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Por que Pepe Le Pew está fora do novo Space Jam – e de todos os projetos da Warner Bros.

Ele até chegou a ter uma cena no novo filme, mas ela foi cortada. Nos últimos anos, o personagem foi problematizado – para alguns, ele normaliza atos de assédio sexual. Entenda.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 10 mar 2021, 12h17 - Publicado em 10 mar 2021, 11h55

Os fãs dos Looney Tunes têm motivos de sobra para ficarem empolgados em 2021. Em julho, estreia Space Jam: Um Novo Legado, a continuação de Space Jam (1996), 25 anos após o filme original.

Desta vez, o protagonista será o jogador LeBron James, astro do Los Angeles Lakers e que terá a tarefa de assumir o manto de Michael Jordan – a estrela do primeiro filme. Além de LeBron, o filme, orçado em US$ 161 milhões (duas vezes mais caro que o primeiro), é produzido por Ryan Coogler (o diretor de Pantera Negra) e terá participações tanto de atletas da NBA quanto da WNBA – a liga feminina do basquete americano.

Ah, é claro: todos os Looney Tunes estão de volta. Pernalonga, Patolino, Lola Bunny… Bem, nem todos. Nesta semana, o site The Hollywood Reporter noticiou que o gambá Pepe Le Pew não estará na sequência de Space Jam. De fato, ele até tinha uma cena no longa – que chegou a ser gravada com LeBron e com a modelo brasileira Greice Santo –, mas ela acabou cortada.

O motivo? Para muitos, o comportamento do personagem é questionável. Alguns argumentam, inclusive, que ele normaliza a cultura do assédio e do estupro. Para entender essa polêmica, voltemos algumas décadas no tempo.

Cena do filme Space Jam, com foco no personagem Pepe Le Pew.
(Warner Bros./Reprodução)

Pepe apareceu nos desenhos pela primeira vez em 1945, no curta Odor-able Kitty. Para quem não se lembra, ele é um gambá francês inconveniente pelo seu odor, claro, e pelas suas insistentes investidas amorosas. Nas animações, ele está sempre atrás da gatinha Penélope – por ser uma gata preta com uma lista branca, Pepe acredita fortemente que ela também é um gambá.

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Desde sua criação, o personagem integrou o segundo escalão de personagens dos Looney Tunes. Ao longo das décadas, ele apareceu majoritariamente como coadjuvante em desenhos, filmes, games e comerciais.

No início do século 21, contudo, algumas pessoas passaram a questionar o comportamento do personagem. Em 2000, o comediante americano Dave Chappelle, em um especial de stand-up para a TV, disse que Pepe não passava de um estuprador. Já em 2017, um artigo de Amber E. George, pesquisadora de filosofia e diversidade cultural, reforçou as impressões negativas sobre o gambá. Veja abaixo um trecho da pesquisa:

“No curta For Scent-mental Reasons (1949), Pepe Le Pew, o gambá franco-americano é responsável por assédio sexual, perseguição (stalking) e abuso. Egocêntrico e hiperssexual, Pepe está obcecado em desenvolver um relacionamento íntimo com a gata Penélope. Ele a assedia sexualmente tocando, beijando-a à força e prendendo-a nos braços, sem nenhuma preocupação aparente com o consentimento dela.”

Sobre Penélope, George reforça que ela “é um símbolo dos estereótipos de gênero do passado e do presente, além de refletir a violência satirizada que, frequentemente, mulheres precisam vivenciar dentro da cultura patriarcal”.

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O curta analisado está disponível no YouTube:

Como seria a cena de Pepe no novo Space Jam?

A polêmica em torno de Pepe reacendeu no dia 3 de março, quando o personagem foi mencionado em um artigo de opinião do jornal New York Times. Nele, o colunista Charles M. Blow conta como foi crescer em meio a livros, desenhos animados e outros produtos culturais que reforçavam diversos estereótipos, sobretudo racistas (Charles é negro). “A todo momento, eu estava sendo inserido na narrativa de que tudo o que era branco era certo, bom, nobre e bonito; tudo o que era preto, o contrário”, escreveu.

O gancho do artigo foi a recente notícia de que a editora responsável pela obra de Dr. Seuss (de O Grinch) irá parar de publicar seis livros do autor por trazerem ilustrações racistas e insensíveis. No texto, Blow menciona brevemente outros exemplos de desenhos problemáticos, como Pepe e o rato Ligeirinho (também da Warner) – este último, pelas imagens estereotipadas dos mexicanos.

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Em Space Jam: Um Novo Legado, Pepe apareceria brevemente como o bartender de um café, onde começava a flertar com Greice – o personagem a beijava nos braços, inclusive. A atriz, contudo, respondia à cantada com um tapa, que fazia o animal girar em cima do banquinho em que estava sentado.

De acordo com o UOL, a cena continuaria com a chegada de LeBron e Pernalonga, que estavam à procura de Lola. No meio da conversa, Pepe dizia que Penélope havia conseguido uma ordem de restrição contra ele – ao que LeBron respondia que, de fato, ele não deveria agarrar outros Tunes sem permissão.

O anúncio do corte aconteceu alguns dias depois da publicação do artigo do New York Times. No entanto, a Warner disse que a decisão aconteceu há mais de um ano. A cena de Pepe fazia parte da versão do diretor Terrence Nance, que foi substituído por Malcolm D. Lee em 2019.

Excluir ou contextualizar?

Por meio de uma declaração ao site Deadline, Greice se mostrou frustrada com a cena deletada. A artista é vítima de assédio sexual comanda uma iniciativa sem fins lucrativos para vítimas de violência. De acordo com ela, o tapa em Pepe poderia ser uma boa maneira de ensinar aos jovens que forem ver Space Jam que o comportamento do personagem é inaceitável.

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Lidar com antigos personagens e produções culturais problemáticas tem sido um desafio cada vez mais recorrente em Hollywood. “É preciso sempre considerar o contexto e propósito originais em que as obras foram produzidas”, diz Alessandro Costa, professor do curso de Arquivologia UFMG e autor de uma tese sobre a história dos Looney Tunes. “Na época, não havia qualquer referência efetiva a uma perspectiva abusiva do comportamento do Pepe Le Pew. Ele era tratado, de uma maneira geral, como um personagem insistente. Porém, é fato que à luz dos dias de hoje (e observado o seu comportamento obsessivo), as suas histórias possuem forte conotação de assédio sexual.”

No ano passado, a Warner teve problemas ao disponibilizar o clássico …E o Vento Levou (1939) no HBO Max, a sua plataforma de streaming. Diversos usuários insistiram para que o filme fosse retirado do catálogo – um apelo que começou com o diretor John Ridley, de 12 Anos de Escravidão, que disse que o longa trazia um retrato racista.

E o Vento Levou acabou retirado do HBO Max no início de junho de 2020, mas retornou ao catálogo semanas depois. Desta vez, com uma mensagem no início do filme feita por Jacqueline Stewart, professora de estudos de cinema e diretora da fundação Black Cinema House. Confira um trecho da explicação:

“[…E o Vento Levou] Não apenas é uma prova das práticas racistas do passado de Hollywood mas também uma obra resistente de cultura popular que fala diretamente sobre as desigualdades raciais que permanecem na mídia e na sociedade até hoje.”

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O HBO Max chega ao Brasil em junho de 2021, mas já é possível ver mensagens do tipo em outras plataformas, como o Disney+. Para algumas animações antigas, como Peter Pan (1953), A Dama e o Vagabundo (1955) e Aristogatas (1970), o serviço exibe o seguinte aviso:

“Este programa inclui representações negativas e/ou maus tratos de pessoas ou culturas. Estes estereótipos eram incorretos na época e continuam sendo incorretos hoje em dia. Em vez de remover esses conteúdos, queremos reconhecer o impacto nocivo que eles tiveram, aprender com a situação, e despertar conversas para promover um futuro mais inclusivo juntos.”

Até segunda ordem, Pepe Le Pew não aparecerá em produções da Warner. Mas essa não é a única atualização dos Looney Tunes. No novo Space Jam, Lola Bunny foi redesenhada – um pedido do diretor Malcolm D. Lee para consertar a sexualização da versão original dos anos 1990.

 

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