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Império do mal

Sim, Steve Jobs era um gênio. Mas seu legado é dos mais polêmicos: ao longo de sua carreira, ele deixou um rastro de sacanagens tão grandiosas quanto suas criações

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h29 - Publicado em 8 Maio 2012, 22h00

Alexandre Carvalho dos Santos

Amente de Steve Jobs produziu invenções que praticamente o elevaram ao patamar de Deus. Só tem um problema grave: dentro dos muros da sede da Apple, a história não era assim tão cor-de-rosa. Para produzir suas pequenas maravilhas, Jobs encarnou um chefe tão filho-da-mãe que virou uma espécie de Darth Vader das empresas de tecnologia. É bem provável que, nas vezes em que o patrão tirou uma licença médica, ou quando se afastou definitivamente, em agosto de 2011, muitos funcionários tenham passado no bar para comemorar. Nas próximas páginas, saiba do que eles escaparam.

Baciada de insultos
Jobs costumava ver tudo como 8 ou 80. Por isso, dividia o pessoal da Apple em gênios e burros – e fazia questão de classificar cada funcionário na frente de todo mundo. Exemplo disso é uma reunião que teve com designers responsáveis pelo projeto do sistema operacional Mac OS X, que seria lançado em 2000. Vader (ops, Jobs) abriu a conversa perguntando: “São vocês os caras que desenharam o Mac OS?”, referindo-se a uma versão anterior do sistema. Os designers disseram que sim. “Pois vocês são um bando de idiotas!”, bradou Jobs. Na verdade, ele estava apenas seguindo uma de suas regras de ouro de liderança: “Chute uns traseiros para ver as coisas andar”. Dessa vez, o fim da história foi feliz. Depois de achincalhar geral, Jobs acabou até gostando dos protótipos. “Esta é a primeira prova de inteligência de 3 dígitos que vi até agora na Apple”, disse ao grupo atônito. E olha que ser reconhecido por Steve Jobs como dono de um QI superior a 100 não é para qualquer um. Mas o elogio sempre era provisório. O mesmo grupo de designers sabia: estava sujeito a ser humilhado de novo no dia seguinte.

Pressão pra toda hora
Todos na Apple viviam sob um regime de terror, segundo Leander Kahney, jornalista inglês e autor do livro A Cabeça de Steve Jobs (Agir, 2008). “Todo mundo tinha medo de perder o emprego.” De onde ele tirou isso? Dos relatos que ouviu de ex-funcionários da empresa, como o engenheiro Edward Eigerman. “Você pergunta aos colegas: ‘Devo apresentar este relatório?’ E eles sempre respondem: ‘Você pode fazer o que quiser no seu último dia na Apple’.” Jobs costumava sabatinar empregados no meio do expediente com perguntas como: “Para que serve o iTunes?” Existia até um adjetivo para os miseráveis que fracassavam nesse ritual: steved, ou “stevado”. Para escapar do chefe durão, muitos executivos faziam caminhos mais longos até suas salas, só para não passar perto da mesa do chefe. Durante anos, circulou na empresa a lenda do funcionário demitido dentro do elevador simplesmente porque não deu a resposta certa. A história nunca foi confirmada, mas é fato que mais de um funcionário evitou entrar no elevador com Jobs para não correr o risco de ser “stevado”.

Obsessões e caprichos
Jobs era um fã dos detalhes. O homem lapidava os produtos da Apple até enxergar neles a perfeição. Como quando encasquetou com a placa-mãe do Mac original, lançado em 1984. O argumento: ela era muito feia. Só que o layout da placa-mãe sai do jeito que sai para assegurar que ela funcione direitinho. E alguém conseguiu convencer Jobs disso? Até conseguiu. Mas só depois de milhares de dólares gastos para desenvolver a Gisele Bündchen das placas-mãe. Apesar de ter seu charme, a nova placa não pegava no tranco. E Jobs teve de dar o braço a torcer. É por essas e outras que o pessoal da Apple trabalha em um ritmo frenético. Lá nos anos 80, a equipe criadora do primeiro Mac trabalhou sem descanso por 3 anos – e os funcionários andavam pela companhia com camisetas que diziam: “Noventa horas por semana e adorando”. Era melhor adorar mesmo…

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Voto de silêncio
Esta regra ainda vale para a Apple pós-Steve Jobs: ninguém pode falar sobre o projeto em que está trabalhando nem para a família. A regra do silêncio já fez até gente trocar de identidade. Quando chegou à Apple para comandar as lojas próprias da marca, em 2000, o executivo Ron Johnson teve de adotar um nome fictício (virou John Bruce) por meses. Foi um recurso para que ninguém soubesse que a Apple planejava abrir seu próprio canal de vendas. Quem já furou o isolamento sentiu a ira de Jobs: ele perseguiu na Justiça blogueiros que divulgaram detalhes de produtos que seriam lançados. Jason Chen, editor do Gizmodo, que o diga. Em abril de 2010, sua casa foi invadida pela Swat, que arrombou a porta para apreender quatro computadores, dois servidores e vários HDs. Era resultado de um mandado conseguido pela Apple depois que o blog publicou fotos e uma análise do iPhone 4.

A tarefa de mudar o mundo
Ok, Jobs era o diabo como chefe. Mas quem trabalhava para ele tinha uma rara oportunidade: a de revolucionar a vida das pessoas. Apaixonado por seus produtos, o empresário conseguia fazer a equipe acreditar que estava criando algo único na história (e era mentira?). Graças a essa paixão sem limites, a Apple é cultuada no mundo todo, até por quem adora tirar uma da cara de Jobs. “Ele resgatou nossa capacidade de nos maravilhar como crianças diante das coisas”, diz Dan Lyons, jornalista americano que encarnou o personagem Fake Steve Jobs (“Steve Jobs Falso”) em um blog (leia mais ao lado). “Com Jobs fora da Apple, o mundo da tecnologia fica sem seu maior visionário.” É verdade, sem dúvida. Mas, para quem conviveu com ele horas e horas todos os dias, pode acreditar: fica um pouco mais simpático também.

Para saber mais

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• The Secret Life of Steve Jobs, Daniel Lyons, Da Capo Press, 2008.

• iCon Steve Jobs, Jeffrey S. Young, Wiley, 2005.

Falso, mas verdadeiro
Durante cinco anos, um jornalista americano manteve um blog fake muito revelador

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Em 2006, um blog publicou um post que dizia: “Muita gente me pergunta a respeito do meu estilo de gerenciamento. Especialmente depois daquele meu grande discurso, que fez todo mundo perceber o pensador profundo que eu sou. Nunca deixe as pessoas saberem o que você acha delas. A criatividade aflora do medo”.

O texto tem o jeitão do Darth Vader da tecnologia, mas foi escrito pelo jornalista Dan Lyons. Há cinco anos, ele criou o blob Fake Steve Jobs, que não é mais atualizado, mas ainda está no ar: https://www.fakesteve.net. O último post data de 17 de janeiro de 2011, quando Steve anunciou que estava saindo de licença médica e ficou claro para todos que, desta vez, seria difícil ele voltar à ativa. “Por razões óbvias, não vou mais postar aqui”, diz Fake Steve. “Espero que vocês rezem para qual seja o Deus em que acreditam. Por favor, sem plantões na porta do hospital, sem ligar para médicos para pedir que eles especulem sobre o que pode estar acontecendo. Por enquanto, paz. Muito amor. Namastê.”

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