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“Polvos são os Houdinis do mundo animal”, diz naturalista Sy Montgomery

Os livros de Montgomery sobre o animal serviram de inspiração para nova série do Disney+ produzida por James Cameron. Confira um papo com a escritora.

Por Leo Caparroz, Rafael Battaglia
18 Maio 2024, 18h06

Os polvos talvez sejam a criatura mais “alienígena” da Terra. Eles têm três corações, nove cérebros e são capazes de alterar o próprio RNA. Além disso, conseguem imitar coisas que eles sequer viram antes.

A inteligência desses animais fascina cientistas e curiosos por todo mundo (leia a nossa reportagem sobre eles aqui). Em 2021, por exemplo, o Oscar de Melhor Documentário foi para o filme Professor Polvo, no qual o cineasta Craig Foster acompanhou por um ano a rotina de um polvo na África do Sul para tentar desvendar como a sua mente funciona (e, no caminho, aprendeu lições valiosas com o molusco).

Agora, há mais um documentário no streaming para quem quiser mergulhar (rs) no assunto. Desde abril, O Segredo dos Polvos, uma produção do National Geographic, está no catálogo do Disney+. Trata-se de uma série em três capítulos narrada pelo ator Paul Rudd (o Homem-Formiga do Universo Marvel) e produzida por James Cameron (TitanicAvatar).

Além de cineasta, Cameron é um entusiasta e defensor da vida marinha. Também é um exímio explorador. Em 2012, a bordo de um pequeno submarino, tornou-se a primeira pessoa a mergulhar, sozinha, na Fossa das Marianas, o local mais profundo dos oceanos (11 mil metros abaixo da superfície). Além da série dos polvos, Cameron também produziu um documentário sobre baleias (e outro sobre elefantes).

Imagem de divulgação.
(Disney+/Divulgação)

Com direção de Adam Geiger, O Segredo dos Polvos dedica cada capítulo a falar de um aspecto específico desse animal: a capacidade de alterar sua forma, suas habilidades cognitivas e, por fim, o quão sociável eles são.

Geiger buscou inspiração na obra da naturalista americana (porém nascida na Alemanha) Sy Montgomery, autora de dezenas de livros sobre a vida animal (alguns deles, claro, sobre polvos).

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Em abril, Montgomery bateu um papo com a Super para falar sobre a série e sua relação com polvos. A escritora enfatizou o quão inteligentes esses podem ser, e também reforçou o quão importante é respeitar o que povos nativos têm a ensinar sobre conservação da natureza. Confira como foi a entrevista:

Super: Quando começou seu interesse por polvos?

Sy Montgomery: Sempre fui fascinada por eles. Mas destaco o ano de 2011, quando conheci Athena, um polvo gigante do Pacífico no Aquário da Nova Inglaterra.

Quando o tratador (e agora meu bom amigo) Scott Dowd removeu a tampa do tanque de Athena, seu olho prateado se fixou no meu. Ela ficou vermelha de excitação e saiu de seu esconderijo para me cumprimentar. Seus braços emergiram da água, procurando por mim com suas ventosas, e eu mergulhei minhas mãos e braços para ser envolvida pelos dela.

A partir dali, eu soube que escreveria suas histórias. Percebi que Athena estava tão curiosa sobre mim quanto eu sobre ela. Isso deu início à uma odisseia, que levou a um caso de amor com polvos que continua até hoje.

Qual foi o seu papel no documentário?

O cineasta Adam Geiger me disse que meu primeiro livro, The Soul of an Octopus (“A Alma de um Polvo”, inédito no Brasil) foi uma das fontes de informação e inspiração para a série. O livro foi lançado em 2015 e, para a surpresa de todos, a octomania começou!

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O livro inspirou diretamente a fundação do OctoNation, o maior clube de fãs de polvos do mundo. No ano passado, meio bilhão de pessoas visualizaram seu conteúdo online. O sucesso do meu livro e do OctoNation ajudou a abrir caminho para outros livros e filmes importantes e bonitos sobre polvos, mostrando que eles poderiam atrair um público entusiasta.

Capa de um livro.
(Montagem sobre reprodução/Superinteressante)

Meu novo livro Secrets of the Octopus, que acompanha a série, foi pesquisado enquanto o documentário estava sendo filmado. Ele inclui entrevistas com quase todos os cientistas e mergulhadores apresentados no programa (e alguns que não estão) e também papos com Geiger. E o livro, assim como a série, é dividido em três partes, focando na camuflagem, inteligência e na inesperada sociabilidade dos polvos.

Mas o livro não foi a base para o filme, e o filme não foi a base para o livro, e eu não posso reivindicar crédito pela brilhante realização do documentário. Essa honra vai para Adam e sua equipe!

Você tem algum momento marcante na sua carreira que exemplifique a inteligência dos polvos?

Fui tanto enganada quanto treinada pelos meus amigos polvos! Uma vez, estava apresentando alguns colegas de um programa de rádio à minha amiga Octavia, um polvo gigante do Pacífico. Estávamos dando peixes para ela, fazendo carinho e observando ela mudar de cor. Foi um espetáculo!

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Enquanto ficávamos fascinados, pensamos em lhe dar outro peixe. Mas quando procuramos o balde, ele não estava lá. Ela havia roubado bem debaixo dos nossos narizes!

Outra exemplo foi com um polvo fêmea chamado Kali. Cada polvo é um indivíduo, e ela tinha sua própria ideia de como cada interação deveria proceder. Com outros polvos, oferecíamos um pouco de comida, depois brincávamos, depois oferecíamos mais comida, e assim por diante. Mas Kali queria todos os seus peixes primeiro, e só então queria brincar. Como sabíamos? Porque, a menos que déssemos todos os peixes primeiro, ela nos esguichava na cara um jato de água salgada disparado de seu funil! Uma vez que acatamos suas ideias, ela parou de nos molhar.

Qual você diria que é o atributo mais impressionante da mente de um polvo?

Sua capacidade de resolver problemas novos é tão impressionante. Eles são Houdinis do mundo animal, capazes de escapar das condições mais adversas – às vezes passando seus corpos por pequenas aberturas.

Além disso, eles podem manipular objetos com uma destreza que rivaliza com a nossa, permitindo-lhes desatar nós até mesmo em seda cirúrgica. Polvos usam ferramentas: a série mostra um polvo que é incomodado por um camarão irritante, que tem uma espinha pontiaguda que poderia machucar a sua pele macia. O polvo olha ao redor e vê uma concha no fundo do oceano – então a pega e a segura como um escudo de gladiador!

Um polvo no oceano.
(Disney+/Reprodução)
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O você acha que a mídia pode fazer para ajudar nos esforços de conservação da natureza?

A ciência estabeleceu sem sombra de dúvida o que os povos nativos sabem intuitivamente há milênios: que os animais pensam, sentem e têm conhecimento. Alguns de nós na mídia estão alinhados com isso; outros, não, e enxergam a vida selvagem e os ecossistemas apenas como commodities para uso humano. Isso é imprudente e perigoso.

Essa visão é parte do motivo do porquê como acabamos com os desastres climáticos causados pelo aquecimento global. É assim que, até 2050, projeta-se ter oceanos com mais plástico do que peixes. Uma coisa que devemos fazer melhor é consultar não apenas cientistas, mas também povos nativos por sua sabedoria.

A evolução nos diz que somos todos relacionados, uma grande família, e precisamos de todas essas formas de vida para sermos saudáveis e inteiros. As histórias nativas nos dizem o mesmo, e não é de se surpreender que, em alguns lugares, os povos nativos sejam os que estão criando tratados que dão aos animais, assim como rios e lagos, o status de proteção como “pessoas”. Ou seja: devem ter o direito de viver livremente, sem as pragas da poluição, extração e exploração.

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