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Mito: “na Ditadura Militar, as cidades não eram violentas”

A verdade: durante a ditadura, a violência urbana cresceu sem parar, e a taxa de homicídio atingiu o nível de epidemia.

Por Maurício Horta
Atualizado em 28 set 2018, 12h11 - Publicado em 28 set 2018, 12h11

“Há um novo crime na praça: mais ambicioso e mais duro. E um novo criminoso, que trocou a cachaça pela maconha, a faca pelo revólver”, dizia a matéria de capa da Veja de 23 de abril de 1969. As principais capitais sentiam crescer a violência urbana – em São Paulo, assaltos a banco saltaram de um em 1965 para 37 em 1968; em um ano, roubos pularam de 150 para 400, e homicídios dolosos, de 280 para 350. “E os menores? Com 14 anos, ou até menos, já há bandidos perigosos, hábeis motoristas, quase sempre bem armados; matam, roubam e, quando detidos, caem nos institutos de menores, de onde quase sempre conseguem fugir”.

De 1920 a 1960 a taxa de homicídios esteve sob controle, numa média de 5 mortos a cada 100 mil habitantes – isso apesar de o número de paulistanos ter pulado de 580 mil para 3,8 milhões. Até que a taxa começou a acelerar na década de 1960 [veja gráfico]. Em 1968, já eram 10,4 mortos por 100 mil – nível que a OMS considera epidêmico. Desde então, continuou subindo até atingir seu cume em 1999, com 64,3 homicídios a cada 100 mil. Não por coincidência, a escalada se acelerou no final da ditadura, quando policiais formaram grupos de extermínio, aplaudidos pela população como heróis por matarem bandidos.

Transformação

Até os anos 1960, a maior parte dos homicídios paulistanos acontecia dentro de casa. Era sinal de que a maiora não passava de crimes passionais ou de desentendimentos entre parentes ou conhecidos. Crimes mais bizarros se concentravam na Boca do Lixo, atual Cracolândia, ou nas mãos de vilões míticos, como o Bandido da Luz Vermelha. Em todo caso, o homicida era considerado um pária social, responsável por ações incompreensíveis e condenáveis.

21 mitos sobre a ditadura militar
Na ditadura, a Veja relatou o crescimento da violência urbana em quatro capas. Já eram dessa época os arrastões a prédios, os vigilantes privados e os anúncios de revólver em promoção. (VEJA/Reprodução)

Mas o homicídio ganhou um novo significado na São Paulo do fim dos anos 1960. “A figura do bandido, em oposição à do trabalhador, tornou-se ameaçadora a ponto de seu extermínio ser desejado ou tolerado”, afirma Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. O homicídio tornou-se um método de limpeza e controle social, e o homicida, um herói em defesa da comunidade.

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No final da década de 1960, o então delegado da Polícia Civil Sérgio Fleury formou o primeiro grupo paulista explicitamente destinado ao extermínio de bandidos comuns – o Esquadrão da Morte. Entre 1969 e 1971, matou mais de 200 suspeitos, e convenceu muitos de que “bandido bom é bandido morto”.

O grupo agia de madrugada. Tirava presos comuns das celas e executava-os numa estrada vazia. Para divulgar a obra, acomodava o desenho de uma caveira ao lado do corpo e chamava a imprensa. Numa pesquisa da Veja em 1970, 60% dos paulistas se disseram favoráveis ao esquadrão.

Os grupos de extermínio não agiram sozinhos. Em 1975, com a guerrilha de esquerda já desmontada, a PM passou a atuar no patrulhamento ostensivo das periferias paulistanas. Sua ferramenta de controle territorial era a morte. Nos anos 1980, surgiram também os justiceiros privados, que, com o respaldo de comerciantes locais e da polícia, começaram a matar em bairros periféricos.

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Avalanche

O extermínio teve um efeito colateral imprevisto – aumentou a criminalidade nas periferias. Isso por dois motivos. Primeiro, o homicídio inicia uma cadeia de vinganças. Numa pesquisa de 2012, Manso descobriu que uma rixa iniciada em 1993 no Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, levou a 156 mortos em cinco anos.

Outro fator é que a imagem de corpos largados nas ruas, enterros de amigos e de parentes e conversas sobre tiroteios tornam o homicídio um meio possível para resolver disputas ou reagir a ameaças. “Conflitos banais, como o galanteio à namorada de terceiros, brigas em bar ou olhares enviesados podem ser suficientes para despertar o medo da morte”, afirma Manso. E quem teme morrer se previne matando antes.

O auge da violência urbana só viria 14 anos depois do fim da ditadura. Mas isso não fez da ditadura uma época de paz nas ruas. Foi um período de violência urbana crescente. Acima de tudo, foi a incubação de uma geração de jovens prontos para matar uns aos outros.

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A Escalada

Evolução da taxa de homicídios em São Paulo (mortos por 100 mil habitantes)

21 mitos sobre a ditadura militar
Clique para ampliar (Dossiê SUPER (365)/Superinteressante)

Este post é parte do dossiê “21 mitos sobre a Ditadura Militar”, que pode ser lido na íntegra aqui.

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