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Por dentro da Netflix

Férias ilimitadas, show de calouros obrigatório, atores escolhidos por computador. Conheça o dia a dia e o futuro da Netflix - que já corresponde a um terço de todo o tráfego da Internet

Por Marcel Nadale
Atualizado em 31 out 2016, 19h00 - Publicado em 11 ago 2015, 16h45

Cerca de 250 pessoas estão reunidas no auditório, vendo uma apresentação sobre os resultados da empresa. Uma situação normal em qualquer corporação. Mas aí o inesperado acontece. A tela e as luzes se apagam, e começa um musical: em que os funcionários recém-contratados cantam e dançam, fantasiados de super-herois, tentando repetir a coreografia ambiciosa que eles treinaram com afinco no último mês. A maioria não consegue (como bailarinos, são excelentes engenheiros). Mesmo assim, são ovacionados no fim do espetáculo. Esse é o ritual de boas-vindas da Netflix. A empresa, que surgiu 18 anos atrás – quando mandava os filmes para os assinantes pelo correio, em DVDs -, acaba de chegar a 62 milhões de usuários, em 50 países. E pretende lançar seu serviço em 200 países até o final do ano que vem.

Netflix

Seu quartel-general fica em Los Gatos, uma pacata cidadezinha a 84 km de San Francisco. Em vez do arranha-céu espelhado e moderno que seria de se esperar de uma empresa que faturou US$ 4,7 bilhões no ano passado, a Netflix ocupa dois prédios baixinhos, de três andares, com cara de resort turístico. O CEO, Reed Hastings, gosta de fazer reuniões num sofá ao lado da cafeteria. Se o papo for particular (e o tempo estiver bom), leva o funcionário para um passeio em um riacho ao lado do prédio. A Netflix cumpre aqueles clichês que se imagina das empresas do Vale do Silício, como dar academia e refeições grátis aos funcionários (com direito a uma distribuição diária de pipoca, às 16h), mas vai um pouco além. Além de fazer o próprio horário, os funcionários podem instituir as próprias férias. Podem sair quando quiserem e, mais importante, por quanto tempo quiserem. Isso faz parte da cultura interna da companhia, batizada de “Liberdade & Responsabilidade”, e na prática acaba tendo o efeito contrário: os funcionários tiram férias curtas e trabalham bastante.

Estações com PlayStations, Wiis, Xboxes, smart TVs, tablets e celulares permitem que os cerca de 1.100 engenheiros no prédio testem rapidamente, em qualquer plataforma, cada mínima mudança no serviço. E elas são frequentes. Estima-se que os algoritmos que regem a Netflix sofram ao menos uma alteração a cada três dias. A maioria é sutil, motivada pelos chamados “testes A/B”, em que dois grupos de até 400 mil assinantes cada recebem, sem saber, interfaces levemente distintas. “Se um dos grupos tiver um aumento no total de horas de streaming, é sinal de que a mudança funcionou. Aí ela é aplicada a todos os usuários”, explica Todd Yellin, vice-presidente de inovação. A nova cara do site da Netflix, que deve estrear ainda este mês, é resultado desse processo. “As nossas decisões são baseadas em 70% de dados e 30% de intuição”, afirma Peter Friedlander, executivo responsável pelo conteúdo próprio da Netflix.

O melhor exemplo disso é a série House of Cards, grande sucesso e maior aposta da Netflix nos últimos anos. Analisando as buscas dos usuários, a Netflix percebeu que o ator Kevin Spacey, o diretor David Fincher, e a versão original da série (que havia sido feita na Inglaterra) eram excepcionalmente populares. Ao olhar essa combinação de dados, os executivos se sentiram tão confiantes que apostaram alto. Investiram US$ 100 milhões para contratar Spacey e Fincher e produzir as duas primeiras temporadas da série, que virou o carro-chefe da Netflix. Deu certo. Nos três primeiros meses após a estreia de House of Cards, em 2013, a empresa ganhou 2 milhões de novos usuários, aumentando o faturamento em US$ 160 milhões. Pagou o investimento, e sobrou.

A Netflix também vai para a rua fazer pesquisas, bate nas portas dos usuários e pergunta a eles ao que costumam assistir. No ano passado, entrevistou 1.500 famílias pelo mundo. Descobriu que nos EUA a televisão ficou muito segmentada, e hoje existem poucos programas que atraiam espectadores de todas as idades, da criança ao vovô. Viu uma oportunidade, e respondeu a ela: fechou um contrato para produzir quatro filmes com o comediante Adam Sandler, conhecido pelo humor “familiar”, e vai ressuscitar a série Três É Demais (Full House), sobre três marmanjos que se veem encarregados de cuidar de três crianças – a versão original foi exibida, entre 1987 e 1995, pela rede ABC. É o tipo de aposta que as TVs abertas e os canais a cabo não estão fazendo.

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Nem tudo que a Netflix tenta dá certo, claro. O melhor exemplo disso é o tímido resultado da série Marco Polo. Com um orçamento de US$ 90 milhões (segundo maior da TV atual, atrás apenas de Game of Thrones), a série não repercutiu como se esperava. O pico de audiência de Marco Polo foi dois dias após a estreia, quando ela foi vista por 1% do total de assinantes da Netflix, segundo números da empresa de pesquisas Luth Research. É pouco (e ficou atrás de outras grandes apostas do site, como House of Cards e Daredevil, que alcançaram de 6,5% e 10,7% dos assinantes em suas respectivas estreias). Mesmo assim, a série deve ganhar uma segunda temporada. “Os nossos produtos têm prazo de validade longo”, diz Friedlander. “Temos dados mostrando que muitas pessoas só agora estão vendo a primeira temporada de House of Cards” (lançada há dois anos). A empresa também poderá usar dados para corrigir eventuais falhas e melhorar Marco Polo. “Nós conseguimos saber se muitos telespectadores desistiram de ver um programa numa determinada cena, por exemplo”, explica o gerente de pesquisas Zach Schendel. “Levamos essa informação à equipe de conteúdo, e eles decidem o que fazer.”

No ano passado, a Netflix lucrou US$ 266 milhões. É bastante, mas nem chega perto dos gigantes da internet (em 2014, o Google lucrou US$ 14 bi e o Facebook US$ 2,9 bi). A empresa começou a experimentar com uma coisa que é tabu para muitos usuários: propaganda. No começo de junho, passou a exibir trailers – de produções da própria Netflix – antes de alguns filmes. Ele diz que foi apenas um teste, e não vai vender o espaço a anunciantes.

Vendo a banda passar

Quando você assiste a um filme na Netflix, o seu computador (ou smart TV, ou videogame) baixa 2 GB de dados, em média. É que os arquivos de vídeo são grandes. Por isso, a Netflix já corresponde a 37% de todo o tráfego da internet, nos EUA, no horário nobre. E, com a chegada de filmes e séries gravadas no formato Ultra HD (4K), que tem mais qualidade de imagem e a Netflix já está adotando em suas produções, a conta fica sete vezes maior: um filme nessa resolução tem 14 GB. Hoje, apenas 1% dos usuários da Netflix tem televisões Ultra HD, mas esse número vai crescer bastante nos próximos anos. Será que a internet terá capacidade suficiente? Um estudo da Cisco Systems, que fabrica equipamentos de infraestrutura da rede, diz que sim. Daqui a quatro anos, a velocidade média da banda larga no Brasil será 19 Mbps – nível adequado para ver conteúdo Ultra HD. Mas o vídeo vai ocupar uma parte gigantesca da internet. Segundo o estudo, o streaming de vídeo (incluindo todos os serviços, não só a Netflix) representará 84% do tráfego no Brasil em 2019.

Inclusive porque a TV a cabo finalmente começou a migrar para a internet. Em março, a HBO lançou (nos EUA) o aplicativo HBO Now, que permite ver os programas do canal pela internet, pagando uma mensalidade de US$ 15. Neste mês, o canal Showtime, outro gigante da TV paga, também vai lançar o próprio app (o que significa que a Netflix poderá perder séries como Penny Dreadful e Dexter, que pertencem ao Showtime). Se a AMC decidir fazer o mesmo e lançar um app próprio, adeus Breaking Bad e Mad Men. E por aí vai. O mercado de vídeo online, onde Netflix e YouTube reinaram praticamente sozinhos, está cada vez mais disputado.

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E o que vai acontecer depende muito de outra questão: a chamada “neutralidade da rede”. Esse conceito diz que todos os sites e serviços devem ser tratados igualmente, ou seja, os provedores de internet não podem privilegiar a velocidade de determinados sites. No Brasil, o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, exige a neutralidade – mas, nos EUA, o assunto ainda está em debate. Oficialmente, a Netflix é a favor da neutralidade. Mas, no ano passado, fechou um acordo com os principais provedores americanos, Comcast e Verizon, que juntos têm mais de 120 milhões de usuários. A Netflix paga uma taxa (cujo valor não foi divulgado) para essas empresas, que em troca garantem acesso rápido ao site. Na prática, os provedores mandam na internet – e têm um poder gigantesco sobre os sites e apps de vídeo.

Por tudo isso, a Netflix terá de se reinventar nos próximos anos. Inclusive para enfrentar um concorrente fortíssimo: os piratas (leia no próximo texto). Mas o pessoal em Los Gatos parece tranquilo. “Você é estimulado a experimentar, a tentar. Às vezes as coisas dão errado, mas tudo bem”, diz Zach Schendel. Como os novos funcionários descobrem no show musical, o importante é entrar na dança.

Alguns dados

A Netflix ocupa 37% de todo o tráfego da internet, nos EUA, no horário de pico

66% dos vídeos são vistos na televisão, 27% no computador e 7% em celular ou tablet

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10 bilhões de horas de vídeo foram assistidas no primeiro trimestre de 2015

45 GB de dados é quanto cada usuário da Netflix consome de dados por mês

São 62 milhões de usuários, em mais de 50 países

5,5 milhões de usuários ainda recebem os filmes pelo correio, em DVD’s

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70% do conteúdo visto são séries

37% dos usuários preferem esperar para assistir em maratona

76% não se importam com Spoilers

51% cometeriam adultério de netflix (assistir a uma série escondido do cônjuge)

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