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“I love did” virou “I loved”: a origem esquecida dos verbos no passado em inglês

Conheça essa e outras curiosidades dos bastidores das conjugações verbais (spoiler: no fundo, muitos verbos irregulares não são tão irregulares assim).

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
22 out 2024, 10h00

Este é o segundo texto da série “A vida secreta das palavras”, que está na edição de outubro de 2024 da Super. Leia aqui a primeira parte, e fique de olho nos próximos capítulos.

É fácil conjugar verbos regulares: “cantar” e “cantou”, “andar” e “andou”, “amar” e “amou”. Há verbos, porém, que não fazem o menor sentido e precisam ser decorados: eu “sou” hoje, mas eu “era” antes. “Eu vou”, “eu fui”, e “eu ia” são só o verbo “ir” em três tempos diferentes.  

Acontece que os verbos irregulares, em geral, só são irregulares da perspectiva de quem está vivo hoje. Em muitos casos, eles seguem sim alguma regra – mas é uma regra antiga, de outra época, que caiu em desuso e acabou preservada só em alguns casos.

Em outros casos, a conjugação de um verbo atual mistura elementos das conjugações de dois ou três verbos diferentes que existiam no passado. Com o tempo, os falantes se esquecem disso e passam a memorizá-las como casos únicos. 

Um exemplo didático desse fenômeno vêm do inglês. Em inglês, se você quer conjugar um verbo qualquer no passado (como I love, “eu amo”), o padrão é adicionar um  “-ed” ou “-d” ao final (I loved, “eu amei”).

Acredita-se que isso acontece porque, no passado, os falantes de versões arcaicas do inglês montavam o pretérito colocando um did depois do verbo. Did é o passado de do (“fazer”). O resultado era I love did (“eu amo fazia”, ao pé da letra). Com o tempo, de tanto pronunciar as duas coisas juntas, esse finalzinho acabou grudando.

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Há uma lista de exatos 164 verbos que fogem dessa regra – e, portanto, são irregulares. Essa suposta irregularidade, porém, esconde uma regularidade espantosa. Veja as duplinhas sing e sang, sink e sank, drink e drank (eles são, respectivamente, “cantar” e “cantei”, “afundar” e “afundei”, “beber” e “bebi”).

Existem, ao todo, seis verbos que mudam a primeira vogal do “i” para o “a” para formar o pretérito. Eles formam o chamado “grupo 5”. Existem, ao todo, sete grupos de verbos irregulares em inglês, e alguns deles possuem mais de vinte membros. 

Essas regularidades entre os irregulares são fósseis, heranças de regras anteriores. Na língua proto-germânica, antepassada do inglês que era falada na Antiguidade, havia um fenômeno chamado ablaut, em que você muda as vogais sem mexer nas consoantes para gerar palavras novas ou variações de um verbo. Sing e sung (bem como o particípio desse verbo, sang) são resquícios do ablaut.

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O ablaut pode ter nascido como um recurso sinestésico. O linguista Roman Jakobson percebeu que vogais pronunciadas com a língua mais próxima dos dentes, como “e” e “i”, costumam aparecer na forma básica dos verbos, o infinitivo – enquanto vogais mais abertas, como “a”, “o” e “u” aparecem nos pretéritos, que se referem a acontecimentos no passado. 

Isso não acontece só com verbos. Perceba que em pares como “pingue-pongue” e “zigue-zague” seria desconfortável organizar as palavras ao contrário, porque o “i” soa mais próximo que o “a” ou o “o”.  “Aqui” (com “i”) é perto, “acolá” (com “a”) é longe.

Essa é uma conclusão que vale para línguas muito distantes entre si. Jakobson escreve: “há uma tendência latente (…) de que os sons de uma dada palavra sejam congruentes com seus significados”. 

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