Nikola Tesla: uma vida em alta voltagem
Do rádio à distribuição de energia elétrica, ele registrou mais de 300 patentes – e se tornou um dos criadores do mundo moderno.
Texto Rafael Battaglia | Ilustração Vini Capiotti | Design Caroline Aranha | Edição Alexandre Versignassi
Em 1898, Nikola Tesla preparou uma apresentação para a Electrical Exhibition, uma feira de invenções em Nova York. Numa piscina, o cientista colocou um barquinho de aço com 1,2 metro de comprimento – e que, de repente, começou a se mover sozinho.
A plateia, impressionada, perguntou qual era o segredo por trás da engenhoca. Tesla deu uma resposta vaga. Disse que havia equipado a miniatura com um “sistema inteligente”, capaz de obedecer, inclusive, a comandos de voz.
As pessoas, então, gritaram para que o barco navegasse para frente, para o lado, para trás… E assim foi. Não que o barco estivesse ouvindo qualquer coisa, como se fosse uma Alexa do século 19. Tesla mesmo guiava o brinquedo, usando um controle remoto. Mas a mágica era justamente essa. A invenção, batizada de teleautômato, era o primeiro sistema de controle remoto sem fio, via ondas de rádio.
Naquela época, quase ninguém conhecia as propriedades dessas ondas – apenas um ano antes, em 1897, o italiano Guglielmo Marconi havia feito a primeira transmissão de rádio em mar aberto, na Inglaterra. Tesla, assim como Marconi, foi um dos precursores desse campo de estudo.
Não só: com quase 300 patentes registradas, ele foi um dos inventores mais prolíficos da virada do século 19 para o século 20, e teve um papel decisivo no sistema de transmissão de energia elétrica via corrente alternada (já falaremos mais sobre isso), que facilitou a distribuição de eletricidade em longas distâncias. Ficou famoso e enriqueceu com o seu trabalho. Mas uma série de problemas o levaram a morrer sozinho – e falido.
Vamos entender sua história.
Criança-prodígio
Tesla nasceu em 10 de julho de 1856 em Smiljan, um pequeno vilarejo sérvio que, na época, fazia parte do Império Austro-Húngaro (hoje, esse território pertence à Croácia). A casa da família ficava ao lado de uma igreja cristã ortodoxa comandada pelo reverendo Milutin, pai de Nikola – um homem culto, que escrevia poesias, artigos e mantinha uma vasta biblioteca, com obras em diversos idiomas (e que o garoto virava as noites lendo).
Mas o DNA de inventor veio da mãe, Djouka – que, mesmo sem ter frequentado a escola, construiu uma porção de engenhocas agrícolas e domésticas. Ela também gostava de exercícios de raciocínio lógico e memorização, que ensinava ao filho.
Aos 16 anos, Tesla saiu da casa dos pais para fazer faculdade de engenharia elétrica na cidade de Graz, Áustria. Era um aluno exemplar – mas mergulhou num vício em jogos de azar que o fez abandonar a faculdade depois de três anos. Em 1881, arranjou emprego na Hungria, numa companhia telegráfica de Budapeste. Longe das salas de aula, limpo das apostas e com a mão na massa, ele finalmente deslanchou: aperfeiçoou os equipamentos da central da empresa e foi promovido a eletricista-chefe.
No ano seguinte, mudou-se para Paris – um colega o indicou para trabalhar na Continental Edison, empresa criada pelo americano Thomas Edison para comercializar suas lâmpadas incandescentes e o seu sistema de iluminação elétrica, que já estava em implementação nos EUA.
Tesla começou instalando lâmpadas pela cidade, mas logo demonstrou talento para criar novos motores elétricos e dínamos (aparelhos que usam o movimento de ímãs para gerar corrente). Ele passou os dois anos seguintes viajando pela Europa para resolver problemas nas instalações de Edison.
O processo criativo de Tesla era peculiar. O cientista era capaz de conceber todas as etapas de uma invenção na cabeça, sem esboços nem testes preliminares. “Quando tenho uma ideia, começo imediatamente a construí-la na minha imaginação”, disse certa vez. “Mudo a construção, faço melhorias e opero o aparelho mentalmente.”
A mente fértil de Tesla, porém, também se manifestava involuntariamente, na forma de alucinações visuais. “Eram imagens, muitas vezes acompanhadas de flashes de luz, que atrapalhavam a minha visão de objetos reais e interferiam meu pensamento e minhas ações”, descreveu em sua autobiografia, Minhas invenções. Essas “visões” acompanhariam o cientista por toda a sua vida.
Minhas invenções
Era uma vez na América
Em 1884, Tesla foi convidado para trabalhar numa divisão das empresas de Edison em Nova York. Começou construindo geradores e um novo sistema de iluminação pública – que nunca saiu do papel: Tesla pediu demissão apenas seis meses depois de conseguir o emprego.
O motivo de sua saída nunca ficou totalmente claro. Acredita-se que tenha a ver com um bônus que ele nunca recebeu: US$ 50 mil (US$ 1,6 milhão de hoje) pela construção de 24 máquinas. A promessa teria sido feita por um gerente – ou pelo próprio Edison, numa das poucas vezes em que os dois se encontraram.
Seja como for, Tesla e o patrão divergiam num ponto crucial: qual era a melhor forma de transmitir energia elétrica? Edison usava corrente contínua (CC), enquanto Nikola era um defensor da corrente alternada (CA).
Na corrente contínua, o fluxo de elétrons é como um rio: segue apenas uma direção. É o tipo de corrente das pilhas e baterias, em que as cargas saem do polo negativo para o positivo. Na alternada, o campo elétrico muda de direção constantemente. Os elétrons chacoalham de um lado para o outro. E essa dança é a responsável pela transferência de energia.
Para entender melhor a CC e a CA, vale revisitar os conceitos básicos da eletricidade. Imagine uma mangueira conectada a uma caixa d’água. Quanto mais alta a caixa estiver, maior será a pressão que vai empurrar a água para baixo. Na torneira, você controla a vazão: a quantidade de água que flui a cada segundo.
Em eletricidade, a tensão (em volts) é a “pressão” que empurra os elétrons. Já a corrente (em ampères) é a vazão: quanto mais elétrons passarem por um certo ponto (na direção que for), maior a corrente. A potência (em watts) é a grandeza física que calcula a quantidade de energia de fato. Você obtém a potência pela multiplicação tensão X corrente.
Toda transmissão perde um pouco de energia por conta da resistência dos fios. Quanto maior a corrente, mais o fio esquenta – e a energia elétrica se dissipa em energia térmica. Mas dá para minimizar isso. Como? Com transformadores – aparelhos que aumentam a tensão de uma rede. Isso permite correntes mais suaves, sem perda de potência.
Os transformadores também fazem o oposto: diminuir a tensão elétrica, para que ela não chegue muito alta na sua casa (e queime tudo).
O problema: transformadores não funcionam em corrente contínua, e os métodos que existiam na época para aumentar a tensão nesse sistema ainda eram experimentais. Edison precisava operar em baixa voltagem o tempo todo.
Por conta disso, suas linhas de transmissão tinham, no máximo, 2 km de comprimento. A corrente alternada, favorita de Tesla, não tinha essa limitação: os transformadores são parte integrante desse sistema. Logo, a CA pode sair da usina com tensões na casa dos milhares de volts e corrente baixa. Isso permite fios mais finos, pois a corrente mansa os esquenta menos, e mais extensos, já que a tensão pesada garante o empurrão por longas distâncias. E aí os transformadores entram no jogo para reduzir a voltagem no last mile, o momento da distribuição pelas casas.
Edison, porém, nunca apostou na CA – e detinha todas as patentes da CC. Mas houve quem apostasse. Um deles foi o magnata George Westinghouse, inventor dos freios a ar comprimido para trens. Ele montou um sistema de transmissão em corrente alternada. Mas faltava a cereja do bolo: um motor elétrico eficiente, capaz de operar em CA para ser usado em fábricas (nesse quesito, Edison, com seus motores em CC, ainda levava vantagem).
O que nos leva de volta a Tesla. Depois de pedir as contas, ele procurou financiamento para suas invenções. Os primeiros investidores pularam fora e ele ficou sem dinheiro. Precisou fazer bicos de manutenção elétrica (além de cavar valas) para pagar as contas. No final de 1886, arranjou quem bancasse sua criação mais importante: um motor de indução em corrente alternada. O aparelho gerava um campo elétrico numa bobina – que induzia a criação de um campo magnético rotativo (que, por sua vez, fazia um rotor girar).
O motor chamou a atenção de Westinghouse. O equipamento de Tesla exigia menos manutenção comparado aos motores disponíveis no mercado (que funcionavam por corrente contínua), além de ser facilmente adaptável às necessidades de várias indústrias. Era a peça que faltava para que o seu sistema deslanchasse.
A guerra das correntes
Em 1888, Westinghouse licenciou patentes que Tesla tinha registrado: do motor de indução e de alguns transformadores. Além disso, contratou o cientista como consultor. Ele passou a receber o equivalente a US$ 65 mil de hoje por mês, além de royalties sobre o uso das patentes.
Ameaçado, Edison trabalhou para descreditar o sistema de Tesla. Fez pressão no Congresso pela criação de leis mais rígidas sobre o uso de corrente alternada – e eletrocutou animais para mostrar os perigos da alta voltagem em apresentações amplamente cobertas pela imprensa. O lobby de Edison, diga-se, acabaria influenciando na criação da cadeira elétrica.
Tesla: A vida e a loucura do gênio que iluminou o mundo
Westinghouse, porém, seguiu ganhando terreno. Em 1893, ele venceu Edison na licitação para prover energia para a Feira Mundial de Chicago, que recebeu 27 milhões de visitantes ao longo de seis meses. Durante a exposição, Tesla demonstrou o funcionamento do motor de indução com um experimento chamado “Ovo de Colombo”, um campo magnético que fazia um ovo de metal rodar sem parar – uma analogia aos rotores que geravam movimento dentro de sua invenção.
Naquele mesmo ano, Westinghouse firmou um contrato para instalar geradores nas Cataratas do Niágara. Tesla ficou responsável pela planta da hidrelétrica, inaugurada em 1895. Vitória da corrente alternada (hoje, vale dizer, corrente contínua – de alta tensão – complementa a alternada nas transmissões em longas distâncias).
Westinghouse apostou no cavalo certo, mas anos investindo pesado na promoção de seu sistema elétrico deixaram a empresa à beira da falência, com uma dívida de US$ 370 milhões em dinheiro de hoje. O empresário pediu a Tesla que diminuísse a fração que recebia pelas patentes. A negociação terminou com o inventor vendendo-as para a Westinghouse por US$ 216 mil – US$ 6 milhões, grana que usou para abrir seu laboratório em Nova York.
O laboratório de Dexter Tesla
A guerra das correntes transformou Tesla em celebridade. Foi capa de revista, deu palestras em universidades prestigiadas e fazia demonstrações públicas das suas invenções. Não raro, recebia visitas de famosos, como o escritor (e amigo) Mark Twain.
Tesla era um workaholic cheio de manias. Dormia apenas duas horas por noite, caminhava 16 quilômetros todos os dias e comia sempre no mesmo lugar e horário. Seus relatos sugerem que ele sofria de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)(1). Tinha fobia de germes, lavava as mãos excessivamente e usava exatos 18 guardanapos por refeição. Além disso, era obcecado pelo número 3.
No laboratório, Tesla atirava para todos os lados: estudou raios-X, criou um protótipo de luz neon e a famosa bobina de Tesla – um dispositivo capaz de produzir altas tensões (na casa de milhões de volts) em correntes de alta frequência.
Também se debruçou sobre a comunicação sem fio. Em 1895, tinha se preparado para emitir um sinal de rádio a 80 km de distância, mas um incêndio no laboratório destruiu vários de seus trabalhos – e atrasou sua pesquisa.
Em 1900, ele conseguiu registrar patentes de aparelhos de rádio. Mas, àquela altura, havia ficado para trás na corrida com Guglielmo Marconi (que usou tecnologia de Tesla em seus experimentos). Em 1901, o inventor italiano transmitiu a primeira mensagem de rádio através do Atlântico.
Marconi tentou registrar suas patentes nos EUA, mas o governo as considerou semelhantes às invenções de Tesla. O italiano seguiu fazendo sucesso (e dinheiro) na Europa. Com o tempo, atraiu investidores americanos (dentre eles, Edison), que fizeram lobby para que sua empresa se instalasse no país. Em 1904, o governo cedeu – e ele conseguiu as patentes (anos mais tarde, Tesla o processaria para tentar reavê-las).
Marconi acabaria levando o Nobel em 1911. Tesla nunca ganhou o prêmio.
A utopia wireless
No século 20, Tesla ficou obcecado em transmitir energia elétrica sem fio (algo que ele já fazia em pequena escala, energizando lâmpadas com os raios que saíam de sua bobina). Com o patrocínio do banqueiro J.P. Morgan (que também havia financiado Edison), o cientista construiu a Torre Wardenclyffe em Long Island, nos arredores de Nova York. Era uma estrutura de 57 m com um domo de metal de 20 m de diâmetro no topo – uma versão tamanho-família da bobina.
O objetivo era construir uma torre em Glasgow, na Escócia, para testar a passagem de eletricidade e de ondas de rádio pelo Atlântico. Tesla imaginava um planeta repleto de antenas do tipo. Seria possível energizar aparelhos via terra ou ar. Qualquer um receberia mensagens, áudios e fotos instantaneamente, “em dispositivos não muito maiores que um relógio”. Pois é: Tesla previu os smartphones.
O inventor, porém, não conseguiu progredir na transmissão elétrica. No campo do rádio, andava mais devagar que Marconi, que começou a receber mais atenção (e investimentos). Isso foi ceifando suas finanças – e sua mente, que já era frágil. O sérvio precisou hipotecar o laboratório de Wardenclyffe e teve um colapso nervoso. Em 1915, Tesla perdeu a propriedade; a torre foi demolida dois anos depois.
Nikola passou as últimas décadas de vida mais recluso, morando em hotéis. A saúde mental piorou, com episódios de depressão e indícios de transtorno bipolar.
Estima-se que Tesla perdeu US$ 300 milhões (em valores de hoje) ao abrir mão dos royalties das patentes que vendeu para Westinghouse.
Tesla morreu aos 86 anos, no dia 7 de janeiro de 1943, em um quarto do Hotel New Yorker, onde morou por nove anos (a Westinghouse Company pagava o seu aluguel). Nunca casou nem teve filhos.
Décadas depois de sua morte, a comunicação instantânea virou realidade. Só não deu para colocar a eletricidade wireless em prática. O problema: a tensão é tão alta que as partículas de ar ficam carregadas – e perde-se muita energia. Por ora, a única coisa viável são os carregadores de celular por indução, que usam voltagens baixas a uma distância pequena.
Talvez não passemos muito disso. Mas o fato é que a grande criação de Tesla, o motor de indução, foi o salto que daria origem a algo que está mudando o planeta neste momento: os carros elétricos. Nada mais justo que o nome do inventor sérvio seja também o da montadora que começou essa revolução.
Fonte: (1) Tesla: a vida e a loucura do gênio que iluminou o mundo, do jornalista Marko Perko e do psiquiatra Stephen M. Stahl. Agradecimentos: Cláudio Furukawa, professor de física da USP.