"Small Fry"
Em 24 de janeiro de 1955, nasceu o bebê do sírio Abdulfattah Jandali com a americana Joanne Schieble. Ele era filho de empresário, ela, professora, os dois eram bem jovens (ele tinha 24, ela 23). A família de Joanne não aceitou o casamento, pois Jandali era árabe, e resolveram dar o bebê. Os pais adotivos foram Paul e Clara Jobs, casal de classe média baixa de San Francisco.
Steve amava os dois, mas aos 20 e poucos anos foi atrás da mãe biológica. Encontrou o médico que havia feito seu parto e lhe perguntou qual era o nome dela. O doutor disse que não sabia e nem poderia dizer, pois isso violaria a confidencialidade. Quando Steve saiu do consultório, o médico escreveu: “Por ocasião da minha morte, favor dizer a Steve Jobs que eu conheço, sim, a sua mãe, e que o nome dela é Joanne.” Quatro horas depois, o médico morreu de ataque cardíaco. Steve recebeu a carta, encontrou a mãe e soube que tinha uma irmã mais nova, Mona, com quem formou um vínculo imediato.
Ele só não queria saber de Lisa. Aos 7 anos, a menina já tinha mudado de casa 13 vezes com a mãe por falta de dinheiro. Mas, a partir de seu oitavo aniversário, Steve passou a visitá-la uma vez por mês. Ele tinha sido afastado da Apple após o fiasco de vendas do computador Lisa, e estava montando outra empresa de tecnologia, a NeXT. A dinâmica se repetiria nos anos seguintes. “Quando fracassava no trabalho, ele se lembrava de nós. Começava a nos visitar, queria uma relação comigo”, diz Lisa.
Sempre que aparecia, Steve levava a filha para andar de skate. E ela aos poucos nutriu um intenso amor pelo pai. “Ele era rico, mas tinha buracos no jeans; era bem-sucedido, mas quase não falava; era elegante, mas desajeitado; era famoso, mas parecia desolado e sozinho; inventou um computador e lhe deu o meu nome, mas não mencionava isso”, escreve Lisa. “Esses traços contrastantes poderiam ser qualidades, dependendo do ângulo. E agora que ele estava em minha vida, ainda que só uma vez por mês, eu não tinha esperado em vão.”
Nas noites de quarta, Lisa dormia na casa do pai enquanto a mãe tinha aula na faculdade de artes. A mansão ficava em Woodside, a 20 minutos de Palo Alto. Os banheiros tinham azulejos mouriscos e torneiras de bronze. Na cozinha, Steve oferecia à filha sucos escuros, cenoura ralada com groselha, trigo bulgur e “o melhor azeite de oliva do mundo”. Também repetia que morreria cedo. “Me enterre debaixo de uma macieira”, dizia. “Sem caixão.”
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Numa dessas noites, Lisa não conseguiu dormir e foi até o quarto do pai, onde ele via TV. “Tive um pesadelo. Posso dormir na sua cama?”, ela perguntou. “Acho que sim”, ele respondeu, secamente. Lisa notou que seus pedidos o incomodavam. Ele não era o pai que ela tinha imaginado. “Sim, havia um elevador, um piano e um órgão na casa. Ele era rico, famoso e bonito, mas aquilo era temperado pelo vazio que eu sentia perto dele, um sentimento de muita solidão”, ela escreve.
O pior era quando ele a provocava com piadas sem graça. Por exemplo, quando disse que os rapazes iam adorar a cama que a tia Mona daria para ela. “Quem você vai convidar para essa cama?”, ele perguntou. Steve também a apelidou de Small Fry. “Imaginei que era aquela batatinha frita do fundo do saco. Achei que ele estava me chamando de ‘tampinha’ ou desprezível”, diz Lisa. “Depois, fiquei sabendo que fry é um termo para designar os peixes jovens, que são jogados de volta ao mar para crescerem.”
Ao andar de skate, Steve levantava a filha pelas canelas. Lisa balançava lá no alto, com medo de se esborrachar no chão. “Com o tempo, aprendi que ele sempre acabava caindo. Mas eu deixava que me carregasse, porque isso parecia importante para ele”, diz. Pai e filha não andavam de mãos dadas. Steve só segurava a mão dela ao atravessar a rua. “Você sabe por que nos damos as mãos?”, perguntou uma vez. “Porque sim?”, sugeriu ela, esperando que ele dissesse “porque eu sou o seu pai”. “Não”, respondeu ele. “Pelo seguinte: se um carro estiver a ponto de te atropelar, eu posso jogar você para fora da rua.”
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O humor de Jobs podia azedar rápido, principalmente em restaurantes. Chrisann e Lisa tinham cuidado ao pedir os pratos, pois ele condenava o consumo de carne, que considerava impura. Um dia os três foram almoçar com Sarah, prima de Lisa. “Quero hambúrguer”, pediu a menininha. Após as primeiras mordidas, a cara de Steve se contraiu. “O que há de errado com você?”, ele perguntou. “Você não sabe falar. Você não sabe nem comer. Você está comendo merda.” Sarah segurou o choro, mas ele continuou. “Você já pensou em como a sua voz é horrível? Não quero passar nem mais um minuto com você.”
Pouco tempo depois, Steve começou a namorar Tina, uma engenheira que havia trabalhado na Apple. Quando a beijava diante de Lisa, Steve passava a mão em seus seios. “Mmmm”, ele dizia. Steve e Tina terminaram e voltaram pelo menos dez vezes em seis meses. “Quando terminavam, ele mal podia caminhar de tristeza”, diz Lisa. “Ficava amarelado e pálido, comendo só cenouras. Quando voltavam, ele pulava e cantava.” Toda vez que Tina o largava, Steve aparecia na casa de Chrisann. “Embora quase não falasse com a gente, era a nós que ele procurava quando a vida ficava difícil”, diz Lisa. Ela percebia um tom fatalista no pai. Foi assim no dia em que ambos viram um mendigo, estropiado e desdentado, na rua. “Esse sou eu daqui a dois anos”, disse Steve.