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A reinvenção do desktop

Após uma década em queda, as vendas de computadores explodiram na pandemia. A Apple respondeu repensando o iMac – pela primeira vez em 15 anos. A Microsoft reagiu com o Windows 11, novo e polêmico, e o serviço Windows 365: que roda na nuvem e promete resolver todos os problemas dos PCs.

Texto Bruno Garattoni
Ilustração Estúdio Trema
Design Carlos Eduardo Hara

“Faz dez meses que uma nova gestão assumiu a Apple. Eles estão trabalhando muito, você vê carros no estacionamento à noite e nos finais de semana. E graças a isso posso dizer a vocês, hoje, que a Apple está de volta aos trilhos.” Assim começa a apresentação de Steve Jobs no dia 6 de maio de 1998, dez meses após reassumir o controle da empresa da qual fora demitido em 1985. Jobs fala a um grupo de jornalistas e desenvolvedores no auditório da De Anza Community College – a faculdade em que ele estudou um tempo (desistiu no segundo semestre) e onde revelou ao mundo o primeiro Macintosh, em 1984.

Mas a pompa do evento e sua vibe de “volta às origens” ocultam uma verdade sombria: a Apple ainda estava à beira do abismo. Jobs encontrou uma empresa que perdia dinheiro, teve que demitir 30% dos funcionários, tinha quase US$ 1 bilhão em dívidas – e, como Steve revelaria muitos anos depois, chegou a 90 dias de decretar falência. Mas, no discurso de 1998, ele não menciona nada disso, e tenta mostrar que as coisas estão melhorando. Depois de citar alguns números modestos (“nossa fatia de mercado cresceu de 3,4% para 4%”) e mostrar um novo laptop profissional (o PowerBook G3, que se revelaria um fracasso de vendas), Jobs apresenta “o iMac, nosso produto doméstico”.

Ele era monobloco, colorido, translúcido – totalmente diferente dos PCs da época, conjuntos de monitor, torre e caixas de som beges. Era bonito, convidativo, claramente pensado para se ter em casa; nada a ver com os PCs, objetos com DNA de escritório que a maioria das pessoas ainda considerava um pouco intimidantes. A Apple explorou ao máximo essa sensação: chegou a veicular uma propaganda de TV em que uma criança instalava um iMac e o conectava à internet em oito minutos, enquanto um adulto levava meia hora com um PC. A ideia pegou, e a empresa vendeu 5 milhões de iMacs nos três primeiros anos. Ela estava salva – e pronta para dar seus próximos saltos, o iPod e o iPhone. Mas o iMac ficou  em segundo plano, a ponto de passar 15 anos com o mesmo design. 

O mercado também não ajudou. As pessoas costumam mudar de smartphone a cada dois ou três anos, mas quando foi a última vez que você trocou de computador? Deve fazer bem mais tempo. As vendas de PCs passaram a década passada em queda. Tanto que, ao lançar o Windows 10, em 2015, a Microsoft fez o impensável: liberou a nova versão de graça e anunciou que seria a última – dali em diante, haveria apenas atualizações do próprio Windows 10. Ele, que já fora a joia da coroa da empresa, agora correspondia a menos de 30% do seu faturamento.

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Em suma, o desktop estava morrendo. Mas a pandemia mudou tudo. Com as pessoas passando a trabalhar de casa, o computador doméstico voltou a ter importância e muita gente resolveu trocar o seu: no último trimestre do ano passado, foram vendidos 69,9 milhões de PCs no mundo, segundo a consultoria Gartner. Foi um crescimento de 32% em relação a 2019, e está acelerando: no primeiro trimestre deste ano, as vendas dispararam 47%, no maior aumento em 20 anos. Nunca se comprou tanto computador, e é por isso que os preços subiram tanto (não é só o dólar).

A indústria de chips está no limite, não consegue atender à demanda – e é pressionada também pela necessidade de expansão dos data centers dos serviços online, cujo uso disparou na pandemia. A falta de semicondutores já repercute até em outras áreas: GM, Fiat e Volkswagen tiveram de paralisar ou reduzir a fabricação de seus carros, pois não conseguem os chips necessários (um carro tem até 150 deles), e a Ford anunciou que vai produzir 1,1 milhão de veículos a menos este ano por causa disso. Até os fabricantes de geladeiras, máquinas de lavar e micro-ondas começaram a ser afetados.

Enquanto esses setores sofrem, a indústria de computadores corre para surfar a onda. O primeiro movimento veio da Apple, que finalmente redesenhou o iMac. Ele foi lançado em sete cores, retomando a estética alegre da primeira versão, e vem com o processador M1, que é rápido e gasta pouca energia (o mesmo dos novos MacBooks, que graças a isso alcançam inéditas 16 a 18h de bateria). Mas, principalmente, é muito fino: tem 1,1 cm, pouco mais do que um lápis. A entrada para fones de ouvido teve de ser colocada na lateral – ou o plugue atravessaria o computador. 

Apesar disso, o iMac é meio oco: a placa-mãe ocupa um espaço muito pequeno [veja quadro abaixo]. As peças que mais chamam atenção são os alto-falantes, seis, e duas placas de metal. São câmaras acústicas, que funcionam conectadas aos quatro woofers (alto-falantes de graves) e servem para absorver o ar que eles empurram ao se mover para trás. Isso permite que os alto-falantes se desloquem mais, aumentando a potência e a precisão dos sons graves.

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<strong>Clique na imagem para ampliá-la.</strong>
Clique na imagem para ampliá-la. (Estúdio Trema/Carlos Eduardo Hara/Bruno Garattoni/Superinteressante)

A Apple se esforçou no sistema de som do iMac, e isso é perceptível: a qualidade de áudio surpreende. A tela, de 24 polegadas, também se destaca: tem resolução 4,5K, com 218 pixels por polegada. Isso é 2,4 vezes a densidade de um monitor Full HD, e realmente torna as imagens mais nítidas (ao voltar para um Full HD, depois, tudo parece meio borrado). Apesar de ser coberta por uma placa de vidro, a tela do iMac sofre bem poucos reflexos da luz ambiente. E a webcam é excelente – sua imagem é tão boa que nem parece de webcam.

Já o teclado e o mouse exigem um período de adaptação. Eles são bonitos, na mesma cor do computador, e sem fio. Mas as teclas são bem “rasas”, com pouco curso, o que torna a digitação meio dura. As setas do teclado são bem pequenas: se você costuma usá-las bastante, para rolar páginas ou editar textos, vai sofrer um pouco no começo.

E o mouse não tem rodinha: você rola as páginas passando o dedo na superfície dele. Essa combinação de fatores atrapalha bastante logo de cara. Fica parecendo que a Apple colocou o design acima da ergonomia (como no primeiro iMac, cujo mouse fez fama por ser bonito e desconfortável). Mas, depois de três ou quatro dias de uso, você se acostuma e passa a gostar dos novos teclado e mouse.

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<strong>Clique na imagem para ampliá-la.</strong>
Clique na imagem para ampliá-la. (Bruno Garattoni/Apple/Divulgação)

Assim como nos MacBooks, há duas opções de chip M1 para o novo iMac. Elas têm os mesmos oito núcleos de processamento (quatro de alta performance, só acionados quando necessário, e quatro de baixo consumo de energia) e a mesma frequência de operação, 3,2 GHz. A diferença é que, num dos modelos, a GPU – acelerador de vídeo embutido no chip – tem sete núcleos, contra oito núcleos no outro. Uma diferença mínima.

A Apple provavelmente só oferece essa versão com GPU “menor” por uma questão técnica, de yield (rendimento). Durante a fabricação do M1, e de qualquer chip, algumas unidades acabam saindo com defeito em um ou dois núcleos – e aí, em vez de jogá-las no lixo, o fabricante simplesmente desabilita aqueles núcleos e vende mais barato. 

O iMac com a versão “básica” do M1 tem outra particularidade: possui apenas um cooler (ventoinha), contra dois coolers na versão mais cara. Isso significa que, em tarefas que usam 100% da potência da CPU de forma contínua – renderizar um vídeo no Premiere, por exemplo –, o computador pode reduzir a velocidade do chip em até 15% para evitar superaquecimento. Tudo bem. Na prática, sobra performance: dá para editar fotos com dezenas de layers, trabalhar tranquilo com vídeos em 4K (e até 8K) ou navegar por planilhas gigantes – coisas que, vale dizer, os processadores Intel dos iMacs anteriores já faziam muito bem.

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O chip M1 esquenta menos, e é isso que permite que o novo iMac seja tão fino. Ele também gasta menos eletricidade. Mas, no desktop, o consumo de energia não é uma questão crítica (a não ser por uma economia, que na prática é pequena, na conta de luz). O M1 não é um salto tão grande, para o iMac, quanto foi nos MacBooks.

A versão “básica” do iMac só está disponível em quatro cores (azul, verde, rosa e prata), tem apenas duas entradas USB, e seu teclado não vem com leitor de impressões digitais, que substitui as senhas – ele é exclusivo do iMac mais caro, único com todas as sete opções de cor (também tem amarelo, laranja e roxo). Em ambos os casos, os preços são surreais: R$ 17.599 e R$ 20.099 (contra US$ 1.299 e US$ 1.499 nos EUA).

Mas vale fazer uma ressalva. No começo do ano, os novos MacBooks também chegaram ao Brasil custando fortunas: o Air saía por R$ 13 mil. No site da Apple, o preço ainda é esse – mas o produto frequentemente pode ser encontrado por muito menos no varejo (enquanto este texto era escrito, o MacBook Air com chip M1 estava por R$ 8.069 nas Americanas e R$ 7.749 na Amazon). É possível que isso também aconteça com o novo iMac.

Mesmo se tiver essa queda de preço, ele ainda estará fora do alcance da maioria das pessoas, que continuarão usando PCs com Windows. Eles são os computadores da vida real. Que também devem mudar daqui para a frente, inclusive com a metamorfose do sistema da Microsoft em algo diferente: uma “máquina virtual” online, sempre pronta e praticamente imune a vírus e outros problemas – e com o uso pago todo mês.

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O oleoduto e o chip

No dia 7 de maio, a rede de oleodutos Colonial Pipeline, que abastece todo o leste dos EUA, deixou de funcionar. Vários aeroportos ficaram sem combustível para os aviões, e faltou gasolina nos postos de cinco Estados do país. Os oleodutos pararam porque a empresa de mesmo nome, que os administra, foi vítima de um ransomware: vírus que “sequestra” todos os arquivos da vítima, codificando-os (e exige o pagamento de um resgate).

O alvo seguinte foi a produtora de carne JBS, que em junho sofreu um ataque de ransomware e teve de interromper suas operações nos EUA. Há uma onda de ataques do tipo no país, tanto que a Casa Branca já cogita aplicar sanções econômicas contra a China e novas medidas contra a Rússia – nações onde os ransomwares supostamente se originam.

Não há provas dessa origem, mas uma coisa é certa: todos os ataques miram no mesmo alvo, o Windows. Para tentar frear isso, a Microsoft tomou uma decisão drástica na nova versão do sistema, que deverá ser lançada em outubro (mas já teve um beta liberado para download). Para rodar o sistema, o computador precisará ter um TPM (Trusted Platform Module), que é um chip criptográfico instalado na placa-mãe ou embutido na CPU principal. O Windows 11 tem o visual levemente diferente, com os cantos das janelas arredondados, e também vai rodar aplicativos de Android. Mas sua principal novidade é mesmo a exigência do TPM.

Na prática, ela significa que os PCs fabricados antes do segundo semestre de 2017 não poderão usar o novo sistema. Não é o fim do mundo (dá para continuar com o Windows 10, que receberá atualizações de segurança até 2025, ou instalar o Linux), mas significa uma ruptura sem precedentes na história da Microsoft – que vai deixar para trás uma grande fatia dos 1,3 bilhão de computadores que atualmente rodam Windows.

O TPM armazena um “atestado criptográfico”, que é como se fosse uma fotografia do Windows. A cada vez que o computador é ligado, o chip compara essa “foto” com os arquivos que o PC está carregando – e consegue detectar se o sistema operacional foi adulterado por vírus. Se isso acontecer, ele interrompe o boot e alerta o usuário. Isso torna os PCs mais seguros, mas não tanto quanto se imagina. “O Windows 11 não vai resolver os ataques de ransomware”, diz Fabio Assolini, pesquisador da empresa de segurança Kaspersky.

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<strong>Clique na imagem para ampliá-la.</strong>
Clique na imagem para ampliá-la. (Estúdio Trema/Microsoft/Reprodução)

Na prática, o chip só detecta a ação de vírus quando o computador é reiniciado – mas não impede sua ação entre um boot e outro. “Se você tem o Windows 11 instalado, usa uma conta de administrador (1) e executa um software malicioso, como um ransomware, o TPM não vai te proteger disso”, diz Assolini. O chip não atua durante o uso do PC porque isso exigiria muito processamento – ou deixaria o computador lento.

Existem dois jeitos de impedir os ataques ao Windows. Educar as pessoas para que elas não cliquem em arquivos ou links suspeitos (o que não tem adiantado muito), ou assumir o papel de babá e supervisionar o uso do PC. Essa é a essência do serviço Windows 365, recém-lançado nos EUA. Ele dá acesso a um Windows virtual, que roda nos servidores da Microsoft. Basta abrir um navegador, digitar o seu login e senha, e pronto: a sua área de trabalho está lá, com todos os programas e arquivos.

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O sistema é idêntico ao Windows comum (você pode escolher o Windows 10 ou 11, ambos na “nuvem”), só que muito menos suscetível a ransomware e vírus em geral. Isso porque os servidores da Microsoft analisam os arquivos que entram e saem do PC virtual e fazem backup dos documentos do usuário sempre que ele os altera. Se você acabar executando um ransomware ou vírus, há salvação: com meia dúzia de cliques, joga fora o desktop contaminado (que é substituído por uma cópia limpa do Windows) e recupera seus arquivos – pois os servidores guardaram cópias deles antes que fossem sequestrados. O computador queimou, deu pau, foi roubado? Sem problemas: está tudo na nuvem.

O Windows 365 custa a partir de US$ 20 mensais (por um PC virtual bem simplório, com CPU single-core, 2 GB de memória RAM e 64 GB de armazenamento) e vai até US$ 162 na configuração mais forte, com CPU de oito núcleos e 32 gigas de RAM. Ou seja: não é barato. Por enquanto, a maioria das pessoas deve continuar usando computador do jeito tradicional, com os programas rodando localmente mesmo. Mas a computação virtual tem tudo para pegar. Falta só alguém começar a oferecê-la de graça.

Quando (e se) isso acontecer, o desktop na nuvem se tornará universal. Da mesma forma que o Gmail, 100% online e confiável, virou o padrão do email – e hoje ninguém em sã consciência o trocaria por uma caixa de correio local. Como aquelas que todo mundo guardava, até o começo dos anos 2000, no velho e lento Outlook.

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(1. A conta de administrador (admin) tem permissão para instalar programas e modificar arquivos de sistema – em contraste com as contas de usuário (user), que não têm esse poder. Ela é usada como padrão na maioria dos PCs.)

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