Decifrando a maçonaria
É coisa do demônio mesmo? Dom Pedro 1º fazia parte do clube? Saiba o que é verdade e o que é mentira a respeito dos maçons.
Em um salão, senhores conversam sobre atualidades e amenidades. A noite termina com um jantar descontraído, alguns até acompanham a novela de relance. Normal, não fossem os chapéus e aventais com símbolos milenares, as colunas gregas e as imagens de sóis e luas. Mas, além das roupas e da decoração esquisitas, há uma diferença mais importante. Todos têm compromisso de ajudar uns aos outros, e vários têm como: são empresários, advogados, formadores de opinião. Por falar em opinião, tudo que é debatido ali fica entre aquelas quatro paredes – sem janelas, como toda loja maçônica.
A maçonaria pode não ter mais a influência de quando liderava revoluções e fundava países, mas continua atiçando a imaginação. Sabe-se que para entrar no clube é preciso ser homem e acreditar em algum deus, e pouco mais que isso. O maior best seller de 2009, O Símbolo Perdido, de Dan Brown, joga com essa curiosidade, decifrando quebra-cabeças maçons espalhados por Washington.
A aura de mistério acompanha os maçons desde a sua origem. Origem, aliás, que vem sendo criativamente recuada: alguns maçons incluem entre seus antecessores guerreiros das cruzadas, arquitetos do templo do rei Salomão e até os egípcios responsáveis pelas pirâmides. Realmente, os maçons surgiram em canteiros de obras, mas já no fim da Idade Média, na Inglaterra. Daí o nome deles: mason – se diz “mêisson” – era o termo para pedreiro em inglês.
Mas os pedreiros da época equivaliam a arquitetos, engenheiros, empreiteiros. Para não perderem a hegemonia na construção civil, militar e religiosa, eles mantinham em segredo os macetes da profissão, passados só aos aprendizes mais confiáveis e em ocasiões especiais. Com o tempo, essas aulas viraram fóruns, atraíram gente de fora e foram transferidas para locais chamados lodges (em português, “lojas”). Em 1717, quatro unidades se unificaram na Grande Loja de Londres. Surgia, oficialmente, a maçonaria.
Estados Maçons da América
Assim como muitos europeus, foi emigrando para a América que a maçonaria atingir o seu potencial. Na verdade, o grande “segredo” revelado no best seller de Dan Brown é consenso entre historiadores: em nenhum país a maçonaria foi tão importante quanto nos EUA.
Para começo de conversa, os maiores acontecimentos que marcaram a independência do país foram decididos em lojas maçônicas. Em 1773, não foi de improviso que comerciantes jogaram caixas e caixas de chá no mar, em protesto contra impostos extorsivos dos ingleses. A “festa do chá” de Boston foi um evento organizado por irmãos.
Nove dos 55 homens que assinaram a Declaração de Independência vinham da maçonaria, assim como um terço dos 39 que aprovaram a Constituição. Benjamin Franklin era maçom convicto, e George Washington, grão-mestre da Loja Alexandria, teria aparecido de avental cerimonial no lançamento da pedra fundamental da nova cidade.
Por falar em capital, a cidade de Washington é cheia de referências à maçonaria. Algumas são forçadas: encontram-se compassos e estrelas no traçado das ruas de qualquer cidade. Outras são explícitas: o tema “George Washington foi maçom” inspirou pinturas e esculturas, marcando presença nas portas do Senado e no teto do Capitólio. Além disso, a cidade tem pelo menos 17 edifícios com arquitetura típica da ordem – uma mistura de estilo grego e romano, sempre acompanhada de esquadros, compassos e letras G (de God, “Deus” em inglês). Entre eles, a agora célebre Casa do Templo (no original, House of the Temple), sede americana do Rito Escocês Maçônico, cenário do prólogo e do clímax do livro.
Após o sucesso da independência americana, em 1776, a maçonaria passou a ditar o passo das mudanças do planeta. Ser maçom no final do século 18 e no começo do 19 era muito cool: um clube que reunia as mentes mais inquietas e influentes.
Trazendo liberdade, igualdade e fraternidade no DNA, claro que a maçonaria estava na Revolução Francesa, em 1789. Os principais líderes, Danton e Robespierre, não eram da ordem, mas a Marselhesa foi composta na loja de Marselha. Em 1810, a maçonaria inspirou a criação da Carbonária, sociedade secreta que buscaria a independência da Itália. Três futuros libertadores da América, o chileno Bernardo O’Higgins, o venezuelano Simón Bolívar e o argentino José de San Martín, frequentavam a mesma loja em Londres, uma convivência que mudou um continente. “A maçonaria participou da independência de todos os países da América do Sul”, diz Andrew Prescott, diretor de estudos da maçonaria da Universidade de Sheffield, na Inglaterra.
O que inclui o Império Brasileiro, do início ao fim. Em 1822, nossa independência de Portugal foi proclamada por um grão-mestre, dom Pedro 1º. E a Proclamação da República, em 1899, foi feita por outro, o marechal Deodoro da Fonseca. E os maçons continuaram atuantes durante a nossa República Velha, chegando inclusive à Presidência, com Nilo Peçanha e, na sequência, Hermes da Fonseca.
Mundialmente, a ordem viveu uma crise a partir da década de 1930, quando seus membros mais à direita (fascistas) e à esquerda (comunistas) não vestiam mais o mesmo avental. Aliás, os maçons também estão entre as vítimas do Holocausto – entre 80 mil e 200 mil irmãos morreram em campos nazistas.
Nos anos 50, a ordem chegou a ter uma filiação recorde nos EUA – até Fred e Barney, dos Flintstones, frequentavam uma paródia da maçonaria, o Clube dos Búfalos D’Água. Mas, a geração seguinte, dos babyboomers, não se interessou – as revoluções passaram longe das lojas. “Mas, mesmo onde não voltou a ter a influência de antes, a maçonaria nunca ficou irrelevante”, diz o historiador alemão Jan Snoek, que pesquisa o tema na Universidade de Heidelberg.
Prática da conspiração
A lista de maçons poderosos ainda é grande. Entre os 6 milhões de membros no mundo estão o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o príncipe Philip, o ex-premiê italiano, Silvio Berlusconi, e até Al Gore, vice-presidente de Bill Clinton – um quase maçom. O fato de haver nos EUA muitos políticos e juízes membros da maçonaria é explorado em O Símbolo Perdido: o vilão do livro ameaça colocar na internet um vídeo que flagra a elite de Washington em rituais maçônicos – se não abalasse os pilares da democracia, com certeza bombava no YouTube.
É inegável que a maçonaria ainda possui membros influentes – o que não significa que ela ainda exerça influência. Um exemplo prático vem do Reino Unido, onde, a partir de 1997 todos os maçons trabalhando no sistema judiciário foram obrigados a declarar que eram membros da ordem. O argumento era de que a lealdade dos irmãos à irmandade poderia distorcer seu trabalho, e o público tinha direito de saber quem era maçom, para poder acompanhar sua conduta a partir desse fato.
E quanto à Nova Ordem Mundial? Para quem não está por dentro dessa teoria da conspiração, seria um governo único, que comandaria todo planeta e que estaria sendo planejado por maçons – ou pelos illuminati, ou pelos cavaleiros templários, pelo 4º Reich, enfim. Não há informações sobre os últimos 3 grupos, até porque não consta que eles existam. Isso é impedido pela própria forma como a maçonaria é organizada: as lojas maçônicas são independentes, abrigam irmãos com pontos de vista muito diferentes e não têm de onde tirar uma ação global coordenada. Ainda mais secreta.
Na verdade, a grande mudança que espera quem entra na maçonaria não é no mundo, mas na própria vida.
Maçom 24 horas
Uma ditadura mundial não está nos planos, mas não se engane: todo maçom tem uma agenda. Se não secreta, certamente lotada. Mas, para a maioria dos membros, compensatória.
As regras começam já na candidatura – geralmente posterior a um convite de um maçom. Não basta ter fé em um deus e cromossomo XY: é preciso ser maior de idade, ter endereço fixo e renda própria e declarar seus motivos para fazer parte da ordem (dica: “Li sobre vocês na SUPER e quis ver qual era” não vai levar longe). Se for casado, a patroa precisa estar de acordo. Se for homossexual, de acordo com as regras, não entra.
Os maçons também pesquisam os amigos, o emprego e a vida financeira e policial do irmão em potencial. Depois de investigado por 6 meses a 1 ano, o nome é avaliado por toda a loja – e precisa ser aprovado por unanimidade. Aí basta participar da iniciação e prometer não revelar o que escutar – o tal pacto de silêncio da irmandade.
O iniciante é reavaliado com frequência, e tem a obrigação de participar de uma reunião semanal, que ocupa uma noite inteira em dia útil. Para faltar, só por causa de trabalho ou de estudo, vai ser necessário pedir autorização.
Além disso, as lojas maçônicas da mesma cidade se visitam, e é aconselhável participar de alguns desses momentos de intercâmbio. Isso para não falar de viagens mais longas, no caso de visitas a maçons de outros estados. E, a cada 3 anos, é preciso se envolver na votação para grão-mestre, coordenada por um Tribunal Eleitoral Maçônico.
Tem mais: cada loja cobra uma mensalidade que, em São Paulo, gira em torno R$ 150. Motivo: toda loja tem um fundo de amparo que cobre despesas inesperadas de irmãos. O fundo também funciona como uma previdência paralela: viúvas de maçons recebem pensão mensal.
Nos fins de semana, os maçons ainda fazem trabalho voluntário nas instituições mantidas pela ordem – na maioria dos casos, creches e hospitais. Esse é o momento em que levar a esposa e os filhos não só é possível como recomendável. “Chamamos as esposas dos irmãos maçons de cunhadas e os filhos de sobrinhos”, diz o aposentado baiano Paulo Borges, maçom em Salvador há 22 anos. É comum que um irmão em dificuldade seja socorrido a qualquer hora por outros maçons. Ótimo quando é você quem precisa, mas significa que o celular precisa estar ligado o tempo todo.
Clube de vantagens
Os irmãos garantem que dá um gás na autoestima: sentem-se parte de um clube exclusivíssimo, que seleciona seus membros com rigor. “A sensação de ser aceito depois de meses de investigação é muito boa. E a cerimônia de iniciação é um dos momentos mais gratificantes e emocionantes da vida de um maçom”, afirma o empresário Adriano Aparecido Moraes, maçom há 26 anos, de Sorocaba. A loja aparentemente até transforma o comportamento: “Eu era muito temperamental, agressivo. Com a maçonaria, mudei”, diz o baiano Paulo Borges.
Bonito, bonito. Mas, além das recompensas psicológicas, há critérios mais palpáveis. “Não fosse a maçonaria, a gente não teria acesso a diretor da Polícia Federal, a funcionário público do alto escalão, a empresários que são possíveis clientes”, diz Adriano. “Não é privilégio, porque o maçom deve corresponder às expectativas profissionais. Mas ajuda bastante, cria oportunidades.”
Um maçom do Rio de Janeiro, que prefere se manter anônimo, afirma: “Se o maçom é vendedor e o comprador da empresa é irmão, ele vai ser atendido mais rápido. Conheço filhos de maçons que, graças aos contatos do pai, conseguiram estágios em empresas com irmãos na diretoria”. E conclui: “Claro, o talento é o que consolida profissionalmente, mas a maçonaria abre portas em todos os lugares”.
Em uma grande metrópole, onde as relações de poder são mais diluídas, as amizades da loja talvez não façam tanta diferença. Mas imagine o impacto desses contatos em uma cidade pequena, em que o delegado, o prefeito, o dono do jornal e o do supermercado são maçons.
A influência também se dá em outras esferas do Estado. Funcionários e pessoas ligadas à Petrobras se reúnem por todo o país em lojas maçônicas chamadas Monteiro Lobato – que não era maçom, mas disse que “o petróleo é nosso”. Dizem que há dinheiro da empresa nisso, mas a Petrobras não confirma o envolvimento com os “irmãos monterianos”, que fazem debates e ações junto a políticos em defesa do patrimônio nacional.
Independentemente da ambição dentro da estrutura da maçonaria, é preciso manter a linha. Barracos, bebedeiras, adultério e prisões são inaceitáveis. “Temos o objetivo de fazer homens bons ser ainda melhores e levamos essa meta muito a sério”, diz o maçom paulistano Fábio Amauchi, engenheiro. É esse conceito de “homens bons” que explica a recusa de gays, por exemplo. “Não se pode dizer que esse seja um bom costume”, diz Fábio.
Secretos não, discretos
“Os maçons já foram secretos. Ao longo do século 20, passaram a se definir como discretos. Hoje, caminham para se tornar uma sociedade civil aberta”, diz o ex-maçom britânico Martin Short, autor de Inside the Brotherhood, que critica a ordem.
No entanto, a abertura da sociedade secreta mais conhecida do mundo incomoda alguns irmãos, que veem a proliferação de sites, jornais e revistas como um afastamento das origens. De fato, hoje já é possível se candidatar a maçom por e-mail (apesar de que um convite pessoal é, de longe, a forma mais garantida de entrar). Em seu site, a Grande Loja Maçônica do Espírito Santo mantém uma Rádio Cultura Maçônica. E a página do Grande Oriente do Brasil, seção Rio de Janeiro, oferece um tour virtual pelo Palácio Maçônico do Lavradio.
“Não existem mais segredos na maçonaria. Eles vêm sendo revelados lentamente”, diz o historiador britânico W. Kirk MacNulty, maçom há cinco décadas. “Se existe algum segredo, ele é individual, intransferível – é a experiência dos rituais maçônicos. Como explicar o gosto de uma laranja para quem nunca a comeu?”, diz o pesquisador alemão Snoek. Por outro lado, se faltam mistérios, sobram boatos.
Em Israel, a Grande Loja de Tel-Aviv é um espaço de encontro de cristãos, judeus e muçulmanos. Apesar de a maçonaria ser contra discussões políticas nos templos, todos ali estão dispostos a encontrar soluções para os problemas milenares da região. “Só em um local fechado e completamente sigiloso esse tipo de reunião improvável pode acontecer regularmente”, afirma o historiador alemão Jan Snoek, que pesquisa o tema na Universidade de Heidelberg. Ou seja: se qualquer plano de paz surgir daqui para a frente para resolver a questão entre israelenses e palestinos, é possível que haja o dedo da maçonaria.
E o que os maçons acham de toda a curiosidade em torno da ordem? Em conversas privadas, reclamam muito dos livros, filmes e sites que prometem revelar seus segredos – de reportagens como esta também. Argumentam que o tratamento é injusto e exagera aspectos menos importantes. Nesse caso, a postura oficial é não se manifestar publicamente.
Mas há uma corrente do “falem mal, mas falem de mim”, da qual faz parte Christopher Hodapp, um americano ex-mestre maçom e autor de livros sobre maçonaria, grato ao que Dan Brown e outros fizeram pela ordem. “Tínhamos dificuldades para atrair novos membros. Assim, o interesse é renovado”, diz. “De certa forma, a divulgação até ajuda, porque cria um fascínio que atrai muita gente para a ordem”, diz Adriano Moraes. “Enquanto o mundo externo se preocupa excessivamente com detalhes pouco importantes, os verdadeiros mistérios estão bem guardados.”
Irmãos do Brasil
Nossa independência foi decidida por facções maçônicas: havia os republicanos e os monarquistas, que venceram e agiram em 1822. Os livros de história ensinam que a nossa separação de Portugal foi tramada e decidida dentro das lojas maçônicas nos meses que antecederam o Grito do Ipiranga. É verdade. Mas não foi uma decisão, e sim um debate acalorado. Dependendo do que a loja decidisse, é possível que o jovem príncipe regente não virasse o imperador Pedro 1º.
Naquele ano, a maçonaria brasileira estava dividida em duas grandes facções. Ambas queriam a independência, mas uma defendia ideias republicanas, enquanto a outra, de José Bonifácio de Andrada e Silva, achava que a solução era manter dom Pedro como imperador em uma monarquia constitucional. Os grupos disputaram o poder de forma passional, envolvendo prisões, perseguições, exílios e expurgos de um grupo contra o outro.
Interessado em vigiar e controlar os grupos políticos da época, dom Pedro participou ativamente das duas facções. A de José Bonifácio não funcionava em lojas, mas em palestras, batizadas de “Independência ou Morte”, “União e Tranquilidade” e “Firmeza e Lealdade”. Eleito “arconte rei” na primeira sessão, dom Pedro jurou “promover com todas as forças e à custa da própria vida e fazenda a integridade, independência e felicidade do Brasil como reino constitucional, opondo-se tanto ao despotismo que o altera como à anarquia que o dissolve”. Era o programa de governo de José Bonifácio.
Na maçonaria foram estudadas, discutidas e aprovadas várias decisões importantes no processo de independência, como o manifesto que resultou no Dia do Fico (9 de janeiro de 1822) e os detalhes da aclamação de dom Pedro como imperador, no dia 12 de outubro. Isso não quer dizer que a independência foi produto único e direto das atividades dos maçons. Na verdade, a maçonaria usou e foi usada pelos diferentes grupos de pressão na época, de acordo com as circunstâncias do momento.
Selo da maçonaria
Compas
Racionalidade científica e busca pela perfeição moral.
Esquadro
Instrumento dos pedreiros, que transformam a natureza. O ângulo reto indica honestidade.
G
Vem de God, “Deus” em inglês. Também pode representar GAU, sigla para “Grande Arquiteto do Universo”.
Washington tropical
Se O Símbolo Perdido fosse no Brasil, seria em Paraty, cidade colonial do litoral sul do Rio repleta de marcas maçônicas na sua arquitetura
Mapa da mina
O centro histórico tem 33 quadras, número mágico dos maçons.
Dando bandeira
A bandeira de Paraty tem 3 estrelinhas “colocadas em forma triangular, lembrando a grande influência que a maçonaria exerceu na história do município”, diz a lei municipal de 1967.
Grandes arquitetos
Casas de maçons notórios receberam colunas na entrada e decoração geométrica alusiva aos símbolos maçônicos e seus graus da hierarquia.
Aos trios
Muitos cruzamentos possuem pilares de pedra em só 3 das 4 esquinas, o que remete ao triângulo maçônico.
Para saber mais
O Símbolo Perdido
Dan Brown, Sextante, 2009.
Solomon’s Builders
Christopher Hodapp, Ulysses, 2007.
A Maçonaria: Símbolos, Segredos, Significado
W. Kirk Macnulty, Martins Fontes, 2007.
Manual Completo para Lojas Maçônicas
Amado Santos, Carlos Brasílio Conte, Cláudio Roque Ferreira, Wagner Veneziani Costa, Madras, 2005.