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Em visita ao Brasil, Marie Curie inspirou o início da radioterapia no país

A cientista visitou o primeiro hospital oncológico quando passou por aqui, em 1926. Saiba como foi a experiência da química no Brasil.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 28 mar 2022, 10h00 - Publicado em 18 mar 2022, 09h54

Chapéu, roupa de banho, escova de dente, duas agulhas de rádio (o elemento químico). Era mais ou menos assim que a mala de Marie Curie estava organizada quando ela saiu de Paris, em junho de 1926. O destino: Rio de Janeiro. O convite partiu da Embaixada do Brasil na França, mas foi o governo francês que bancou a viagem.

Já aos 59 anos de idade e laureada com dois prêmios Nobel (de Física, em 1903, e Química, em 1911), Curie não parecia muito animada com a viagem. Em quase todas as fotos no Brasil ela aparece sentada e sem interesse em olhar para a câmera. A polonesa naturalizada francesa só tinha um objetivo claro: divulgar suas pesquisas sobre radioatividade.

Agenda lotada

Curie ministrou um curso na Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que foi transmitido via rádio (o aparelho, ainda uma novidade tecnológica). Apesar do foco no trabalho, arrumou tempo para aproveitar o hotel no bairro do Flamengo com sua filha, Irène Joliot-Curie, tomar banhos de mar e fazer o clássico roteiro turistão carioca: Corcovado, Pão de Açúcar (já havia o bondinho), Tijuca e Museu Nacional.

Marie Curie e integrantes da Federação Brasileira para o Progresso Feminino.
(Arquivo Nacional/Domínio Público)

Durante os dois meses que ficou no Brasil, estava quase sempre acompanhada da bióloga paulistana Bertha Lutz, uma ativista do feminismo. Esta fazia parte da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, uma entidade que lutava pelos direitos políticos e inclusão das mulheres na educação e ciência. As ativistas feministas tinham tudo para se tornarem BFFs.

Marie Curie e Irene Joliot-Curie no Museu Nacional.
(Domínio Público/Wikimedia Commons)
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Lutz também acompanhou Curie em São Paulo, onde a química deu palestras na Faculdade de Medicina da USP. Ela também visitou o Instituto Butantã, que 95 anos depois desenvolveria a primeira vacina contra a Covid-19 aprovada no Brasil.

Depois de passar um dia na capital paulista, ela embarcou em um trem na Estação da Luz com destino a Águas de Lindoia. Não para relaxar nas termas, mas para conferir um rumor que circulava entre os cientistas: as águas das fontes lindoienses teriam um pequeno grau de radioatividade. Segundo os jornais da época, ao final da visita, Curie teria confirmado o fato. E estava certa. Medições com equipamentos mais modernos mostrariam depois que que tem mesmo; num grau seguro para a saúde. 

Radioterapia no Brasil

Dentre os cientistas incluídos neste texto, Curie foi a única que viajou para Minas Gerais. Ela visitou o primeiro hospital especializado em tratamento de câncer no país, o Instituto de Radium de Belo Horizonte, inaugurado quatro anos antes.

À época, no Brasil, a maioria dos tumores era extraído com bisturi. Já a radioterapia era feita usando um método chamado Curieterapia: os tumores eram tratados usando agulhas de platina carregadas de rádio. Na medida certa, a radiação mata células cancerígenas sem trazer risco de vida (essa é a base das radioterapias de hoje).

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Ilustração de Marie Curie segurando duas agulhas de rádio.
(Leandro Lassmar/Superinteressante)

Lembra das agulhas que Curie trouxe na mala? As duas foram doadas ao Instituto de Radium, logo após uma palestra sobre a radioatividade e suas aplicações na medicina – na plateia, estavam ninguém menos que Juscelino Kubistchek e João Guimarães Rosa. O instituto passou a comprar rádio diretamente da França, com certificados atestando a dosagem correta, todos assinados por Curie. Hoje, o antigo instituto se chama Hospital Borges da Costa.

Quase todas as informações sobre a visita de Curie no Brasil vêm dos jornais da época. Publicações como O Paiz, O Estado de S. Paulo e o Jornal do Brasil fizeram a cobertura da estadia da cientista. Eles noticiaram que a nobelista ainda visitaria outras cidades mineiras, mas isso não aconteceu. Segundo o historiador João Amilcar Salgado, do Centro de Memória da Medicina da UFMG, o motivo foi o ciúme das esposas dos pesquisadores e chefes de institutos que acompanhavam Curie.

O diretor do Serviço Geológico e Mineralógico, Euzébio de Oliveira, entregou a Curie um presente digno de pedido de casamento: uma caixa com 24 pedras preciosas, 4 minerais radioativos e um cartão de ouro com uma dedicatória à química.

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Nada indica que tenha rolado algo entre Curie e qualquer pesquisador brasileiro. Do navio, já retornando a Paris, Curie escreveu uma carta de agradecimento a todos que a receberam no Brasil, endereçada a Bertha Lutz. A mensagem foi publicada nos jornais:

“A natureza admirável e talvez sem par do Brasil maravilhou-me, como tem maravilhado a todos os estrangeiros. As conferências que fiz se realizaram num meio científico dos mais distintos […] Todas as pessoas que me deram a honra de assistir às minhas conferências cercaram-me sempre da maior consideração, ouvindo-me com grande atenção, demonstrando uma elevada cultura”. Valeu, Marie 🙂

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Essa é a última parte da matéria “Aventuras (e perrengues) de cinco cientistas no Brasil”. Confira o primeiro texto aqui.

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