marca inglesa lia-se o seguinte:
“Quando os cientistas descobriram o rádio, eles mal sonhavam que tinham descoberto um revolucionário “Segredo da Beleza”. Eles sabem disso agora. Os raios do rádio vitalizam e energizam todos os tecidos vivos. Essa energia foi transformada em auxílio à beleza. Cada ‘Radior’ contém uma quantidade definida de rádio real.”
Hoje, a propaganda parece uma ameaça, mas no início dos anos 1920 foi razão para que uma linha de creme noturno, pó compacto, creme demaquilante, talco, tônico capilar, sabonete para a pele e diversos adesivos para o rosto fossem vendidos em peso para os britânicos.
As instruções eram claras: “Se aplicados no rosto onde a pele ficou enrugada ou cansada, as forças radioativas imediatamente afetam os nervos e tecidos”, dizia uma outra publicidade. “Uma corrente contínua e constante de energia flui para a pele e, em pouco tempo, as rugas desaparecem, os nervos ficam fortes e energizados, e os músculos cansados ficam tensos e prontos para o serviço.”
A concorrência era intensa para a Radior. Existia uma outra marca no mercado, a Artes, que tinha uma pegada mais moderna: na tentativa de se distanciar dos boatos que rádio sólido – ou rádio em sal, como era chamado – faria mal para saúde, a Artes desenvolveu produtos que continham outro elemento: radônio.
Para a Artes, o uso do rádio em si seria “impossível devido ao tremendo custo e efeito prejudicial à pele.” Por isso a alternativa preferida seria o radônio, já que “não pode haver perigo de efeitos nocivos por acumulação porque o radônio é completamente eliminado da pele em um período de seis horas”, alegou a revista Hairdresser and Beauty Trade em 1933.
Em paralelo às iniciativas privadas, um tendência mais caseira chegava às casas e salões europeus: os tratamentos com argilas. Esse tipo de tratamento facial é popular ainda hoje, a diferença é que, como as demais escolhas estéticas dessa lista, as lamas europeias eram radioativas.
Um salão de beleza poderia fornecer aos clientes uma máscara de lama misturando uma pequena quantidade de material radioativo com uma argila para a pele normal. Outra alternativa era o uso do Kemolite Radio-Active Beauty Plasma, anunciado como uma lama vulcânica das montanhas dos Cárpatos.