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Análise genética propõe novo rosto para Luzia: ela não era negra

Evidências associam o crânio do Museu Nacional à Cultura Clóvis, da pré-história dos EUA – e cravam que os traços do povo de Lagoa Santa (MG) eram mais próximos dos indígenas atuais.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 9 nov 2018, 20h54 - Publicado em 9 nov 2018, 20h51

Na última atualização feita à imprensa sobre o estado do crânio de Luzia, pesquisadores já haviam resgatado 80% da peça dos escombros do Museu Nacional do Rio de Janeiro. O fóssil humano de 11,3 mil anos, um dos principais itens do acervo, estava exposto ao lado de um busto que, baseado nas características da ossada, tentava recriar as feições da primeira americana – cujos traços você pode relembrar nesta imagem.

A representação original do boneco de Luzia perdeu-se no fogo, mas, ainda que tivesse sobrevivido, acabaria tendo que ser substituída. Uma dupla de estudos publicados nas revistas científicas Cell e Science reuniu novos argumentos para defender a tese de que a representação não corresponde de fato à forma como ela deveria ser retratada.

Quando estudava o crânio de Luzia ao final da década de 1980, o antropólogo e ex-professor da USP (Universidade de São Paulo) Walter Neves formulou uma hipótese sobre a origem da dona da ossada. Segundo Neves, as características de seu crânio eram diferentes das dos povos indígenas atuais, o que sinalizaria que Luzia pertenceu a um grupo de humanos que chegou à América, também pelo estreito Bering, antes do grupo que deu origem aos indígenas da época de Cabral. Nesse caso, a aparência de Luzia seria mais próxima da dos africanos negros. Por isso, o antropólogo forense britânico Richard Neave, em 1996, reconstruiu sua face imaginando-a negra.

O que os novos estudos argumentam, porém, é que todos os indígenas que já perambularam pelas Américas descendem de uma única população humana. Natural do leste asiático, esse grupo ancestral teria dado chegado ao continente cerca de 20 mil anos atrás. Ou seja: não houve nenhuma migração anterior a que Luzia pudesse pertencer. Ela era uma indígena comum.

O que aconteceu de verdade foi um pouco mais complicado: a onda que povoou a América se dividiu dentro do próprio continente. Onde hoje estão os EUA, um grupo que ficou conhecido como “Cultura Clóvis” prosperou e avançou em direção ao sul. Quando chegou por aqui, deu origem a populações como a de Lagoa Santa (MG) – à qual pertece Luzia. Luzia, então, é “neta” de Clóvis.

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Essa relação entre os primeiros americanos do norte e os primeiros do sul ficou clara pela análise de DNA de fósseis. Um esqueleto de 10 mil anos, encontrado em uma caverna do estado de Nevada, nos EUA, foi comparado com ossos da mesma idade naturais de Lagoa Santa. Mesmo distantes mais de 10 mil quilômetros, eram muito parecidos geneticamente. Ambos também mantêm semelhanças com o com o “garoto de Anzick”, famoso esqueleto infantil também encontrado nos EUA com 12,6 mil anos e associado à Cultura Clóvis.

Depois de alguns de milhares de anos, uma nova onda migratória, distinta da Cultura Clóvis, desceu para a América do Sul e tomou conta de tudo. A população a que pertencia Luzia sumiu, assim os Clóvis do norte, que são verificados pela última vez há 9 mil anos. Foram duas ondas, de fato, mas ambas originadas de uma só migração que entrou pelo Estreito de Bering. O que contraria a hipótese de Neves.

O processo que permitiu tais conclusões envolveu a participação de uma equipe internacional de 72 pesquisadores. Deles, 17 são brasileiros. Os autores se basearam na análise do genoma de 49 fósseis, achados em 15 sítios arqueológicos do Brasil, Argentina, Belize, Chile e Peru.

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“Por mais acostumados que estejamos com a tradicional reconstrução facial de Luzia, com traços fortemente africanos, essa nova imagem reflete de forma muito mais precisa a fisionomia dos primeiros habitantes do Brasil, apresentando traços generalizados e indistintos a partir dos quais, ao longo dos milhares de anos, a grande diversidade ameríndia se estabeleceu”, explicou André Strauss, arqueólogo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), da USP em entrevista à BBC Brasil.

A nova proposta de layout de Luzia para já existe. A especialista em reconstrução forense Caroline Wilkinson, da Liverpool John Moores University, fez um novo modelo, agora, com traços muito mais próximos dos ameríndios. Você pode observar as diferenças entre a versão atual (à esquerda) e a mais antiga de Luzia neste link.

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