Hitchcock consolidou seu status de mestre do suspense com produções calcadas na psicanálise freudiana.
Texto: Alexandre Carvalho | Edição de arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria | Imagens: Getty Images e Divulgação
Texto: Alexandre Carvalho | Edição de arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria | Imagens: Getty Images e Divulgação
Psycho | Direção: Alfred Hitchcock | Roteiro: Joseph Stefano
Considerado pelo American Film Institute como o segundo maior vilão do cinema (o primeiro é o doutor canibal de O Silêncio dos Inocentes), Norman Bates, interpretado por Anthony Perkins, é um personagem com um grande desvio em seu desenvolvimento psicossexual. Norman é obcecado pela figura materna – a tal ponto que, saberemos pela boca de um psiquiatra, ele já havia matado a própria mãe e o padrasto, por ciúmes.
Depois desses assassinatos – que acontecem antes dos eventos mostrados no filme –, e diante da impossibilidade de ter a mãe como objeto de desejo, o gerente de motel mais famoso do mundo desenvolve um transtorno mental e passa a se identificar com ela de maneira alucinada. É isso o que gera a transformação-chave desse suspense: Norman Bates divide a própria personalidade com a da mãe morta, uma mulher extremamente possessiva e repressora, e transforma a fúria desse Superego materno em uma sequência de novos homicídios.
O filósofo e teórico do cinema Slavoj Žižek sugere mais uma interpretação psicanalítica interessante para o filme, especificamente para o motel da família Bates, associando-o às três instâncias da estrutura mental segundo Freud. O porão do estabelecimento, que é onde Norman guarda o cadáver mumificado da mãe, seria o espaço do Id, onde todas as loucuras seriam possíveis. O andar térreo, onde ele até parece uma pessoa normal, atendendo os hóspedes, seria o espaço do Ego, a subpersonalidade que precisa adequar os arroubos sociopatas do Id às exigências da realidade – afinal, o motel precisa ser um negócio viável para que seu dono possa manter-se. Já o andar superior seria o espaço do Superego, de onde vêm as censuras da mãe – internalizadas pela mente insana de Norman –, uma Jocasta do mal que não quer saber de mulheres com seu filho naquele motel. Muito menos nuas debaixo de um chuveiro.
A sequência mais famosa do filme – que é também um dos momentos mais icônicos de toda a história do cinema – dura exatos 45 segundos de taquicardia. Norman Bates esfaqueando a hóspede em pleno banho, fantasiado com as roupas de sua mãe morta – uma cena de horror extremo, que poderia complicar a vida de Hitchcock junto aos censores. O Código Hays – conjunto de normas morais aplicadas aos filmes nos EUA até 1968 – iria barrar tanto a nudez da atriz Janet Leigh quanto os golpes de faca que matariam sua personagem.
Mas o que se vê, em ritmo vertiginoso, é um mosaico de dezenas de imagens recortadas: closes, ângulos de baixo para cima, de cima para baixo, do chuveiro, da faca, do braço da vítima, seu umbigo, pés, rosto, boca gritando, o sangue escorrendo para o ralo. O diretor retalha a cena da mesma forma que o assassino faz com o corpo da vítima.
Mesmo sem ser explícita, essa sequência é tão impactante que, após o lançamento do filme, os produtores receberam cartas de pais reclamando: suas filhas estavam com medo de ir para o chuveiro sozinhas.
Spellbound | Direção: Alfred Hitchcock | Roteiro: Ben Hecht
Hitchcock flertou com as ideias de Freud em diversos momentos, mas este é o “filme de psicanálise” oficial do diretor. Tanto que a abertura do longa-metragem já avisa: “Nossa história lida com a psicanálise, um método pelo qual a ciência moderna trata os problemas emocionais das pessoas sadias. O analista procura induzir o paciente a falar sobre suas questões ocultas, a abrir as portas trancadas da sua mente. Uma vez que os complexos que perturbam o paciente são descobertos e interpretados, a doença e a confusão desaparecem… e os demônios da irracionalidade são retirados da mente humana”.
A história trata do romance entre dois psicanalistas, Constance Petersen (Ingrid Bergman) e Anthony Edwardes (Gregory Peck). O conflito se dá quando o personagem de Peck é tomado por um sentimento de culpa após uma crise de amnésia – ele começa a acreditar que pode ter matado o verdadeiro dr. Edwardes e assumido sua identidade. Mas será mesmo? É nesse momento que o suposto assassino desmemoriado vira paciente da sua colega, e Constance se apressa com as armas da psicanálise para chegar à memória reprimida dele – numa corrida contra os policiais, que também querem saber a verdade.
Para chegar aos conteúdos ocultos dessa mente suspeita, nossa heroína recorre a um dos grandes hits de Sigmund Freud: a interpretação dos sonhos. E quem ganha com isso é o espectador. As sequências oníricas estão entre as melhores desse tipo no cinema, inspiradas nas obras de Salvador Dalí – justamente o artista que levou a outro tipo de tela a exploração do inconsciente.
Vertigo | Direção: Alfred Hitchcock | Roteiro: Alec Coppel e Samuel Taylor
Um dos grandes filmes de mistério, Um Corpo que Cai é digno de divã. Tem fobia, amor obsessivo e perversão sexual. Repare nas espirais que brotam de um olho na abertura do filme. São pistas para o enredo labiríntico que virá a seguir.
Scottie (James Stewart) é um detetive contratado para seguir Madeleine (Kim Novak), que tem tendências suicidas. Só que acaba se apaixonando por ela. Então, quando a investigada sobe ao alto de uma torre de igreja para se matar, ele é incapaz de detê-la. E o motivo é um distúrbio mental: Scottie tem acrofobia, medo irracional de altura.
Cheio de culpa, ele sofre um choque quando, tempos depois, encontra uma mulher incrivelmente parecida com Madeleine. Hum… Suspeito, não? Mas o detetive está cego pelo que Freud descreveria como um desejo fetichista: tornar essa mulher cada vez mais parecida com a amante suicida – exigindo que mude a cor do cabelo e vista roupas idênticas às da outra. “Esse homem quer se deitar com uma falecida, é pura necrofilia”, explicaria Hitchcock.
The Birds | Direção: Alfred Hitchcock | Roteiro: Evan Hunter
Estamos diante de um dos filmes mais enigmáticos de todos os tempos. Desde seu lançamento, na década de 1960, todos os que veem Os Pássaros se enchem de perguntas: por que essas aves se comportam de forma monstruosa? Por que decidem atacar pessoas num grau crescente de ferocidade? O que está acontecendo é um fenômeno localizado ou tomou o mundo inteiro? Trata-se de uma vingança da natureza ou é uma simbologia para os nossos medos mais profundos e irracionais? (Segundo a perspectiva freudiana, claro, é o segundo caso.)
Acompanhamos o início de um romance entre Melanie (Tippi Hedren) e Mitch (Rod Taylor), uma paixão que convive em desarmonia com os olhares ciumentos da mãe dele, a viúva Lydia (Jessica Tandy), e outras mulheres de sua cidade. Haveria uma ligação psicológica entre esses sentimentos hostis e a violência dos corvos? Óbvio que sim, diz o professor Paul Gordon, da Universidade do Colorado, um especialista em analisar cinema e literatura à luz da psicanálise. Os pássaros seriam símbolos de castração, que estão ali para afastar Melanie de seu objeto sexual – o namorado. Num contexto edipiano tão importante quanto o de Psicose, o ataque das aves é uma manifestação metafórica da raiva e do ciúme da viúva, que quer seu filhinho só para ela.
Além disso, o filme retrata o tipo de cotidiano vivido, segundo a psiquiatria, por quem sofre de transtorno de ansiedade: é repleto de elementos que causam pânico (sejam insetos, multidões, trovões…) – ainda que o paciente não saiba explicar por que tais elementos parecem tão perigosos.
Rear Window | Direção: Alfred Hitchcock | Roteiro: John Michael Hayes
Reportagens perigosas são a especialidade do fotógrafo Jeff (James Stewart). Podemos deduzir pelas fotos que decoram sua residência. De molho por causa de uma perna quebrada, ele passa o tempo observando, com um binóculo, os moradores dos apartamentos em frente ao seu – que deixam portas e janelas abertas por causa do calor.
Esse voyeurismo começa como um passatempo inocente, mas Jeff vai ficando viciado na coisa, começa a pensar em si como um espião amador. Numa de suas espionagens ele acredita ter descoberto um assassinato – e decide investigá-lo. Imóvel em sua cadeira, Jeff acaba envolvendo a namorada, Lisa (Grace Kelly). É ela quem vai invadir o apartamento onde o crime pode ter ocorrido – enquanto ele observa de longe… com um misto de aflição e prazer secreto.
Essa compulsão foi analisada por Freud em seus estudos da sexualidade. Para ele, olhar à distância nos dá um controle que é também poder. Enquanto o voyeur observa seus alvos, eles estão impotentes contra a curiosidade mórbida da qual são objetos.
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