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Atos contra a natureza

A Igreja podia ralhar, mas a cama medieval via um bocado de ação.

Por Fábio Marton
Atualizado em 7 Maio 2020, 17h55 - Publicado em 1 abr 2020, 12h35

Só casando. A Igreja não tinha uma visão nada positiva de sexo. A postura segue o que foi dito pelo celibatário apóstolo Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 7: “(…) bom seria que o homem não tocasse em mulher; (…) Porque quereria que todos os homens fossem como eu mesmo; (…) Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se.” Sexo era apenas um mal a ser tolerado. Mas é importante notar: cada vez que vemos um padre pregando contra atitudes pecaminosas é porque ele percebia que as pessoas estavam cometendo-as.

A surpresa começa pelo “casar”. No início da Idade Média, era uma coisa com um significado bem informal. Podia ser só o casal dizer que fez um promessa solene um para o outro – de preferência na frente da igreja, mas talvez numa pilha de feno. Uma pilha movimentada: historiadores pegaram registros de batizado e casamento da Inglaterra e fizeram as contas. Até 30% das crianças nasciam em menos de nove meses após a união, ou seja, haviam sido concebidas antes do casamento.

Essa informalidade toda causava problemas. Há uma abundância nos registros da Igreja de processos em que uma parte do casal dizia que estavam casados, a outra, que não. A tradição de exigir testemunhas no casamento nasce daí e a função inicial do padre era não tanto dar o sacramento quanto servir de testemunha. Foi só no 4º Concílio de Latrão, em 1215, que o casamento pela Igreja foi formalizado, e só se tornou um sacramento, isto é, uma cerimônia obrigatória, que confere bênção divina, no Concílio de Trento, em 1518.

Mas casamento não é casamento sem a obrigação matrimonial – que era levada realmente a sério. Casamentos medievais já terminavam em festa. E era uma festa mais animada que a de hoje: as famílias e amigos dos casais os acompanhavam até a cama, podendo, dependendo do costume local, cantar músicas e fazer gestos obscenos. Os noivos eram então deixados a sós (em algumas regiões, as pessoas permaneciam em volta da cama e uma cortina era colocada). A farra seguia, e os noivos, feito o “trabalho”, se juntavam novamente à festa. Assim, os convidados serviam de testemunhas da consumação do casamento, da legitimidade da primeira criança e da virgindade da noiva, “provada” por uma mancha de sangue na cama.

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Uma casa de banhos que também servia como bordel, retratada no Livro de Valerius Maximus, século 15. (Josse/Leemage/Getty Images)
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Teste diante dos jurados

Falta de sexo era uma das poucas causas aceitas para a anulação do casamento (outras eram: adultério, bigamia, voto de castidade, incesto ou casamento forçado). E nisso entrava um dos rituais jurídicos mais absurdos já testemunhados: a “prova do congresso”, que foi registrada na França até o século 18. O congresso, no caso, eram as testemunhas. Quando a esposa acusava o marido de não consumar o casamento, ou seja, de não fazer sexo, cabia ao marido provar que era capaz, por uma demonstração pública. Ele tinha de fazer uma apresentação solo, digamos assim, frente às testemunhas. Se passasse, seguia-se colocar o casal – em situação francamente hostil – debaixo de um lençol.

A Igreja tentava regular as posições sexuais. As não reprodutivas, oral e anal, eram estritamente proibidas. Quanto às outras, a maioria dos teólogos fechava a questão que só o papai-e-mamãe era válido, mas havia discordância. O teólogo e bispo Alberto Magno (1200-1280) decretou, em ordem, cinco posições sexuais válidas: 1) papai-e-mamãe; 2) conchinha; 3) sentados; 4) de pé e 5) de quatro. Magno argumentou que outras posições podiam ser necessárias se parte do casal fosse obeso ou tivesse deformidades físicas.

Homossexualidade era condenada, mas tratada de forma muito diferente de hoje. Ninguém era considerado gay na Idade Média. Não era uma categoria separada de pessoas, mas alguém caindo em “pecado”. No começo, a punição era leve. O papa Gregório 3º, que reinou entre 731 e 741, anunciou uma penitência de 160 dias para atos entre mulheres e um ano para homens.

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Ao longo dos séculos, leis civis passaram a ditar punições severas aos atos tidos por “não naturais”. Isso tem a ver com a acusação de sodomia ter sido levantada contra praticamente todos os grupos condenados por heresia, dos Cátaros aos Cavaleiros Templários. No século 14, leis seculares em lugares como a França e a Itália puniam com desde o confisco de propriedade até castração e morte na fogueira.

Os homens geralmente eram mais perseguidos. A visão medieval sobre o sexo era a de um ato cometido pelo homem na mulher. Lesbianismo nem era considerado realmente sexo, exceto se envolvesse penetração, como por um dildo. Sim, havia dildo. Em um caso, em 1477, Katherina Hetzeldorfer foi executada por afogamento após “se passar por um homem” usando um deles.

Uma surpresa: o orgasmo feminino era valorizado. Praticamente obrigatório. Acreditava-se que, se homens precisavam de orgasmo para conceber, as mulheres também. Mas havia uma consequência sombria: se uma mulher estivesse grávida, era prova de que não havia sido estuprada – estar grávida seria “prova” de ter tido um orgasmo e consentido.

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