1. O agrotóxico está envenenando você
Reportagem originalmente publicada pela Super em setembro de 2017
No século 15, o médico suíço Paracelso cunhou uma das frases mais famosas do mundo científico: sola dosis facit venenum, ou “a dose faz o veneno”. Ele queria dizer que tudo pode ser venenoso ou não, dependendo da dose.
Até algo tão inofensivo quanto a água pode fazer mal (se ingerida em grande quantidade, mais de 6 litros em três horas, causa a chamada intoxicação hídrica, que pode levar à morte). Da mesma forma, até algo tão venenoso quanto os agrotóxicos pode ser inofensivo. Tudo depende da dose.
Existe um limite dentro do qual os agrotóxicos podem ser utilizados com segurança, sem causar riscos à saúde. Ele se chama Ingestão Diária Aceitável (IDA), que calcula quanto agrotóxico um ser humano pode ingerir, todos os dias e durante toda a vida, sem apresentar problemas de saúde.
Esse conceito é baseado em testes realizados com cobaias de laboratório – e utilizado pelos governos de todos os países, inclusive o do Brasil, para definir o nível máximo de resíduos de agrotóxicos que os alimentos podem ter. O limite varia conforme a toxidade de cada produto, mas geralmente é de 0,01 mg a 0,5 mg a cada quilo de comida.
A Anvisa fiscaliza isso, num estudo chamado PARA: Programa de Análise de Resíduos em Alimentos. Em sua última edição, ele analisou 12 mil amostras, coletadas em todo o Brasil. Mais de 80% foram consideradas seguras. Metade delas não tinha nenhum resíduo de agrotóxico.
A outra metade tinha, mas dentro do nível permitido. Alguns alimentos, como arroz, feijão e banana, superam 90% de amostras seguras. E o estudo analisa os alimentos brutos, ou seja, com casca e sem lavar. Tomando esses dois cuidados, é possível reduzir significativamente (ainda que não totalmente) os resíduos de agrotóxicos.
O risco é maior em alimentos como morango, uva, abobrinha e pimentão. Este último apresentou apenas 11% de amostras aceitáveis, ou seja, nove de cada dez pimentões vendidos no País apresentam excesso de agrotóxico, ou contêm tipos de agrotóxico que não são permitidos. É um problema grave – e pode, sim, ser perigoso.
Nos Estados Unidos, 99,6% das verduras estão dentro das normas de segurança. Ou seja, o Brasil tem muito o que melhorar. Mas você não precisa se descabelar, nem achar que está morrendo, só porque consome verduras e legumes cultivados com o uso de agrotóxicos. Evite os alimentos mais contaminados, coma orgânicos sempre que puder, e siga sua vida.
O maior perigo dos agrotóxicos é para o agricultor, que tem contato próximo com grandes quantidades desses produtos. Um estudo da Universidade Federal de São Carlos revelou que 40% dos lavradores não utilizam todos os equipamentos de proteção necessários. “Eles sofrem intoxicação crônica”, afirma Rosany Bochner, coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox).
O noroeste gaúcho, região do Brasil onde mais se usa agrotóxico, também é a com maiores taxas de câncer – por conta, justamente, da incidência dessa doença entre os agricultores.
Se é assim, não seria melhor abrir mão de tudo, e plantar só orgânicos? Seria. Mas há um obstáculo econômico: as lavouras orgânicas, em média, rendem menos alimentos.
Uma análise feita pelo biólogo Steve Savage comparou a produtividade de 370 plantações tradicionais e orgânicas nos EUA. Em 55 casos, as lavouras orgânicas conseguiam ser mais produtivas. Nos outros 315, a plantação tradicional apresentava maior rendimento por hectare (com a vantagem chegando a 84%).
“Hoje é impossível na agricultura extensiva, com a quantidade de alimentos que precisamos produzir, não utilizar os defensivos agrícolas”, diz Pedro Christofoletti, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP.
Os vegetais mais e menos contaminados
Se usados conforme os limites definidos em lei, os agrotóxicos são seguros. O problema é que nem sempre eles são obedecidos.
Total de amostras analisadas: 12.051
Total de amostras dentro do padrão: 9.680
Porcentagem de alimentos seguros: 80,3%
Fontes: Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – Resultados de 2013 a 2015. Anvisa; 2015 Annual Pesticide Data Program Summary, United States Department of Agriculture.