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Trapaceiros irresistíveis

Eles seduzem com suas histórias mirabolantes, enganam cientistas respeitados, fotografam fadas de cartolina, aplicam sofisticados golpes de telepatia e foram pegos com a boca na botija.

Texto: Sílvia Lisboa e Alexandre de Santi | Edição de Arte: Laura Salaberry
Design: Andy Faria | Imagens: Pedro Piccinini

Conde Cagliostro

1743-1795

Alessandro de Cagliostro era um adolescente quando deu seu primeiro golpe. Carismático, convenceu um ourives que seria capaz de descobrir ouro. Para isso, era preciso realizar um ritual à meia-noite, no meio do mato, e levar uma boa quantia de ouro junto para turbinar seus “poderes paranormais”. O ourives cumpriu o trato. Mas foi nocauteado por um bando vestido com roupas demoníacas.

O italiano convenceu o ourives que os demônios faziam parte do rito e que haviam levado o ouro em troca da localização de outros tesouros. Na verdade, não passavam de ladrões profissionais contratados por Cagliostro, que embolsou a quantia. Quando era desmascarado, o trapaceiro trocava de cidade e aplicava o golpe novamente.

Numa dessas mudanças, chegou a Napóles e casou com Lorenza Feliciani, que se tornaria sua parceira nos golpes. O casal viajou à França, onde começou a vender poções da juventude. Lorenza, então com 20 anos, convencia os clientes da eficácia da poção dizendo ter 60. Cagliostro, na época com 34, alegava estar vivo há séculos, tendo inclusive presenciado a crucificação de Cristo.

O sujeito era convincente. Um dia, encontrou a baronesa Dooberkirch, e professou: “Você perdeu sua mãe há muito tempo. Você dificilmente se lembra dela, pois era apenas uma criança. Você tem uma filha, e ela vai ser seu único filho. E não terá mais filhos”.

A previsão se realizou, e Cagliostro, que alegava falar com anjos e espíritos de outros planetas desde criança, caiu nas graças do cardeal de Rohan. O cardeal aproximou Cagliostro da corte rei Luís 16, que passou a lhe chamar para entreter a corte com seus contos fantásticos. Até o escritor Goethe teria se interessado pela lábia de Cagliostro, fazendo uma visita pessoal ao mago. Nem todo mundo caía na dele. O historiador Thomas Carlyle, por exemplo, o chamava de príncipe dos charlatões.

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Ilustração de Conde Cagliostro.

Cagliostro viveu uma vida luxuosa. Fundou uma loja maçônica, baseada em rituais egípcios que alegara ter apreendido, mas, em 1785, o já conde Cagliostro se envolveu no famoso Caso do Colar de Diamantes, incidente que teria contribuído para afundar ainda mais a monarquia francesa.

Para ganhar simpatia da rainha, o cardeal Rohan deu a Maria Antonieta um colar valiosíssimo, que o próprio rei se recusara a comprar por causa do preço, por influência da condessa La Motte-Valois e de Cagliostro. Sem ter como pagar a joia, a conta recaiu no colo de Luís 16, que mandou todos para a cadeia. Solto, foi preso de novo pela Inquisição em 1791. Morreu na cadeia, mas a população só acreditou na sua morte após o anúncio feito por ninguém menos do que Napoleão.

Anna Eva Fay

1851-1927

Na segunda metade do século 19, a médium norte-americana Anna Eva Fay começou a chamar a atenção de espiritualistas ingleses. Anna tinha uma sólida carreira no teatro de variedades, com apresentações que misturavam ilusionismo e habilidades supostamente psíquicas – sua ligação com truques de mágica não foi o suficiente para diminuir o interesse dos intelectuais do outro lado do Atlântico, que viviam atrás de provas que pudessem comprovar teses espiritualistas.

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Em 1875, ela foi chamada a Londres pelo famoso cientista britânico William Crookes, o descobridor do tálio (o elemento químico), para demonstrar seus poderes. O químico e físico vinha investigando médiuns e decidiu submeter Anna a um teste que, segundo ele, era infalível. Em transe, a sensitiva teria de movimentar objetos com a mente enquanto segurava duas barras de bronze eletrificadas, presas a uma mesa e ligadas a um galvanômetro, instrumento usado para medir correntes elétricas.

Ou seja, se Anna soltasse uma das barras para pegar os objetos com a mão, o circuito elétrico se interromperia, e os investigadores que acompanhavam Crookes no teste saberiam por meio do galvanômetro que ela estava trapaceando. As luzes foram apagadas, e Crookes e sua equipe esperaram numa sala adjacente à biblioteca da casa, onde estava Anna, os cômodos separados por uma cortina. Ou seja, os cientistas não enxergavam Anna, que foi deixada sozinha para que pudesse se concentrar e receber espíritos.

Ilustração de Anna Eva Fay.

Em poucos minutos, uma sineta tocou, livros foram revirados, uma mão surgiu na cortina e o som de um violino foi ouvido. O galvanômetro oscilou, mas os presentes atribuíram as variações aos movimentos do corpo de Anna decorrente do transe. Um mês depois, Crookes publicou um relato atestando a autenticidade dos poderes de Anna Fay no periódico londrino The Spiritualist e se tornou um espiritualista convicto.

Anna havia iludido Crookes, um cientista de alta reputação na sociedade londrina (ganhou o título de cavalheiro britânico anos mais tarde). Alguns de seus truques foram expostos um ano depois pelo seu empresário, Washington Irving Bishop, que depois também fez fortuna como falso médium. John Nevil Maskelyne, um mágico e notório cético dos poderes espiritualistas, também denunciou truques de Anna.

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Anos depois, ela mesmo admitiu que conseguiu segurar uma das barras de bronze com uma das pernas, deixando uma mão livre para tocar a sineta e revirar livros – isto é, trapacear. O famoso escapista Harry Houdini investigou a mediunidade de Anna Fay e arrancou uma confissão dela sobre o episódio do galvanômetro. Em 1924, Houdini chegou a lançar um livro, A Magician Among the Spirits (“Um mago entre os espíritos”, sem tradução para o português), revelando truques de Anna e de outros espiritualistas.

Elsie Wright & Frances Griffiths

1900-1988 e 1907-1986

Em 1917, as primas Elsie Wright e Frances Griffiths adoravam brincar em um córrego na aldeia de Cottingley, na Inglaterra. As meninas alegavam ver fadas no local e, para provar, decidiram fotografar as criaturas com a máquina do pai de Elsie. A imagem revelou fadas dançantes diante de Frances, que estendia a mão para alcançá-las. O pai de Elsie sabia dos dons artísticos da filha e logo desconfiou que se tratavam de figuras de cartolina recortadas. Mas sua esposa considerou as fotos autênticas e levou as imagens a uma reunião da Sociedade Teosófica, uma doutrina esotérica. Estava feito o estrago. As imagens foram dadas como reais.

O verdadeiro responsável por dar fama às Fadas de Cottingley foi o escritor Arthur Conan Doyle. Pai de Sherlock Holmes, Conan Doyle era um espiritualista apaixonado. Em 1920, após longa investigação, escreveu um artigo sobre a existência de fadas e gnomos baseado nas fotos das primas de Cottingley, que ganharam os pseudônimos de Alice e Iris, na revista The Strand, em 1920, esgotada em poucos dias.

Em 1922, depois de novos artigos, Conan Doyle publicou o livro A Vinda das Fadas, no qual se mostra convencido do fenômeno. Apesar da tarimba do escritor, o público ficou dividido. Os mais céticos alegavam que as fadas pareciam muito iguais às dos contos infantis e tinham penteados muito na moda. A Sociedade Teosófica fez fortuna com a venda de cópias das fotos, cedidas pela mãe de Elsie.

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Ilustração de Elsie Wright & Frances Griffiths.

As meninas cresceram, mas a história das Fadas de Cottingley nunca foi esquecida. Em 1976, Elsie e Francis voltaram à cena e admitiram que “pessoas racionais” não veem fadas, mas negaram falsificação. O desmascarador de pseudoparanormais James Randi e Geoffrey Crawley, editor do British Journal of Photography, empreenderam uma investigação e chegaram à mesma conclusão: não eram fadas coisa nenhuma.

A farsa estava mais evidente em uma das fotos, em que aparece ao fundo uma cachoeira. A imagem esfumaçada da queda de água só poderia ter sido captada por longo tempo de exposição, o que neste caso deixaria as quatro fadas em primeiro plano borradas. Mas elas estão muito nítidas. Ou seja: não se tratava de um flagrante, mas de uma produção fotográfica.

As primas só admitiram a farsa nos anos 80, já idosas. Elsie copiara as fadas de um livro infantil em 1914. Recortaram as figuras de papelão e as apoiaram em alfinetes de chapéu. Depois de tirar as fotos, jogaram as fadas de papelão no córrego. Elsie tinha vergonha de admitir a falsificação pelo fato de a imagem ter sido levada a sério por alguém da tarimba de Conan Doyle. “Como um homem brilhante como ele acreditou?”, dizia.

George Albert Smith

1864-1959

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No início dos anos 1880, George Albert Smith já ganhava a vida fazendo shows de hipnose. Mas foi 2 anos mais tarde, quando se associou ao amigo Douglas Blackburn, que ele chamou a atenção da recém-fundada Sociedade para Pesquisas Psíquicas, do Reino Unido, por causa de seus incríveis poderes de telepatia – a organização deu uma espécie de atestado de autenticidade das habilidades da dupla.

Coberto por um lençol escuro, Smith era capaz de adivinhar as palavras que eram mostradas apenas ao amigo Blackburn em um pedaço de papel. Em outro experimento, Blackburn fazia desenhos que Smith, vendado, reproduzia com detalhes. Tudo seria possível graças à incrível comunicação extrassensorial da dupla. Isso era o que o psicólogo Edmund Gurney, secretário honorário da sociedade, estava convencido.

Devido ao seus poderes paranormais, Smith foi nomeado braço direito de Gurney e ambos começaram a testar a hipnose em apresentações realizadas em Brighton. Céticos na época começaram a desconfiar dos experimentos e passaram a acusar publicamente Gurney. Mas o culpado pelas trapaças era Smith.

Em 1908, depois de uma crise de consciência e após a morte de Gurney, que supostamente teria se suicidado em decorrência das acusações, Blackburn decidiu abrir o jogo e acusou formalmente Smith pelos truques, bastante engenhosos. Smith, que então já era uma figura proeminente no cinema britânico, negou. Blackburn voltou a incomodar, em 1911, quando revelou ao jornal London Daily News como eram feitas as trapaças.

Ilustração de George Albert Smith.

Blackburn fazia os desenhos em papéis de cigarro finíssimos e os enrolava em um lápis. Ele então fingia que tropeçava na cadeira de Smith coberta por um lençol. Nesse momento, Smith gritava debaixo: “Já captei! Cadê meu lápis?” Então, sem a plateia perceber, Blackburn colocava o lápis com o desenho enrolado sobre a cadeira para Smith pegar. Dentro da sua jaqueta, Smith escondia uma tábua pintada com uma tinta luminosa. Bastava colocar o papel sobre a tábua, e a tinta emitia luz através da fina folha de papel. Smith copiava o desenho em outra folha, maior e, tchram!, pronto.

Sem a confissão, a incrível telepatia entre Blackburn e Smith seria até hoje um dos mais exemplares casos de comunicação extrassensorial. Smith seguiu negando as fraudes, que parecem não ter maculado sua trajetória no cinema, como diretor e ator. Ele ficou conhecido por seu trabalho junto aos Irmãos Lumière e por ter construído um ousado estúdio onde realizava filmagens. Sua criatividade, pelo visto, não tinha fim.

Peter Popoff

1946

“Quem é Josephine?”, perguntou o reverendo Peter Popoff aos fiéis reunidos para receber a cura de Deus por seu intermédio em um auditório na Califórnia, em 1986. Uma voz diz no ouvido de Poppof: “Parino”. “Parino”, completou Popoff à plateia. Josephine Parino se identifica. Novamente a mesma voz murmura: “Ela tem câncer de estômago”.

Através de um ponto eletrônico escondido na orelha, Popoff mantinha uma comunicação direta não com Deus, mas com sua mulher, Elizabeth, pela frequência de 39,17 MHz. Quando o reverendo era uma celebridade da cura espiritual, a farsa foi descoberta por um investidor do Comitê para a Investigação Cética e pelo mágico James Randi.

Ilustração de Peter Popoff.

Em 1986, Randi revelou a investigação sobre Popoff no programa de entrevistas de Johnny Carson, um dos apresentadores de maior audiência dos EUA. Popoff pediu falência naquele ano, mas milagrosamente se reergueu e segue na ativa até hoje. Até então, Popoff arrebatava milhões de seguidores – e de dólares – dizendo falar com o divino, que passava detalhes precisos sobre nome, diagnóstico e endereço completo do doente.

O público ficava estarrecido com o dom paranormal do reverendo, que aparecia em programas de TVs e de rádio. Para sustentar a estrutura, Popoff e a mulher enviavam cartas personalizadas a milhares de americanos com pedidos de dinheiro. A cada semana, recebiam cheques endossados aos Ministérios Peter Popoff. Durante os eventos públicos de “cura espiritual”, não raro Popoff pedia aos fiéis que lançassem no palco seus medicamentos para se “libertar do Diabo”.

Choviam comprimidos para controle do diabetes e depressão. Após participar de um desses eventos, Randi e o mago Steve Shaw ficaram encasquetados com a precisão do reverendo. Até que Shaw viu um dispositivo no ouvido esquerdo do susposto médium. A dupla, então, convocou um especialista de vigilância eletrônica, Alec Jason, que descobriu a frequência com que Popoff e Elizabeth (Deus, no caso) se comunicavam, a de 39,17 MHz.

A tarefa de Elizabeth era descobrir detalhes da vida dos fiéis com antecedência e avisar o marido no momento em que ele subia ao palco. Jason gravou horas da conversa do casal durante os cultos, mas Randi não se deu por satisfeito.

Ele queria mais evidências da farsa. Convocou voluntários em diversas cidades onde Popoff iria promover seus megaeventos de cura para mentir nomes e doenças. Deu certo. Um dos voluntários, Don Henvick, encarnou vários personagens e foi “curado” várias vezes pelo reverendo. Henvick chegou a se passar por uma mulher e ser “curado” de câncer no útero.

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