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1493 – O pior melhor ano da história

Ao chegar à América, Colombo não só descobriu um novo continente: ele transformou completamente a natureza de todo o planeta.

Por Mirella Nascimento
Atualizado em 9 out 2017, 16h29 - Publicado em 15 jan 2012, 22h00

Na escola, os professores de ciências ensinaram a você que, há milhões de anos, havia na Terra apenas um continente, chamado de Pangeia – e que, ao longo do tempo, esse enorme pedaço de terra se dividiu em dois e, muito tempo depois, formou os continentes como nós conhecemos hoje. Nas aulas de história, você também aprendeu que Cristóvão Colombo foi um grande navegador que chegou à América em 1492, liderando uma frota espanhola que pretendia chegar à Índia. O que ninguém deve ter contado é que, graças a seus passeios pela América – e pela África e pela Ásia -, Colombo recriou a Pangeia. Os continentes se uniram novamente pela mistura de plantas, animais e micro-organismos que haviam se desenvolvido separadamente.

A chegada de Colombo deu início a um processo que unificou a natureza do planeta, deixando-o mais homogêneo. É por causa do intercâmbio de Colombo que há tomate na Itália, laranja nos Estados Unidos, chocolate na Suíça e pimenta na Tailândia, diz o jornalista e escritor Charles C. Mann em seu livro 1493: Uncovering the New World Columbus Created (1493: A Descoberta do Novo Mundo que Colombo Criou). A bagunça ambiental promovida pelo navegador é considerada pelos ecologistas “o evento mais importante desde a morte dos dinossauros”.

A formação do solo, o clima, a água e todo tipo de vida que se formou em cada um dos continentes da Terra tinha seu equilíbrio. À primeira vista, a incorporação de espécies não nativas em novos ambientes parece desastrosa. E de fato pode ser. Um dos episódios narrados por Mann é o que pode ser considerado um dos primeiros desastres ambientais da era moderna. Em 1518, a ilha de Hispaniola, onde hoje estão República Dominicana e Haiti, foi invadida por formigas levadas acidentalmente da África pelos espanhóis. No começo do século 17, as minhocas que viajaram com os colonizadores ingleses para Jamestown, o primeiro assentamento bem-sucedido na América do Norte, onde hoje fica o estado americano da Virgínia, destruíram florestas e culturas indígenas ao bagunçar a forma como as plantas se alimentavam. Árvores e arbustos em regiões sem minhocas dependem de detritos para alimentação, mas quando as minhocas chegam, consomem os restos de folhas e jogam os nutrientes para baixo do solo por meio de excrementos. Assim, as plantas não conseguem mais se alimentar sozinhas, pois suas raízes estão no lugar errado. Por todo o continente, em diferentes épocas, colonizadores distribuíram doenças como gripe, malária, febre amarela, varíola e hepatite.

Mas nem toda troca promovida pelas andanças de Colombo causou destruição. A introdução da batata na Europa, por exemplo, serviu de base para a agricultura moderna e matou a fome de milhões de pessoas em países como a Irlanda e a Escócia.

Evidências arqueológicas indicam que um tipo de batata já alimentava ancestrais chilenos há 10 mil anos. Os nativos andinos, especialmente onde hoje fica o Peru, cultivavam centenas de variedades de batata, muitas das quais nunca saíram da América.

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No século 16, os espanhóis levaram a Solanum tuberosum, espécie mais conhecida, para seu continente. A alimentação dos europeus melhorou muito com a introdução da batata, um alimento que fornece quase todos os nutrientes que o homem precisa, e o que o autor chama de primeira revolução verde – o amplo uso de fertilizantes, possibilitado pela importação de guano do Peru. A Irlanda ficou tão dependente do alimento que uma praga que atingiu batatais no século 19 resultou na Grande Fome que matou 2 milhões.

Algo parecido aconteceu com o tomate. Depois de se convencerem de que não eram venenosos, os europeus levaram os tomates da América do Sul pelo mundo todo. Também originárias dos Andes, as espécies de tomate produzidas no Peru e no Equador davam frutos pequenos como uma tachinha. Hoje, há diferentes variedades, com muitas cores e tamanhos, em lugares diversos, como a Itália, a Ucrânia e países da Ásia.

Troca-troca ambiental

A teoria apresentada por Mann não é de toda original. Ele pegou emprestado o termo “intercâmbio de Colombo” cunhado pelo geógrafo Alfred Crosby em 1973, reuniu outras pesquisas de historiadores e cientistas para entender como o troca-troca de seres vivos entre os continentes ao longo de 500 anos tem a ver com a globalização contemporânea. A data 1493 é uma espécie de símbolo de tudo que veio depois da conquista da América.

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O intercâmbio de Colombo não foi totalmente controlado ou compreendido na época pelos seus participantes, mas permitiu que os colonizadores transformassem boa parte das Américas, da Ásia e áreas da África em “versões ecológicas” da Europa, usando o ambiente de maneira mais confortável do que seus antigos habitantes. Esse “imperialismo ecológico” – outro termo de Crosby – colaborou com ingleses, franceses, portugueses e espanhóis em suas conquistas. E, para Mann, esse é o início do que se pode chamar de uma nova época geológica, o Homogenoceno, ou a era da homogeneidade.

Essas trocas resultaram em vantagens e desvantagens. A introdução da cultura do milho e da batata-doce em regiões montanhosas da China imperial – que garantiu o sustento de comunidades que viviam em solos desérticos ou pobres em nutrientes, mas causou erosão e inundou os arrozais das áreas mais baixas – é um dos exemplos mais claros disso.

No livro, Mann critica de forma sutil quem acha que espécies e ambientes devem ser mantidos no seu estado original. Para ele, quem se opunha à globalização percebia claramente que as trocas geravam consequências imprevisíveis e destrutivas para o ambiente e para as sociedades. Mas não levavam em consideração que isso proporcionava o fornecimento de mais e melhores alimentos, melhorava as condições de saúde e a longevidade das pessoas.

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Ao analisar os aspectos econômicos e ecológicos das trocas que ocorreram nos últimos cinco séculos, Mann diz que “ambos os lados podem estar corretos”. Na sua opinião, desde o início a globalização resultou em ganhos econômicos e em tumultos ecológicos e sociais que ameaçaram esses ganhos. E, se até hoje há preocupações ambientais em torno, por exemplo, das espécies invasoras – animais ou vegetais típicos levados para ambientes onde não há predadores naturais que acabam virando pragas e ameaçando o equilíbrio ecológico em seu novo endereço -, Mann acredita que houve mais ganhadores do que perdedores no intercâmbio de Colombo e na globalização econômica e ambiental gerada por ele ao longo dos últimos séculos.

Para saber mais

1493: Uncovering the New World Columbus Created
Charles C. Mann, Alfred A. Knopf, 2011

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